segunda-feira, 17 de abril de 2023

Emergência em saúde: Em uma década, SC passa de caso isolado para emergência para dengue

Em Dois mil e doze, o Estado de Santa Catarina ( SC ) tinha apenas um caso autóctone ( de contaminação no Estado ) de dengue. Ou seja, até então, os casos de contaminação vinham de fora. Uma década depois, no entanto, com mais de Oitenta mil casos, o Estado fechou o ano de Dois mil e vinte dois em contexto epidêmico da doença. Mas, há Três anos, o Aedes aegypti é responsável por episódios de crise na saúde pública e cenários degradantes, como unidades superlotadas e longas filas de espera para atendimento.



Há pelo menos três anos, o Aedes aegypti é responsável por episódios de crise na saúde pública e cenários degradantes ( Foto : Tiago Ghizoni / Diário Catarinense )

Apesar da infestação em território nacional, o mosquito não é natural do Brasil. Para entender como chegou e se estabeleceu no Estado, a reportagem do jornal Diário Catarinense ( DC ) conversou com especialistas que explicaram por onde o inseto entrou e como se proliferou tão rapidamente.

Transmissor da dengue e da febre amarela, o Aedes aegypti é originário da África e, com o passar dos anos, saiu das matas, adaptou-se às condições humanas e, atualmente, é considerado um inseto cosmopolita. Carlos José de Carvalho Pinto, professor do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia ( MIP ) da Universidade Federal de SC ( UFSC ), explica que o Aedes voa a pequenas distâncias, cerca de Seiscentos metros metros de onde nasceu, por isso, chega às regiões via meios de transporte.

– Parece engraçado, mas é verdade. Ele chega aqui de avião, de carro, de ônibus, de trem, de navio… É assim que se desloca entre municípios e Estados, e isso deve continuar a acontecer – descreve o especialista.

Apesar da maior adaptação em regiões quentes e úmidas, além de algumas cidades do litoral, foi também pelo gelado Oeste catarinense que o mosquito começou a infestação no Estado, há dez anos. Para além da questão climática, rodeado pelo Paraguai e Paraná, o especialista em doenças transmitidas por insetos ressalta que, além de ser pequeno, o Oeste é um acesso rodoviário.

Pinto cita que o trânsito de caminhões é intenso na região, principalmente por conta da pecuária e, como o mosquito viaja em meios de transporte, pode ser que tenha pegado “carona” em municípios mais infestados, como era o caso do Rio de Janeiro em Dois mil e doze. O mesmo ocorre com o litoral, com cidades cercadas pela rodovia federal número Cento e um ( BR - 101 ).

– É um grande fluxo de veículos, e os veículos vão parando, abrindo as portas, e os mosquitos vão saindo e se disseminando nesses municípios. Então, ( a chegada do Aedes nas cidades ) tem muito a ver com a possibilidade dele entrar – destaca.

Como se tornou uma epidemia?

Pinto diz que a pandemia da Covid - Dezenove alterou o cuidado com a dengue. Pinto diz que, “com razão”, perdeu-se o foco da doença, já que o sistema de saúde colapsou por causa do coronavírus. Além disso, com restrições e distanciamento social, os agentes de vigilância pararam de ir às casas e, com isso, o mosquito tomou o Estado.

– Não podiam mandar agentes de saúde pra casa das pessoas, mesmo de máscara, porque era perigoso pra pessoa. E isso não foi um erro, mas com certeza [ a epidemia ] foi uma consequência da Covid. Nós perdemos o foco do controle da dengue, e o Aedes aegypti continuou crescendo o número de focos, mesmo em meio a pandemia – ressalta.

Além disso, de acordo com a infectologista Sabrina Sabino, o Aedes aegypti sobrevive, em média, Trinta dias. Apesar da vida curta, no entanto, a fêmea é capaz de colocar mil ovos por dia.

– Então, basta apenas um mosquito para começar, literalmente, uma epidemia – destaca a infectologista, reforçando a necessidade de controle dos focos do inseto.

Mais focos, menos notificações

Neste ano, mais de Oito vírgula quatro mil pessoas já foram diagnosticadas com dengue em SC e existem mais de Vinte e sete mil focos do mosquito identificados no Estado, além de oito mortes em decorrência da doença confirmadas.

Ainda conforme o último Boletim Epidemiológico ( BE ) divulgado pela Diretoria de Vigilância Epidemiológica ( DIVE ) da Secretaria de Estado da Saúde ( SES ) de SC em Cinco de abril de Dois mil e vinte e três, Cento e quarenta e cinco dos Duzentos e noventa e cinco municípios catarinenses estão infestados por dengue.

Sabrina alerta, no entanto, que se comparado aos números do ano de Dois mil e vinte e dois, apesar de mais alarmante com relação aos focos, neste ano de Dois mil e vinte e três tem menos casos confirmados. Ela explica que isso acontece por conta das subnotificações, assim como ocorria no início da pandemia.

– Se um paciente tem um quadro de suspeita de dengue e faz um exame no laboratório particular, esse laboratório tem que notificar o município que, por sua vez, notifica o Estado. Se esse paciente não foi até a vigilância epidemiológica coletar uma amostra para levar ao Laboratório Central do Estado ( LACEN ), este paciente não é contabilizado.

Perfil de pacientes e cidades infestadas por dengue em SC

João Augusto B. Fuck, diretor da DIVE de SC, diz que Vinte e seis por cento dos pacientes com dengue em SC têm entre Zero e Dezenove anos de idade. No ano de Dois mil e vinte e três, apenas Vinte por cento deste público foi acometido pela doença. Fuck cita que, além da maior porcentagem, houve também aumento no número de agravos e hospitalizações entre crianças e adolescentes.

Ele diz que não há uma motivação exata que explique este perfil de infectados, mas cita hipóteses, como este público estar circulando mais após pandemia, ser mais vulnerável por nunca ter sido infectado antes e também por, teoricamente, viverem em áreas com maior infestação.

– Há áreas de maior vulnerabilidade sendo afetadas este ano, como o município de Palhoça ( na Região Metropolitana de Florianópolis - Capital do Estado de SC ), por exemplo. São regiões em que se pode ter mais crianças. Embora seja uma doença que afeta a todos, é um mosquito que pica as pessoas. Por isso, não se tem um grupo de risco maior, ele pica as pessoas conforme a disponibilidade de alimento – ressalta.

Ainda com relação às áreas mais infestadas por dengue, Pinto diz que nem sempre a proliferação do mosquito tem a ver com regiões carentes. Ele explica que a proliferação tem mais a ver com sua adaptação a ambientes favoráveis, como locais e itens com água parada, do que necessariamente com a falta de saneamento básico, por exemplo, que se faz inexistente em regiões mais pobres.

– A questão é que uma pessoa que não tem condições financeiras de ter uma casa minimamente aceitável, não tem condição de cuidar do quintal, já que está mais preocupada em comer do que realmente com alguma coisa que acumule água. Então, é mais fácil ter mais água acumulada em locais mais pobres. Agora, é o seguinte, um dos grandes problemas das últimas semanas em Florianópolis é um bairro muito rico, que é o Cacupé, que está com um problema grave de infestação. Ou seja, essa história que ( a infestação ) só está em bairro pobre não é bem verdade – pontua o especialista.

Governo e população têm responsabilidade

Na visão de Pinto, quando há um grave problema de saúde pública, o erro nunca é de uma pessoa ou de uma instituição, mas sim coletivo, e a dengue é um bom exemplo disso, cita. Com relação ao governo em suas três esferas, acredita que deixam a desejar no sentido haver pouco investimento em pessoas, em equipes de saúde indo de casa em casa de forma rotineira:

– Não adianta passar uma equipe, dar uma olhada na casa e depois voltar depois de seis meses. Não adianta ir só no outro verão. Tem que estar mensalmente nas casas ensinando para as pessoas. Isso deve ser um trabalho constante e, para isso, precisa ter investimento. As equipes que estão nas ruas fazem um excelente trabalho, só que é insuficiente número.

Sabrina reforça ainda ser preciso mais apoio em pesquisas clínicas, além de maior controle dos focos do Aedes aegypti. Por outro lado, Pinto aponta que as pessoas não estão cuidando dos próprios quintais. Citando a campanha nacional “10 minutos contra a dengue por semana”, aborda a importância da população também se envolver para acabar com a dengue:

– O ciclo de vida para o mosquito tornar-se adulto é de uma semana. Então se a pessoa gastar dez minutos por semana, e todo mundo tem esse tempo, e dar uma olhada se tem alguma coisa acumulando água, se a calha está desentupida, se a caixa d’água está tampada, se não tem nenhum pratinho acumulando água… Isso é o suficiente para que não se tenha o ciclo do mosquito naquela residência. Se todo mundo fizer sua parte, nós não teremos esse problema – enfatiza Pinto.

O que está sendo feito

Com Cinquenta por cento do Estado infestado por dengue, segundo Fuck, a DIVE de SC tem trabalhado em campanhas de conscientização para prevenir a doença e proliferação do mosquito, capacitações de manejo clínico e uso de inseticidas.

Além disso, o governo do Estado anunciou, há três semanas, o “comitê de crise” e liberou Dez milhões de reais para os municípios investirem no combate à dengue e ampliarem a capacidade de atendimentos a fim de desafogar o sistema de atendimento da rede pública de saúde.

A nível nacional, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária ( ANVISA ) já aprovou a vacina contra a dengue e aguarda a avaliação do Ministério da Saúde ( MS ) para adicioná-la ao calendário nacional. Também está sendo estudada a alternativa da bactéria Wolbachia ( controle biológico ), que consegue reduzir a transmissão do vírus do Aedes aegypti.

Linha do tempo da dengue em SC


  • 2012: Primeiras cidades que tiveram infestação de dengue foram Chapecó, Pinhalzinho e São Miguel do Oeste;
  • 2016: Primeiras mortes pela doença registradas em Chapecó e Pinhalzinho, respectivamente;
  • 2020: Dengue passa a ser uma epidemia em SC, com mais focos do Aedes aegypti e, consequentemente, maioria das confirmações de casos autóctones;
  • 2023: Estado decreta situação de emergência, quando o número de pacientes com a doença se aproximou dos Cinco mil;
  • Crescimento é de Mil novos pacientes na primeira semana. Já na semana seguinte, na comparação com os dados divulgados na semana anterior, SC registrou o crescimento de quase Seiscentos novos casos e três mortes — uma média de oitenta e cinco diagnósticos por dia;
  • Joinville, no Norte do Estado, e Palhoça, na Grande Florianópolis, detêm a maioria dos pacientes. As duas somadas representam Cinquenta e dois vírgula seis por cento de todos os casos. Ainda na Grande Florianópolis, a Capital ocupa a terceira posição, com oitocentos pacientes infectados pela doença;
  • As duas cidades entram na lista dos municípios que decretaram epidemia, junto com Quilombo, Saudades e União do Oeste.



Com informações de:


Sabrina Quariniri ( sabrina.quariniri@nsc.com.br ) . 

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