terça-feira, 4 de maio de 2021

Direitos humanos: doutrinas e jurisprudências

Resumo


Para melhor entendimento deste texto, recomenda-se antes a leitura do texto introdutório disponível em https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral . Para quem já leu o referido texto introdutório, agora sim, segue o resumo do subtema doutrinas e jurisprudências sobre DH.


Inviolabilidade domiciliar


O preceito constitucional consagra a inviolabilidade do domicílio, direito fundamental enraizado mundialmente, a partir das tradições inglesas, conforme verificado no discurso de Lord Chatham no Parlamento britânico: O homem mais pobre desafia em sua casa todas as forças da Coroa, sua cabana pode ser muito frágil, seu teto pode tremer, o vento pode soprar entre as portas mal ajustadas, a tormenta pode nela penetrar, mas o Rei da Inglaterra não pode nela entrar.


No sentido constitucional, o termo domicílio tem amplitude maior do que no direito privado ou do senso comum, não sendo somente a residência, ou ainda, a habitação com intenção definitiva de estabelecimento. Considera-se, pois, domicílio, todo local, delimitado e separado, que alguém ocupa com exclusividade, a qualquer título, inclusive profissionalmente ( Serviço de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Ementário Superior Tribunal de Justiça número Mil oitocentos e quatro - Dígito Onze ), pois nesta relação entre a pessoa e espaço preserva-se mediatamente a vida privada do sujeito ( Barile, Paolo. Dimitri dell'uomo e libertá foundamentali. Bolonha: Il Molino, Mil novecentos e oitenta e quatro. Página Cento e cinquenta e quatro ). A própria Constituição Federal, porém, estabelece as exceções à inviolabilidade domiciliar. Assim, a casa é asilo inviolável do indivíduo ninguém nela podendo ou destarte, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.


O Supremo Tribunal Federal já decidiu que mesmo sendo a casa do asilo inviolável do indivíduo, não pode ser transformado em garantia de impunidade de crimes, que em seu interior se praticam ( Revista Trimestral de Jurisprudência número Setenta e quatro / Oitenta e oito e Oitenta e quatro / Trezentos e dois ).


Assim, violação de domicilio legal, sem consentimento do morador, é permitida, porém somente nas hipóteses constitucionais:


1) Dia - flagrante delito ( Revista dos Tribunais número seiscentos e setenta / Duzentos e setenta e três; Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Revista dos Tribunais número Seiscentos e oitenta e oito / Duzentos e noventa e três ) ou destarte ou para prestar socorro, ou ainda por determinação judicial.


2) Noite - flagrante delito ou destarte para prestar socorro.


Conceito de "casa" em caráter amplo ( qualquer aposento ocupado de habitação coletiva )


Supremo Tribunal Federal - Segunda Turma - Recurso de Habeas Corpus número Noventa mil trezentos e setenta e seis / Rio de Janeiro - relator Ministro Celso de Mello, decisão em Três de abril de dois mil e sete e Informativo Supremo Tribunal Federal número Quatrocentos e sessenta e sete. Conferir ainda, a inviolabilidade domiciliar e escritórios profissionais: O termo domicílio, constitucionalmente analisado, tem amplitude maior do que no direito privado ou no senso comum, não sendo somente a residência, ou, ainda, a habitação com intenção definitiva de estabelecimento. Considera-se, pois, domicílio todo local, delimitado e separado, que alguém ocupa com exclusividade a qualquer título, inclusive profissionalmente, pois nesta relação entre a pessoa e espaço preserva-se, mediatamente, a vida privada do sujeito. Neste sentido: Supremo Tribunal Federal - "Para os fins da proteção jurídica a que se refere o Artigo Quinto, Inciso Onze, da Constituição da República, o conceito normativo de 'casa' revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade ( Código Penal, Artigo Cento e cinquenta, Parágrafo Quarto, Inciso Terceiro ), compreende, observada esta específica limitação espacial ( área interna não acessível ao público ), os escritórios profissionais, inclusive os de contabilidade, 'embora se conexão com a casa de moradia propriamente dita' ( Nelson Hungria ). Doutrina. Precedentes. - Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional ( Artigo Quinto Inciso Onze ), nenhum agente público, ainda que vinculado à administração tributária do Estado, poderá, contra a vontade de quem de direito ( 'invito domino' ), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em espaço privado não aberto ao público, onde alguém exerce sua atividade profissional, sob pena de a prova resultante da diligência de busca e apreensão assim executada reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude material. Doutrina. Precedentes específicos, em tema de fiscalização tributária, a propósito de escritórios de contabilidade ( Supremo Tribunal Federal - Segunda Turma - Habeas Corpus número Oitenta e dois mil setecentos e oitenta e oito / Rio de Janeiro - relator Ministro Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção Primeira, de Dois de junho de Dois mil e seis, Página Quarenta e três ).


Violação de domicílio por decisão administrativa. Impossibilidade


Supremo Tribunal Federal - "a essencialidade da ordem judicial para efeito de realização das medidas de busca e apreensão domiciliar nada mais representa, dentro do novo contexto normativo emergente da Carta Política de Mil novecentos e oitenta e oito, senão a plena concretização da garantia constitucional pertinente à inviolabilidade do domicílio. Daí a advertência - que cumpre ter presente - feita por Celso Ribeiro Bastos, no sentido de que "é forçoso reconhecer que deixou de existir a possibilidade de invasão por decisão de autoridade administrativa, de natureza policial ou não. Perdeu portanto a Administração a possibilidade da natureza da auto-executoriedade administrativa" ( Pleno - Ação Penal número trezentos e sete - Dígito Três - Distrito Federal, trecho de voto do Ministro-relator Ilmar Galvão, ?Serviço de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Ementário Superior Tribunal de Justiça número Mil oitocentos e quatro - Dígito Onze, Diário da Justiça da União de Treze de outubro de Mil novecentos e noventa e cinco ).


Inviolabilidade domiciliar e Fisco


Supremo Tribunal Federal - "este amplo sentido conceitual da noção jurídica de 'casa' revela-se plenamente consentâneo com a exigência constitucional de proteção à esfera de liberdade individual e de privacidade pessoal ( revista dos Tribunais número Duzentos e quatorze / Quatrocentos e nove; Revista dos Tribunais número Quatrocentos e sessenta e sete / Trezentos e oitenta e cinco; Revista dos Tribunais Seiscentos e trinta e cinco / Trezentos e quarenta e um ). É por esta razão que a doutrina - ao destacar o caráter abrangente deste conceito jurídico - adverte que o princípio da inviolabilidade estende-se ao espaço em que alguém exerce, com exclusão de terceiros, qualquer atividade de índole profissional ( Miranda, Pontes de. Comentários à Constituição de Mil novecentos e sessenta e sete com a emenda número Um de Mil novecentos e sessenta e nove, Segunda edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, Mil novecentos e setenta e quatro, t. Cinco, Página Cento e oitenta e sete; Cretella Júnior, José. Comentários à Constituição de Mil novecentos e oitenta e oito. Rio de Janeiro: Forense, Mil novecentos e oitenta e nove. Volume Um, Página Duzentos e sessenta e um, item número Cento e cinquenta; Ferreira, Pinto. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, Mil novecentos e oitenta e nove. Volume Um, Página Oitenta e dois; Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de Mil novecentos e oitenta e oito. São Paulo: Saraiva, Mil novecentos e noventa. Volume Um, Páginas Trinta e seis a Trinta e sete; Maximiliano, Carlos. Comentários à Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, Mil novecentos e quarenta e oito. Volume Três, Página Sessenta e um; Grotti, Dinorá Adelaide Musetti. Inviolabilidade do domicílio na Constituição. São Paulo: Malheiros, Mil novecentos e oitenta e três. Páginas Setenta a Setenta e oito, v.g. ). Sendo assim, nem a Polícia Judiciária nem a administração tributária podem, afrontando direitos assegurados pela Constituição da República, invadir domicílio alheio com o objetivo de apreender, durante o período diurno, e sem ordem judicial, quaisquer objetos que possam interessar ao Poder Público. A Constituição Federal prescreve, no Artigo Cento e Quarenta e cinco, Parágrafo Primeiro, que a administração tributária está sujeita, na efetivação das medidas e na adoção de providências que repute necessárias, ao respeito incondicional aos direitos individuais, dentre os quais avulta, por sua indiscutível importância, o direito à inviolabilidade domiciliar. Daí a observação de Ives Gandra Martins - reiterada por Sacha Calmon Navarro Coelho - no sentido de que os poderes de investigação do Fisco estão essencialmente limitados pelas cláusulas subordinantes da Constituição Federal cujas prescrições proclamam a necessidade de efetiva submissão do Poder Estatal aos direitos individuais assegurados pela Lei Fundamental. Por isto mesmo, assinala Ives Gandra Martins ( Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, Mil novecentos e noventa. Volume Seis, t. Um, Página Sessenta e quatro ): "De início, o direito de fiscalizar é um direito inerente à Administração dentro das regras próprias do direito administrativo. E como a Constituição garante os direitos individuais, à evidência, garante a inviolabilidade do domicílio nos termos do Artigo Quinto, Inciso Onze, com o que o Fisco, pela nova Constituição, não tem mais direitos do que aqueles que tinha com a Constituição pretérita" ( Supremo Tribunal Federal - Pleno - Ação Penal número Trezentos e sete - Dígito Três - Distrito Federal, Serviço de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Ementário Superior Tribunal de Justiça número Dezoito mil e noventa e quatro - Dígito Onze ). Neste mesmo sentido: Supremo Tribunal Federal - "A circunstância de a administração estatal achar-se investida de poderes excepcionais que lhe permitem exercer a fiscalização em sede tributária não a exonera do dever de observar, para efeito do legítimo desempenho de tais prerrogativas, os limites impostos pela Constituição e pelas leis da República, sob pena de os órgãos governamentais incidirem em frontal desrespeito às garantias constitucionalmente asseguradas aos cidadãos em geral e aos contribuintes em particular. - Os procedimentos dos agentes da administração tributária que contrariem os postulados consagrados pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de inadmissível subversão dos postulados constitucionais que definem, de modo estrito, os limites - inultrapassáveis - que restringem os poderes do Estado em suas relações com os contribuintes e com terceiros" ( Supremo Tribunal Federal - Segunda Turma - Habeas Corpus número Oitenta e dois mil setecentos e oitenta e oito / Rio de Janeiro - relator Ministro Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção Primeira de Dois de junho de dois mil e seis, Página Quarenta e três ). Importante ressaltar, porém, que o Supremo Tribunal Federal entendeu inexistir a inviolabilidade domiciliar para efeitos fiscais, se houver consentimento para o ingresso no estabelecimento comercial: Supremo Tribunal Federal - "O Tribunal, por maioria, indeferiu o habeas corpus, impetrado em favor de pacientes acusados de suprimirem tributos ( Lei número Oito mil cento e trinta e sete / Mil novecentos e noventa, Artigo Primeiro, Incisos Primeiro e Segundo ), em que se alegava, em face do princípio da inviolabilidade do domicílio ( Constituição Federal, Artigo Quinto, Inciso Onze ), a inconstitucionalidade da busca e da apreensão de papeis feita pela Receita Federal do Brasil, sem autorização judicial, consubstanciando prova obtida por meio ilícito ( Constituição Federal, Artigo Quinto, Inciso Cinquenta e seis ). O tribunal, sem se comprometer com a tese da defesa, indeferiu o pedido, uma vez que houve o consentimento dos pacientes `entrada dos agentes do fisco em seu estabelecimento comercial. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que deferia a ordem por entender que a busca e apreensão de documentos dependem de autorização judicial" ( Supremo Tribunal Federal - Pleno - Habeas Corpus número Setenta e nove mil quinhentos e doze / Rio de Janeiro - relator Ministro Sepúlveda Pertence, decisão: Dezesseis de dezembro de Mil novecentos e noventa e nove. Informativo Supremo Tribunal Federal número Cento e setenta e cinco ).


Invasão de domicílio e estado de flagrância


O Estado de flagrância caracterizado afasta do mandado judicial ( Supremo Tribunal Federal - Segunda Turma - Habeas Corpus número Setenta mil novecentos e nove / São Paulo - relator Ministro Paulo Brossard, Diário da Justiça, Seção I, Vinte e cinco de novembro de Mil novecentos e noventa e quatro, Página Trinta e dois mil duzentos e noventa e nove ).


Consentimento do morador


Superior Tribunal de Justiça - "Policiais que, em diligência, pela madrugada, autorizados pelo morador, ingressaram em residência para verificação de denúncia de ocultação de drogas. Hipótese não contemplada pelo Artigo Quinto, Inciso Onze, da Constituição Federal, que pressupõe o não consentimento do morador" ( Quinta Turma - Recurso de Habeas Corpus número Quatro mil duzentos e vinte e cinco / Mato Grosso do Sul - relator Ministro Assis Toledo, Diário da Justiça, Seção Primeira, Seis de março de Mil novecentos e noventa e cinco, Página quatro mil trezentos e setenta e quatro ).


Conceito constitucional de casa


Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - "A casa é o asilo inviolável do cidadão enquanto respeitada sua finalidade precípua não se estende a lares desvirtuados, tais como locais ou pontos clandestinos de drogas" ( JTJ / São Paulo - Lex Cento e quarenta e um / trezentos e noventa e quatro ); Tribunal Regional Federal da Primeira Região - "A lancha de serviço ou passeio não pode ser conceituada como domicílio para os fins do Inciso Onze do Artigo Quinto da Constituição. Daí não se exigir mandado" ( Terceira Turma - habeas Corpus número Noventa e um. Um. Nove mil quatrocentos e sessenta e um - Dígito Zero / Amazonas - relator Juiz Adhemar Maciel, Diário da Justiça, Seção Segunda, Vinte e três de setembro de mil novecentos e noventa e um, Página Vinte e três mil cento e três ).


Invasão de domicílio e busca e apreensão


Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - "A Constituição da República não proíbe a busca e apreensão de coisas por ocasião do flagrante, mantendo sua eficácia o Artigo Duzentos e quarenta do Código de Processo Penal, que compreende na busca domiciliar tanto a prisão como a apreensão das coisas" ( JTJ / São Paulo - Lex número Cento e quarenta e um / Quatrocentos e três ).


Questão do dia e da noite


Para José Afonso da Silva, dia é o período das Seis horas da manhã às Dezoito noras, ou seja, "sol alto, isto é, das seis às dezoito", esclarecendo Alcindo Pinto Falcão que durante o dia a tutela constitucional é menos ampla, visto que a lei ordinária pode ampliar os casos de entrada na casa durante aquele período, que se contrapõe ao período da noite ( Comentários à Constituição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, Mil novecentos e noventa. Volume Um. Página Cento e oitenta e seis ). pra Celso de Mello, deve ser levado em conta o critério físico-astronômico, como o intervalo de tempo situado entre a aurora e o crepúsculo ( Constituição... Op. cit. Página Quatrocentos e quarenta e dois ).


Entende-se que a aplicação conjunta de ambos os critérios alcança a finalidade constitucional de maior proteção ao domicílio durante a noite, resguardando-se a possibilidade de invasão domiciliar com autorização judicial, mesmo após as dezoito horas, desde que, ainda, não seja noite ( por exemplo: horário de verão ).


Este critério misto compatibiliza-se com a ratio constitucional, no sentido de proteção da casa durante o período noturno, possibilitando um descanso seguro a seus moradores, bem como diminuindo a possibilidade de arbitrariedades que estariam melhor acobertadas pelo manto da escuridão.


Um excelente monografia sobre o tema, Dinorá Adelaide Musetti Grotti esclarece que


"a jurisprudência brasileira tem decidido que por noite deve-se entender o tempo compreendido entre o ocaso, isto é, o desaparecimento do sol no horizonte, e o seu nascimento. O espaço de tempo que vai desde o crepúsculo da tarde até o crepúsculo da manhã ( Jornal do Tribunal de Alçada Criminal número Quarenta e seis / Cento e cinquenta e cinco, Setenta  / Duzentos e dezesseis; Revista dos Tribunais número Quinhentos e cinquenta e cinco / Trezentos e cinquenta e sete ). Portanto, o período variará de acordo com a época do ano, sendo mais longo no inverno e bem mais curto no verão" ( Inviolabilidade do domicílio na Constituição. São Paulo: Malheiros, Mil novecentos e noventa e três. Página Cento e quatorze ).


Referência


Moraes, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos artigos primeiro a quinto da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência - Oitava edição - São Paulo: Atlas, Dois mil e sete. Página Cento e trinta e seis e Cento e quarenta.


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-43 .

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