quinta-feira, 7 de maio de 2020

Epidemia: Tribunal de contas diz ter alertado governo de SC sobre vedação de pagamento adiantado a fornecedor de ventiladores mecânicos

A compra de duzentos ventiladores mecânicos ( * vide nota de rodapé ) por parte do governo do Estado de Santa Catarina ( SC ) para ajudar no tratamento de pacientes de covid-dezenove continua rendendo desdobramentos. Uma das polêmicas centrais é o pagamento adiantado dos trinta e três milhões de reais no início de abril de dois mil e vinte ( * vide nota de rodapé ), sendo que a entrega dos produtos ainda não ocorreu – a última previsão é de que cheguem até o dia vinte deste mês de maio de dois mil e vinte.

Um dia após efetuar o pagamento à empresa contratada, em dois de abril de dois mil e vinte, o governador Carlos Moisés da Silva ( do Partido Social Liberal - PSL ) enviou ao Tribunal de Contas do Estado de SC ( TCE-SC ) um ofício consultando sobre a possibilidade de a Secretaria de Estado da Saúde ( SES ) pagar antecipadamente pela compra de produtos voltados ao combate à covid-dezenove. No dia seguinte, três de abril de dois mil e vinte, o presidente do TCE-SC, Adircélio de Moraes Ferreira Júnior, respondeu o questionamento de Silva com um parecer de cinco páginas sobre o tema, feito pela Diretoria de Licitações e Contratações ( DLC ).

No documento, o TCE-SC lista nove recomendações para que o Estado buscasse garantias e “mecanismos de redução de risco” antes de efetuar o pagamento antecipado. Entre as sugestões do TCE-SC estão a compra “por intermédio de empresa brasileira com experiência e credibilidade no mercado”, a tentativa de fazer pedidos parcelados, com pagamento por entrega, fazer o pagamento por carta de crédito e buscar assessoria de empresas de comércio exterior ou mesmo da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina ( FIESC ), para reduzir os riscos envolvidos.

O parecer deixa claro que, em regra, o pagamento antecipado é vedado pela Lei Federal número quatro mil trezentos e vinte de mil novecentos e sessenta e quatro, mas que acórdãos do Tribunal de Contas da União ( TCU ) pacificaram a possibilidade dele em casos excepcionais, em que sejam adotadas garantias.

Ferreira Júnior, pontua que a credibilidade do fornecedor e as garantias para reduzir os riscos na operação são necessárias para que o pagamento antecipado ocorra.

“No caso da aquisição dos duzentos ventiladores mecânicos pelo Estado de SC, o pagamento antecipado não poderia jamais ter sido realizado, nem sob a forma como foi feito ( sem garantias ), nem para o fornecedor que foi selecionado ( sem credibilidade )”, respondeu Ferreira Júnior em nota à reportagem do jornal Diário Catarinense ( DC ).

O TCE-SC abriu um procedimento de investigação em que analisa a compra dos ventiladores mecânicos.

Sindicato de auditores diz que oferta de auxílio foi descartada

Na tarde desta quarta-feira ( seis de maio de dois mil e vinte ), o Sindicato dos Auditores Internos do Poder Executivo de SC ( Sindiauditoria ) emitiu nota dizendo que "em reunião realizada em trinta e um de março de dois mil e vinte, portanto antes da efetivação dos pagamentos à contratada, foi oferecido auxílio presencial e concomitante aos processos de compras", mas que a oferta teria sido descartada pela SES.

Desta forma, após as denúncias de supostas irregularidades virem à tona com a publicação da reportagem no site The Intercept Brasil, auditores internos foram acionados para analisar a compra dos ventiladores mecâniocs e apontaram "diversas impropriedades com alto potencial de lesão ao erário", como pagamento antecipado sem exigência de garantias, substituição do modelo de ventilador mecânico sem avaliação e aprovação da SES, e valor por equipamento "aparentemente superior ao contratado por outros entes ou mesmo pelo Estado de SC".

Com isto, os auditores recomendaram investigações - uma delas é feita por auditores de carreira na Corregedoria-Geral do Estado ( CGE ). A nota deixa claro que cabe ao chefe da CGE abrir trabalhos excepcionais como o acompanhamento das compras emergenciais da pandemia.

A polêmica sobre a compra dos ventiladores mecânicos aumentou nesta terça-feira ( cinco de maio de dois mil e vinte ), depois que uma servidora e o ex-secretário da SES, Helton Zeferino acusaram o chefe da Casa Civil ( CC ), Douglas Borba, de terem indicado a empresa que vendeu os ventiladores mecânicos e interferido em outros processos de compra no período da pandemia ( *2 vide nota de rodapé ). Borba negou qualquer indicação de fornecedor em entrevistas nesta terça e quarta-feira ( *3 vide nota de rodapé ) .

Governo defende pagamento antecipado

Na primeira manifestação sobre o episódio, Silva disse “estranhar” o pagamento antecipado, que não seria a forma indicada pelo governo, e que a investigação precisaria apontar porque a opção foi escolhida.

Nas manifestações recentes, o governo tem defendido o pagamento antecipado. ( * vide nota de rodapé ) Em entrevista coletiva concedida na segunda-feira ( quatro de maio de dois mil e vinte ), o secretário de Administração do Estado ( SEA ) de SC, Jorge Eduardo Tasca, sustentou que o pagamento adiantado é permitido pela legislação em uma situação que definiu como “contexto conturbado”, como a pandemia do novo coronavírus. Tasca citou recomendações do Ministério Público do Estado de SC ( MPSC ), do dia seis de abril de dois mil e vinte – posterior à quitação feita pelo Estado – para defender a escolha de pagamento feita na compra dos ventiladores mecânicos.

– Em determinados contextos, a inversão deste processo onde há primeiro o pagamento para depois o recebimento do bem é plenamente possível. É um instrumento, está à disposição do gestor para ser utilizado nas condições em que se faz necessário. Não houve nenhuma invenção, nenhuma inovação, simplesmente pegamos este instrumento para ser usado em contextos onde a compra vai ser realizada apenas com pagamento antecipado, que foi como encontramos em vários equipamentos sobre a Covid-dezenove – argumentou.

O advogado e conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção SC ( OAB-SC ), Rogério Duarte da Silva, diz que a pandemia do coronavírus provocou uma flexibilização feita às pressas nas compras do setor público. Por isto, segundo ele, há entendimentos de que isto permitiria a antecipação dos valores. Um dos motivos seria que no início da pandemia muitas empresas da China só aceitavam encomendas pagas de forma adiantada.

– Ao que consta, TCE-SC e MPSC manifestaram certa relutância no procedimento, mas o governo, amparado pela confusão da legislação e querendo ter o equipamento o mais rápido possível, adotou esta forma de pagar antecipado – detalha.

Duarte da Silva faz questão de frisar que a compra dos ventiladores mecânicos ocorreu num momento em que a projeção de novos casos para SC era maior do que o que de fato se confirmou nas semanas seguintes, e que por isto a pressão do momento e o fator urgência podem ter feito o governo optar por esta modalidade, embora não fosse a mais prudente.

Estado recebeu notas fiscais pelo produto

Para permitir o pagamento antecipado, o governo de SC precisou receber duas notas fiscais dos respiradores e atestar o recebimento dos produtos, ainda que eles ainda não tivessem sido entregues. No processo de compra, uma servidora da SES aparece como responsável pela certificação e outra pela liquidação dos equipamentos – procedimentos que em tese indicariam a entrega e as corretas condições dos equipamentos. As informações constam de documentos enviados ao colunista da NSC ( controladora do jornal Diário Catarinense - DC ), Renato Igor.

As notas fiscais foram emitidas pela empresa no dia trina e um de março de dois mil e vinte e o pagamento foi feito em crédito na conta bancária no dia seguinte, primeiro de abril de dois mil vinte. Os primeiros ventiladores mecânicos, que deveriam ter sido entregues até sete de abril de dois mil e vinte, não chegaram, o que fez o Estado notificar pela primeira vez a empresa pelo atraso no dia oito do mesmo mês.

A Veigamed respondeu dias depois dizendo que a alta demanda provocava dificuldade em encontrar os ventiladores mecânicos, informando que havia feito uma mudança no modelo de ventilador mecânico, e, desde então, o Estado espera pela chegada dos equipamentos.

Duarte da Silva, afirma que agora TCE-SC e o MPSC devem averiguar estas etapas da dispensa de licitação.

– Não houve uma confirmação se o produto estava vindo, quando seria enviado? A investigação deve centrar nestes pontos. Talvez a urgência tenha falado mais alto – pontua o advogado.

Deputado questiona emissão de notas fiscais

O recebimento das duas notas fiscais e a liquidação delas como se os produtos tivessem sido recebidos também são atos questionados pelo deputado estadual Marcos Vieira ( do Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB ), que preside a comissão da Assembleia Legislativa do Estado de SC ( ALESC ) responsável por acompanhar os gastos do governo durante a pandemia do coronavírus.

– Como vou emitir nota fiscal de um produto que não forneci? Isto não existe. Nota fiscal só é emitida se houver entrega da mercadoria ou prestação de serviço. Se está autorizada a excepcionalidade do pagamento antecipado, e isto só ocorre se houver como fornecedor pessoa idônea, reconhecida, não precisa emissão de nota fiscal. É possível fazer com o contrato. A emissão da nota fiscal foi uma fraude – afirma o deputado.

Vieira sugere que os órgãos de investigação peçam para que a empresa Veigamed apresente documentos como o depósito bancário que comprove a compra dos equipamentos com o fornecedor chinês, a ordem de compra e a cópia do despacho da mercadoria.

A comissão presidida por Vieira pediu o afastamento de Zeferino, que pediu exoneração um dia após o pedido ( *4 vide nota de rodapé ). A ALESC também abriu uma Comissão parlamenta de Inquérito ( CPI ) para apurar a compra dos ventiladores mecânicos. ( *5 vide nota de rodapé )

Propostas concorrentes têm questionamentos

Além da proposta vencedora da Veigamed, outros dois orçamentos também constavam na dispensa de licitação. Eles só apareceram depois que um parecer da assessoria jurídica da SES pediu que houvesse outras cotações antes de homologar a compra com a fornecedora do Estado do Rio de Janeiro ( RJ ).

Estas outras propostas, das empresas JE Comércio, do Estado de São Paulo ( SP ), e MMJS, de Cuiabá ( Capital do Estado do Mato Grosso - MT ), não possuem número inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas ( CNPJ ) junto à Receita Federal do Brasil ( RFB ) e responsáveis, informação habitual em concorrências públicas, e possuem valores e prazos superiores à da Veigamed. Elas também têm em comum a formatação e um mesmo erro de grafia, ao escreverem como “entrrega” a palavra entrega.

A reportagem entrou em contato com a empresa MMJS no telefone indicado no site, mas ninguém atendeu às ligações. Não conseguiu contato com a JE Comércio.

A própria oferta da Veigamed é alvo de questionamento depois que o empresário Rafael Wekerlin, de Joinville, informou que havia apresentado esta proposta quando o governo abriu processo de compra, mas que desistiu depois de ter recebido um pedido de pagamento de uma suposta comissão fora do processo.

O nome dele e da empresa dele, no entanto, constam na oferta apresentada pela Veigamed e que foi escolhida pelo governo do Estado de SC. Wekerlin, que chegou a dizer em entrevistas que a proposta dele teria sido copiada, prestou depoimento na sexta-feira ( primeiro de maio de dois mil e vinte ) ao Gaeco ( grupo do MPSC ), que investiga a compra dos ventiladores mecânicos, e foi orientado pela investigação a não conceder mais entrevistas.

Outros questionamentos feitos sobre o processo de compra, como o valor dos ventiladores mecânicos, que seria acima do mercado, devem ser apurados em processos como o instaurado pelo TCE-SC e MPSC, além da sindicância interna da própria SES. Nesta segunda-feira ( quatro de maio de dois mil e vinte ), a Controladoria-Geral do Estado ( CGE ) também informou que elabora laudos para apontar as diferenças técnicas e de valores entre os dois modelos de respiradores mencionados na compra. Um documento da CGE já aponta uma suposta discrepância entre o valor da importação e o total cobrado pela empresa junto ao governo.

O que diz a empresa

A empresa Veigamed se manifestou publicamente sobre o caso pela primeira vez em uma nota divulgada nesta segunda-feira ( quatro de maio de dois mil e vinte ). A empresa disse que a troca no modelo de ventiladores mecânicos ocorreu por uma suposta demora do Estado em apresentar o aceite à proposta, o que impediu a compra do primeiro fornecedor contatado. Inicialmente, a empresa havia alegado que o pedido de troca do modelo de ventiladores mecânicos haveria partido do então secretário da SES, Zeferino.

A nota da empresa diz ainda que o novo modelo seria mais caro que o anterior e que pretende cumprir o contrato e entregar os equipamentos – o primeiro lote de cinquenta ventiladores mecânicos estaria em um aeroporto da China à espera de liberação alfandegária. A empresa também diz que os novos ventiladores mecânicos já estariam "em processo de compra há dois meses" e que inicialmente seriam destinados ao mercado privado de SC. Não há menções às investigações abertas nos últimos dias sobre a compra.
Nesta terça-feira ( cinco de maio de dois mil e vinte ), questionada pela reportagem, a empresa informou que a nota fiscal foi emitida para o pagamento adiantado e que esta seria uma exigência dos fornecedores chineses. A Veigamed afirma que também pagou antecipadamente ao fabricante e que enviou comprovantes disto aos órgãos de controle e à Justiça. A empresa disse desconhecer o empresário de Joinville que tem o nome mencionado na proposta da Veigamed e diz que está prestando esclarecimento à SES e aos órgãos de controle.

O que diz o governo de SC

A reportagem questionou o governo de SC sobre a recomendação do TCE-SC para compras com pagamento antecipado e a liquidação das notas fiscais dos respiradores ainda não entregues, mas o Estado informou apenas que informações sobre o assunto já haviam sido repassadas em entrevistas coletivas da terça-feira ( cinco de maio de dois mil e vinte ).

Na ocasião, o secretário de Estado da Administração ( SEA ), Jorge Eduardo Tasca, afirmou que pareceres do TCE-SC e do MPSC reforçariam a permissão para pagamento adiantado nas compras relacionadas à pandemia do coronavírus. Desde a primeira coletiva sobre o caso, o governo vem afirmando que há sindicâncias abertas na SES, na CGE e na Polícia Civil do Estado de SC ( PCSC ) e que caberá a estas investigações apurar as circunstâncias e eventuais irregularidades na compra. ( *6 vide nota de rodapé ).

P.S.:

Notas de rodapé:

* A compra dos ventiladores mecânicos pela SES é melhor detalhada em:

https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2020/05/epidemia-sc-explica-que-pagamento.html .

*2 A acusação de Zeferino, de que Borba teria indicado a empresa, é melhor detalhada em:

https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2020/05/epidemia-ex-secretario-da-saude-de-sc.html .

*3 A reiterada negativa de Borba de que teria feito ingerência na compra é melhor detalhada em:

https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2020/05/epidemia-casa-civil-de-sc-volta-negar.html .

*4 O pedido de exoneração de Zeferino é melhor detalhado em:

https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2020/05/epidemia-zeferino-fala-dos-motivos-que.html .

*5 A instalação de CPI pela ALESC para apurar denúncia de irregularidade na compra ventiladores mecânicos pela SES é melhor detalhada em:

https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2020/05/epidemia-assembleia-legislativa-de-sc.html .

*6 As investigações feitas por órgãos de controle externo sobre as denúncias de irregularidades na compra de ventiladores mecânicos feita pela SES são melhor detalhadas em:

https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2020/05/pandemia-justica-torna-indisponivel.html .

Com informações de:

Jean Laurindo ( jean.laurindo@somosnsc.com.br ) .

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