sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Direitos Humanos: a vontade do Brasil de celebrar tratados internacionais e suas fases

Há três fases que levam a formação da vontade do Brasil em celebrar um tratado, assumindo obrigações perante o Direitos Internacional:


1) a fase de assinatura;

2) a fase da aprovação congressual ( ou fase do Decreto Legislativo - DL ); e

3) a fase da ratificação.


Há ainda uma quarta fase, que é a fase de incorporação do tratado já celebrado pelo Brasil ao ordenamento interno, denominada fase do Decreto Presidencial ( ou Decreto de Promulgação ).


A fase de assinatura é iniciada com as negociações do teor do futuro tratado. As negociações dos tratados internacionais não possuem destaque no corpo da Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ), sendo consideradas de atribuição do Chefe de Estado, por decorrência implícita do disposto no Artigo Oitenta e quatro, Inciso Oitavo, que dispõe que compete ao Presidente da República ( PR ) celebrar tratados, convenções e acordos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional ( CN ).


Usualmente, após uma negociação bem-sucedida, o Estado realiza a assinatura do texto negociado, pela qual manifesta sua predisposição em celebrar, no futuro, o texto do tratado. Por sua vez, há ainda a possibilidade de adesão a textos de tratados já existentes, dos quais o Brasil não participou da negociação. A assinatura é de atribuição do Chefe de Estado, fruto do disposto no Artigo Oitenta e quatro, Inciso Oitavo, que utiliza o vocábulo "celebrar" em sentido impróprio: a assinatura, em geral não vincula o Estado brasileiro. Antes, é necessário, de acordo com a linguagem do próprio Artigo Oitenta e quatro, Inciso Oitavo, o referendo ou aprovação do CN.


Após a assinatura, cabe ao Poder Executivo Federal (PEF ) encaminhar o texto assinado do futuro tratado ao CN, no momento em que julgar oportuno. A CF - 88 foi omissa quanto a prazos, enquanto a Constituição de Mil novecentos e sessenta e sete fixou o prazo de quinze dias após sua assinatura para que o PEF encaminhasse o texto do tratado ao CN ( Artigo Quarenta e sete, Parágrafo Único ). Na ausência de prazo, entende-se que o próprio envio é ato discricionário do PR.


A segunda etapa do iter de formação dos tratados no Brasil é a da aprovação congressual ou fase do DL.


A Constituição de Mil oitocentos e vinte e quatro introduziu essa exigência para os tratados concluídos em tempo de paz envolvendo "cessão ou troca de território do Império ou de Possessões a que o Império tenha direito", determinando que não poderiam ser ratificados sem a aprovação prévia da Assembleia Geral ( Artigo Cento e dois, Inciso Oitavo ). para os demais tratados, não era exigida essa anuência prévia, mas tão somente o envio à Assembleia para conhecimento após a ratificação, desde que o interesse ou segurança do Estado permitissem ( admitiam-se, então, os tratados secretos ).


A Constituição de Mil oitocentos e noventa e um generalizou a necessidade de aprovação congressual antes da ratificação ao dispor, em seu Artigo Quarenta e oito, item Dezesseis, que ao PR cabia celebrar os tratados sempre ad referendum ( * vide nota de rodapé ) do CN. Ao CN cabia resolver definitivamente sobre os tratados e convenções com as nações estrangeiras. Essa fórmula foi o maior avanço constitucional no processo de formação de tratados para o Brasil, impondo a necessidade de aprovação dos textos dos tratados pelo Poder Legislativo Federal ( PLF ).


A CF - 88 repetiu a velha fórmula: cabe ao CN resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional ( Artigo Quarenta e nove, Inciso Primeiro ) e ainda cabe ao PR celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do CN ( Artigo Oitenta e quatro Inciso Oitavo ). Note-se que a expressão latina ad referendum, tradicional nas Constituições anteriores, foi substituída pelo equivalente "sujeitos a referendo".


O trâmite da fase da aprovação congressual é o seguinte:


a) O PR encaminha mensagem presidencial ao CN, fundamentada ( a exposição de motivos é feita pelo Ministro das Relações Exteriores ( MRE ), solicitando a aprovação congressual ao texto do futuro tratado, que vai anexado na versão oficial em português.

b) Como é iniciativa presidencial, o trâmite é iniciado pela Câmara dos Deputados ( CD ), no rito de aprovação de DL, que é espécie legislativa que veicula matéria de competência exclusiva do CN. De acordo com o Regimento Interno ( RI ) da CD, a Mensagem Presidencial é encaminhada, inicialmente, para a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional ( CREDN ), que prepara o Projeto-de-Decreto ( PDC ). Após, o PDC é parecido pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania ( CCJ ), que analisa a constitucionalidade do texto do futuro tratado. O próximo passo é o parecer sobre a conveniência e oportunidade da CREDN, bem como de outras Comissões temáticas, a depender da matéria do futuro tratado. O PDC é remetido do Plenário da CD, para aprovação por maioria simples, estando presente a maioria absoluta dos membros da Casa ( Artigo Quarenta e sete da CF - 88 ).

c) Após a aprovação0 no plenário da CD, o PDC é apreciado no Senado Federal ( SF ). No SF, o PDC é encaminhado à CREDN. Em seu rito normal, após o parecer dessa CREDN, o PDC é votado no Plenário. Há, contudo, um rito abreviado previsto no Artigo Noventa e um, Parágrafo Primeiro, do RI do SF, que possibilita ao Presidente do SF, ouvidas as lideranças, conferir à CREDN a apreciação terminativa ( final ) do PDC. Aprovado no rito normal ( Plenário ) ou no rito abreviado ( Comissão ), o Presidente o SF promulga e publica o DL. Caso o Senado apresente emenda, O PDL retorna para a CD ( Casa iniciadora ) para a apreciação que analisará. Rejeitada a emenda pela CD, o PDL segue para o Presidente do SF para promulgação e publicação. O texto do tratado intenacional é publicado como anexo do DL no Diário Oficial do CN ( DOCN ).


Não há prazo para o término do rito de aprovação congressual, mesmo quanto aos tratados de Direitos Humanos ( DH ). Tudo depende da conveniência política: o PDL pode ser rapidamente analisado e aprovado, ou arrastar-se por décadas.


A atuação legislativa na análise do tratado é reduzida, com pouca margem de interferência: em geral, cabe ao CN aprovar ou rejeitar o PDL. Caso o PDL seja rejeitado na CD ou no SF, há o envio de mensagem ao PR, informando-o do ocorrido.


Como a CF - 88 é omissa quanto às emendas a textos de tratados, o CN  brasileiro, utilizando a máxima qui potest maius potest minus ( *2 vide nota de rodapé ), aceita aprovar tratados com emendas, que assumem a forma de "ressalvas". Em geral, as alterações do texto do tratado podem ser impostas pelo CN da seguinte forma:


i) Basta que não sejam aprovados determinados dispositivos, que ficam ressalvados no texto do DL: sem a aprovação do CN, o PR não terá outra escolha a não ser impor reservas desses dispositivos no momento da ratificação ( a reserva é o ato unilateral pelo qual o Estado, no momento da celebração final, manifesta seu desejo de excluir ou modificar o texto do tratado ).

ii) Além disso, a emenda pode exigir a modificação de parte do texto do tratado, cuja nova redação também consta do DL, que também será comunicada pelo PR aos demais parceiros internacionais sob a forma de reservas.

iii) Caso o PR não concorde com tais ressalvadas, sua única opção é não ratificar o tratado.


A fórmula usual de redação do DL é concisa, com dois Artigos e um Parágrafo: no primeiro, fica expressa a vontade congressual em aprovar o texto do tratado ( "Fica aprovado" ), contendo as ressalvas eventualmente impostas de Artigos; em seu Parágrafo Único, repete-se, em clara redundância, a fórmula do Artigo Quarenta e nove, Inciso Primeiro, da CF - 88, dispondo que "ficam sujeitos à aprovação do CN quaisquer atos que impliquem revisão do tratado, bem como quaisquer atos que, nos termos do Inciso Primeiro do Caput do Artigo Quarenta e nove da CF - 88, acarrete encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional"; o segundo Artigo dispõe que o DL entra em vigor na data de sua publicação. Com isso, fica o PR autorizado a celebrar em definitivo o tratado por meio da ratificação ou ato similar.


Aprovando o DL, o PR, querendo, pode, em nome do Estado, celebrar em definitivo o tratado, o que é feito, em geral, pela ratificação. O PR pode, também, formular reservas ao ratificar o tratado internacional, além daquelas que, obrigatoriamente lhe foram impostas pelas ressalvas ao texto aprovado pelo CN. Não há a necessidade de submeter essas novas reservas ao CN, uma vez que se trata de desejo de não submissão ao Brasil a norma internacional. Esse desejo não é passível de controle pelo CN, da mesma maneira que, graças à separação das funções do poder ( *3 vide nota de rodapé ), não pode se obrigado o PR a ratificar um determinado tratado internacional.


A leitura dos Artigos Oitenta e quatro, Inciso Oitavo, e Quarenta e nove, Inciso Primeiro,, em conjunto faz nascer um mínimo denominador comum: caso o CN ou, o PR, não aceite determinada disposição convencional, ela deve ser sujeita a reserva. Por isso, a celebração de um tratado é um ato complexo: não baseta a vontade isolada de um Poder: é necessária a junção da vontade dos PLF e PEF.


Não há um prazo no qual o PR deve celebrar em definitivo o tratado, em face do próprio dinamismo da vida internacional. Como o CN não possui prazo para aprovar o texto do futuro tratado, nada impede que a aprovação tenha sido realizada tardiamente, desaparecidas as condições convenientes da época da assinatura do tratado pelo PR. Logo, não é adequado exigir que a ratificação seja obrigatória: ela é da alçada discricionária do PR.


Resta ainda verificar quando o tratado entrará em vigor, pois isso depende do texto do próprio tratado. Há tratados que estabelecem um número mínimo de Estados Partes e há tratados que exigem o decurso de um lapso temporal para que comecem a viger. Essa executoriedade no plano internacional é essencial para que o tratado possa ser, coerentemente, exigido no plano interno. Seria violar o próprio conceito de "tratado", exigir internamente o cumprimento de seus termos, se ainda o tratado não entrou em vigor internacionalmente.


Há, após a ratificação e entrada em vigor do tratado no plano internacional, o fim do ciclo de formação de um tratado para o Brasil.


Porém, a norma, válida internacionalmente, não será válida internamente até que seja editado o Decreto de Promulgação ( também chamado de Decreto Executivo do Decreto Presidencial ) pelo PR e referendado pelo MRE ( Artigo Oitenta e sete, inciso Primeiro da CF - 88 ), que incorpora ou recepciona internamente o tratado.


Esse Decreto inova a ordem jurídica brasileira, tornando válido o tratado no plano interno. Não há prazo para sua edição e até lá o Brasil está vinculado internacionalmente, mas não internamente: esse descompasso enseja a óbvia responsabilização internacional do Brasil. De fato, há casos de edição de de decreto executivo anos após a entrada em vigor internacional do tratado. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal ( STF ) tem decidido reiteradamente, que o decreto de promulgação é indispensável para que o tratado possa ser recepcionado e aplicado internamente, justificando tal exigência em nome da publicidade e segurança jurídica a todos ( Carta Rogatória número Oito mil duzentos e setenta e nove - Agravo Regimental, relator Ministro Presidente Celso de Mello, julgada em Dezessete de junho de Mil novecentos e noventa e oito, Plenário, Diário da Justiça de Dez de agosto de Dois mil ).


A posição de Ramos ( *4 vide nota de rodapé ) é pela desnecessidade da edição do decreto de promulgação para todo e qualquer tratado. A publicidade da ratificação e entrada em vigor internacional deve ser apenas atestada ( efeito meramente declaratório ) nos registros públicos dos atos do MRE ( Diário Oficial da União - DOU ). Esse aviso, de caráter declaratório, em nada afetaria o disposto no Artigo Oitenta e quatro, Inciso Oitavo, e ainda asseguraria publicidade - desejável em nome da segurança jurídica - e sintonia entre a validade internacional e a validade interna dos tratados ( *5 vide nota de rodapé ).


Contudo, em Dois mil e dezoito, no caso da impugnação do registro da candidatura do então ex-PR, atual PR Luiz Inácio Lula da Silva ( do Partido dos Trabalhadores - PT ), o Tribunal Superior Eleitoral ( TSE ) reiterou a jurisprudência tradicional do STF e decidiu que a ausência do Decreto de Promulgação impedia a incorporação do Primeiro Protocolo ao pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos ( PIDCP ) ( *6 vide nota de rodapé ) ao ordenamento jurídico brasileiro ( ironicamente, não editado nas gestões dos então PRs Lula e Dilma Rousseff ). para o TSE, o Primeiro Protocolo Facultativo "não está em vigor na ordem interna brasileira" ( TSE, Registro de Candidatura número Seiscentos mil novecentos e três - Cinquenta . Dois mil e dezoito . Seis . Zero Zero . Zero Zero Zero Zero, relator Ministro Roberto Barroso, por maioria, julgado em Trinta e um de agosto de Dois mil e dezoito ).             


P.S.:


Notas de rodapé:


* ad referendum: para apreciação posterior, para aprovação. Dicionário latim - português : termos e expressões / supervisão editorial Jair Lot Vieira - São Paulo : Edipro, Dois mil e dezesseis.


*2 qui potest maius potest minus: quem  pode mais, pode o menos. Ramos, André de Carvalho. Curso de direitos humanos / Oitava edição - São Paulo : Saraiva Educação, Dois mil e um. Mil cento e quarenta e quatro Páginas. Página Quinhentos e sessenta e três.


*3 A separação dos poderes, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-separacao-dos-poderes.html .


*4 Ramos, André de Carvalho. Curso de direitos humanos / Oitava edição - São Paulo : Saraiva Educação, Dois mil e um. Mil cento e quarenta e quatro Páginas. Página Quinhentos e sessenta e quatro.


*5 Ramos, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. Sétima edição, São Paulo : Saraiva, Dois mil e dezenove, página Trezentos e onze. 


*6 O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, no contexto dos Direitos Humanos é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-pacto-obriga-estados.html .


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-vontade-do-brasil-de-celebrar-tratados-internacionais-e-suas-fases .  

Nenhum comentário:

Postar um comentário