terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Direitos Humanos: a denúncia dos tratados de DH

A tese defendida por parte da doutrina sobre o estatuto constitucional de todos os tratados de Direitos Humanos ( DH ), mesmo após a Emenda Constitucional ( EC ) Quarenta e cinco / Dois mil e quatro repercute na temática da denúncia dos tratados ( ato unilateral pelo qual o Estado expressa sua vontade de não mais se obrigar perante o tratado ).


Na linha defendida por Piovesan ( * vide nota de rodapé ), há duas categorias de tratados de DH, ambas de estatura constitucional:


1) o tratado materialmente constitucional, que é aquele aprovado pelo rito comum dos tratados ( por maioria absoluta nas duas Casas do Congresso Nacional - CN - em turno único );

2) o tratado material e formalmente constitucional, que é aquele aprovado pelo rito especial ( por maioria qualificada de Três quintos dos votos em Dois turnos de votação nas duas Casas do CN ) do Artigo Quinto, Parágrafo Terceiro da Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF  - 88 ). Este último seria insuscetível de denúncia e ainda seria parte integrante do núcleo da CF - 88.


Em que pese essa posição ser minoria no Supremo Tribunal Federal ( STF ) ( que adotou, desde Dois mil e oito, a teoria do "duplo estatuto" dos tratados de DH - *2 vide nota de rodapé ), Ramos ( *3 vide nota de rodapé ) entendemos ser inegável o estatuto constitucional de todos os tratados internacionais de DH, em face do disposto especialmente no Artigo Primeiro, Caput, e Inciso Terceiro ( estabelecimento do Estado Democrático de Direito - EDD - e ainda consagração da dignidade humana - *4 vide nota de rodapé - como fundamento da República - *5 vide nota de rodapé ), bem como em face Artigo Quinto, Parágrafo Segundo.


Até o momento, não há posicionamento definitivo do STF sobre a denúncia de tratados de DH. Até que exista esse posicionamento, a posição prevalecente é que bastaria a vontade unilateral do Poder Executivo Federal ( PEF ) ou ainda uma lei do Poder Legislativo Federal ( PEL ), ordenando ao PEF que denunciasse o tratado no plano internacional. Tudo isso sem motivação, uma vez que ingressaria na área da política internacional.


Essa posição tradicional merece revisão. Em um momento de expansão quantitativa e qualitativa do Direito Internacional, os tratados passaram a regular aspectos significativos da vida social interna, que não podem ser abruptamente alterados pela vontade unilateral do PEF, que, aliás, não tem esse poder de revogar unilateralmente normas como tais estatutos normativos ( a depender do tratado, terá força equiparada à lei, superior á lei - supralegal - ou equivalente sà EC ). É necessário consagrar o "paralelismo das formas": como foi exigida a anuência do CN para a ratificação 9 junção de vontades positiva ), deve ser exigida sua anuência para a denúncia. A melhor interpretação atal da CF - 88 é o reconhecimento da exigência da "junção de vontades" ( junção de vontades negativa ) também para o ato de denúncia do tratado. Fica ressalvada, em nome da urgência na defesa dos interesses nacionais, que possa existir rito célere de aprovação da denúncia no CN, em mais um uso dos "diálogos institucionais".


O rito da denúncia de tratados encontra-se ainda sob apreciação do STF na Ação Direita de Inconstitucionalidade ( ADI ) número Mil seiscentos e vinte e cinco, proposta em Mil novecentos e noventa e sete, na qual a Confederação nacional do Trabalhadores na Agricultura ( CONTAG ) questiona o Decreto número Dois mil e cem / Mil novecentos e noventa e seis, pelo qual o Presidente da República ( PR ) da época ( Fernando Henrique Cardoso - do Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB ) promulgou internamente e denúncia ( ato internacional que já havia sido realizado ) á Convenção número Cento e cinquenta e oito da Organização Internacional do Trabalho ( OIT ), que trata do término da relação de trabalho por iniciativa do empregador e veda a dispensa injustificada. Já há votos ( Ministro Joaquim Barbosa - inativo, Ministro Teori Zavaski - falecido, Ministra Rosa Webber, Ministro Maurício Correa - falecido ) favoráveis à tese de que o PR deve contar com o aval prévio do CN, antes da oferta da denúncia.


Assim, há a tendência da superação da visão tradicional referente ao poder arbitrário do PR para denunciar tratados, devendo ser obtida previamente a anuência do CN. Caso ao STF confirme esse entendimento, deve ser observado, ainda, no caso dos tratados de DH aprovados pelo rito especial do Artigo Quinto, Parágrafo Terceiro, o quórum qualificado de Três quintos para aceitação, pelo CN, da denúncia.


Além disso, em qualquer hipótese, a denúncia de um tratado de DH submete-se ao crivo da proibição do retrocesso ( *5 vide nota de rodapé ), ou seja, deve existir motivo para a denúncia que não acarrete diminuição de direitos e ainda cabe controle judicial para verificação da constitucionalidade da denúncia.


Em Dois mil e dezenove, a Procuradoria-Geral da República ( PGR ) peticionou no autos da ADI número mil seiscentos e vinte e cinco solicitando urgência na sua apreciação final, manifestando-se, usando citação de passagem doutrinária de Ramos ( *6 vide nota de rodapé ), a favor da:


1) aprovação congressual da denúncia ( com quórum qualificado ), respeitada

2) a proibição de retrocesso ( existência de motivo para que a denúncia não acarrete a diminuição de direitos usufruídos ) e com

3) controle judicial para a verificação da constitucionalidade da denúncia.


Em Dois mil e vinte, foi interposta a ADI número Seis mil quinhentos e quarenta e quatro impugnando, pela ausência de anuência do CN, a denúncia do Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-americanas ( UNASUL ). Formalmente, pugnou-se pela declaração de inconstitucionalidade do Artigo Primeiro, Inciso Cento e três, do Decreto número Dez mil e oitenta e seis, de Cinco de novembro de Dois mil e dezenove, que revogou o Decreto número Sete mil seiscentos e sessenta e sete, de Onze de janeiro de Dois mil e doze, o qual promulgara o Tratado da UNASUL ( ADI número Seis mil quinhentos e quarenta e quatro, relator Ministro Ricardo Lewandowski, em trâmite ).


Quadro sinótico


A denúncia de tratado internacional de DH em face do direito brasileiro


1) Entende-se que, no caso dos tratados de DH, em face da matéria vinculada á dignidade humana, toda denúncia deveria ser apreciada pelo CN.

2) Além dessa aprovação congressual ( com quórum qualificado, no caso dos tratados aprovados pelo rito especial do Artigo Quinto, Parágrafo Terceiro ), a denúncia ainda deve passar pelo crivo da proibição do retrocesso ou "efeito cliquet", consequência do regime jurídico dos direitos fundamentais.

3) A justificativa constitucionalmente adequada para a denúncia seria a ocorrência de desvios na condução dos tratados, o que conspiraria contra a defesa dos DH.

4) O controle do respeito ao "efeito cliquet" deve ser feito pelo Poder Judiciário.

5) A posição prevalecente sobre a denúncia de tratados de DH, entretanto, é que basta a vontade unilateral do PEF ou ainda uma lei do PLF, ordenando ao PEF que denunciasse o tratado no plano internacional.

6) O tema da exigência da aprovação prévia do CN para a denúncia de um tratado ainda está em aberto no STF ( ADI Mil seiscentos e vinte e cinco / Mil novecentos e noventa e sete, ainda em trâmite no STF em setembro de Dois mil e dezenove ). Em Dois mil e vinte, foi proposta a ADI Seis mil quinhentos e quarenta e quatro, relator Ministro Ricardo Lewandowski, em trâmite ) que busca declarar a inconstitucionalidade da revogação do Decreto Sete mil seiscentos e sessenta e sete ( promulgação do Tratado da UNASUL ). 


P.S.:


Notas de rodapé:


* Piovesan, F. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. Sétima edição. São Paulo : Saraiva, Dois mil e seis, página setenta e sete.


*2 Duplo estatuto dos tratados de DH: natureza constitucional, para os aprovados pelo rito do Artigo Quinto, Parágrafo Terceiro; natureza supralegal, para todos os demais, quer sejam anteriores ou posteriores à EC Quarenta e cinco e que tenham sido aprovados pelo rito comum ( maioria simples, turno único em cada Casa do CN ).


*3 Ramos, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. Sétima edição, São Paulo : Saraiva, Dois mil e dezenove, página Quinhentos e oitenta e dois.


*4 O princípio da dignidade humana, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-dignidade-humana-e.html .


*5 A vedação ao retrocesso, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-vedacao-ao-retrocesso.html .


*6 Ramos, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. Sétima edição, São Paulo : Saraiva, Dois mil e dezenove, página Quinhentos e oitenta e três.


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-denuncia-dos-tratados-de-dh .  

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