segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Direitos Humanos: Pacto institui Comitê de pessoas de elevada reputação

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos ( PIDCP ) ( * vide nota de rodapé ) determinou a constituição do Comitê de Direitos Humanos ( DH ) ( Comitê DH ). O Comitê DH é composto de Dezoito membros eleitos, que exercem suas funções a título pessoal. É integrado por nacionais de Estados Partes do PIDCP, que devem ser pessoas de elevada reputação moral e reconhecida competência em matéria de DH ( Artigo Vinte e oito ). Cada Estado poderá indicar apenas duas pessoas, que devem ser nacionais do país que as indicou, sendo possível a indicação mais de uma vez ( Artigo Vinte e nove ). A eleição se dá mediante votação secreta entre os Estados Partes.

 

O Comitê DH não poderá ter mais de um nacional do mesmo Estado. O Artigo Trinta do PIDCP determina que seus membros serão eleitos em reuniões dos Estados Partes convocados pelo Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas ( ONU ), cujo quórum estabelecido é de dois terços dos Estados Partes, sendo eleitos os candidatos que obtiverem o maior número de votos e a maioria absoluta dos votos dos representantes dos Estados Partes presentes e votantes. As eleições devem levar em consideração uma distribuição geográfica equitativa e a “representação das diversas formas de civilização”, nos termos do PIDCP, bem como dos principais sistemas jurídicas ( Artigo Trinta e um ).

 

Os membros do Comitê DH são eleitos para um mandato de quatro anos, podendo, caso suas candidaturas sejam apresentadas novamente, ser reeleitos. O PIDCP determina que o Comitê DH deve se reunir em todas as ocasiões previstas em suas regras de procedimento e as reuniões devem ser realizadas normalmente na sede da ONU ( Nova Iorque ) ou no Escritório da ONU em Genebra, como é feito usualmente nos dias de hoje ( Artigo Trinta e sete ).

 

Antes de iniciar suas funções, todos os membros do Comitê DH devem, antes de iniciar suas funções, assumir publicamente o compromisso solene de desempenhar suas funções de forma imparcial e consciente ( Artigo Trinta e oito ).

 

A mesa diretora do Comitê DH é eleita para um período de dois anos e os seus membros poderão ser reeleitos. As regras de procedimentos são estabelecidas pelo próprio Comitê DH, mas devem, por disposição expressa do PIDCP, conter as seguintes disposições: quórum de doze membros e determinação de que as decisões do Comitê sejam tomadas por maioria de votos dos membros presentes ( Artigo Trinta e nove ).

 

O PIDCP prevê ainda a necessidade de submissão ao Comitê DH, pelos Estados partes, de relatórios sobre as medidas adotadas para tornar efetivos os direitos nele reconhecidos, bem como os fatores e as dificuldades que prejudiquem sua implementação, caso existam. O primeiro relatório deve ser apresentado no prazo de um ano a contar o início da vigência do PIDCP e, a partir de então, sempre que o Comitê solicitar, podendo os outros Estados partes do PIDCP apresentar relatórios ( usualmente a cada quatro anos ).

 

O Comitê DH ainda recebe informes de organizações não governamentais que apresentam o chamado “relatório sombra” ( shadow report ), que busca revelar criticamente a real situação de DH naquele país. Após, o Comitê aprecia o relatório oficial e as demais informações obtidas, emitindo relatório final contendo recomendações, sem força vinculante ao Estado.

 

Além dessas observações específicas a um determinado Estado, o Comitê DH elabora as chamadas “Observações Gerais” ou “Comentários Gerais”, que contêm a interpretação do Comitê DH sobre os direitos protegidos. Atualmente, há trinta e sete observações gerais, sendo a antepenúltima emitida em dezembro de Dois mil e quatorze sobre a liberdade e segurança individual, a penúltima, em outubro de Dois mil e dezoito, sobre o direito à vida e a última foi emitida em Dois mil e vinte ( liberdade de reunião ).

 

Além disto, o Estado Parte do PIDCP pode declarar que reconhece a competência do Comitê DH para receber e examinar as comunicações em que um Estado Parte alegue que outro não vem cumprindo as obrigações nele previstas. Esse mecanismo é conhecido “mecanismo interestatal”. Se dentro de seis meses a contar da data do recebimento da comunicação original pelo Estado destinatário a questão não estiver dirimida satisfatoriamente, ambos os Estados envolvidos poderão submeter a questão ao Comitê DH, que oferecerá os seus bons préstimos para que se alcance uma solução amistosa. Ao final, a Comissão DH apresentará um relatório, de acordo com o estágio da questão. Se solução amistosa não tiver sido alcançada, apresentará, no relatório, opinião sobre a situação, devendo os Estados partes interessados comunicar se aceitam ou não os termos do relatório.

 

O Protocolo Facultativo ( PF ) ao PIDCP, por sua vez, foi adotado pela resolução da Assembleia Geral da ONU  - na mesma ocasião em que o PIDCP foi adotado - , com a finalidade de instituir mecanismo de petição individual ao Comitê de DH por violações a direitos civis e políticos previstos no PIDCP. Está em vigor desde Vinte e três de março de Mil novecentos e setenta e seis. No Brasil, foi aprovado apenas em Dezesseis de junho de Dois mil e nove, pelo Decreto Legislativo ( DL ) número trezentos e onze / Dois mil e nove, junto como o Segundo PF ao PIDCP com vistas à Abolição da Pena de Morte. Em Vinte e cinco de setembro de Dois e nove, o Brasil ratificou esses dois PFs. Não há ainda promulgação interna ( ver o “Caso Lula” e a falta do decreto como impeditivo para a validade interna dos tratados ).

 

Quatorze Artigos compõem o Primeiro PF. O Artigo Primeiro enuncia que os Estados que se tornarem partes do PF reconhecem a competência do Comitê DH para receber e examinar comunicações e indivíduos sujeitos á sua jurisdição que aleguem ser vítimas de violação de qualquer dos direitos previstos no PIDCP pelos Estados Partes. Não serão admissíveis as comunicações anônimas ou cuja apresentação constitua abuso de direito ou que for incompatível com as disposições do PIDCP ( Artigo Terceiro ).


O Comitê DH dará conhecimento das comunicações que lhe forem apresentadas aos Estados partes que aleguem que tenham violado direitos estabelecidos no PIDCP, os quais deverão, em seis meses, submeter por escrito ao Comitê as explicações ou declarações que esclareçam a questão, indicando, se for o cado, as medidas que tenham tomado para remediar a situação ( Artigo quinto ).


Para que possa examinar a comunicação, entretanto, o Comitê DH, obedecendo à subsidiariedade do mecanismo ( *2 vide nota de rodapé ), deverá se assegurar de que a mesma questão não esteja sendo examinada por outra instância internacional de inquérito ou decisão e de que o indivíduo tenha esgotado os recursos internos disponíveis, salvo em caso de demora injustificada. As sessões relativas às comunicações individuais serão realizadas a portas fechadas, comunicando-se as conclusões ao Estado Parte interessado e ao indivíduo ( Artigo Quinto ). As atividades relativas às comunicações individuais, previstas nesse PF, serão incluídas pelo Comitê em seu relatório anual ( Artigo Sexto ).


A força vinculante das deliberações do Comitê DH foi questionada no Brasil na análise da petição individual do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, que alega ( caso número Dois mil oitocentos e quarenta e um / Dois mil e dezesseis, ainda em trâmite em setembro de Dois mil e vinte ) violações ao devido processo legal em processo criminal no Brasil, no qual foi condenado em Primeira Instância, tendo sido confirmada a condenação no Tribunal Regional Federal da Quarta Região ( apelação Criminal número Quinhentos e quatro milhões Seiscentos e cinquenta e um mil duzentos e noventa e quatro . Dois mil e dezesseis . Quatro . Zero quatro . Sete mil / Paraná, Oitava Turma, relator Desembargador João Pedro Gebran Neto, julgada em Vinte e quatro de janeiro de Dois mil e dezoito ). Em abril de Dois mil e dezoito, o peticionário requereu medida provisória ( medida cautelar; interim measure ) ao Comitê DH para que fosse assegurada a sua participação no pleito eleitoral presidencial em Dois mil e dezoito, até que houvesse o trânsito em julgado desse processo criminal. Como o Comitê DH não é um órgão permanente, tais medidas são analisadas pelos relatores especiais sobre novas comunicações e medidas provisórias. No caso, os relatores Sarah H. Cleveland e Olivier de Frouville concluíram pela existência de danos irreparável aos direitos políticos do peticionário Luiz Inácio Lula da Silva previstos no Artigo Vinte e cinco do PIDCP ).


Por conseguinte e de acordo com o Artigo Noventa e dois das regras de procedimento do Comitê DH, os Relatores Especiais, em nome do citado Comitê DH, pediram ao Brasil que adotasse todas as medidas necessárias para que o peticionário pudesse gozar e exercer seus direitos políticos mesmo preso, como candidato nas eleições presidenciais de Dois mil e dezoito, o que inclui o acesso apropriado à mídia e aos membros do seu partido político; também pediram não fosse proibida a sua postulação como candidato a presidente nas eleições presidenciais enquanto sua condenação criminal não tenha transitado em julgado. A natureza de tal medida é cautelar, ou seja, visa a somente assegurar o resultado útil da deliberação final do Comitê DH, não se constituindo em julgamento final sobre a existência ou não de violação do Estado aos direitos do peticionário.


Como já defendido, os Estados ao ratificar o Primeiro Protocolo Facultativo, avançaram na proteção de direitos de seus jurisdicionados, permitindo que as pretensas vítimas possam contar com uma proteção adicional, não prevista no PIDCP. Essa proteção adicional não pode gerar uma deliberação que tenha força de mera recomendação, como se fosse o resultado da avaliação dos relatórios estatais submetidos periodicamente ao Comitê DH, no Comentário Geral número Trinta e três de Dois mil e nove dirimiu as dúvidas e deliberou que os Estados, em nome do princípio da boa-fé, têm que cumprir as deliberações provisórias do Comitê DH no exame das comunicações individuais. O próprio conceito de "medida provisória" exige seu cumprimento imediato, uma vez que há risco de dano irreparável ao resultado útil da análise da comunicação pelo Comitê DH. No Caso Piandiong e outros versus Filipinas, o Estado réu descumpriu, em Mil novecentos e noventa e nove, a medida provisória que suspendia a execução de pena de morte ao peticionário até o final do trâmite do caso do Comitê DH. Mesmo após a execução do peticionário, o Comitê DH continuou a analisar o caso e decidiu, em Dois mil, que o Estado descumpriu seu dever de cumprir tais medidas provisórias. Esse dever, para o Comitê DH, é oriundo implicitamente da própria adesão do Estado ao Primeiro PF, pois de nada serviria o direito de petição das vítimas se o Estado não adotasse as medidas necessárias para assegurar o resultado útil da futura decisão do Comitê.


No "Caso Lula", somente o Ministro Fachin no Tribunal Superior Eleitoral ( TSE ) reconheceu o dever brasileiro de cumprir as medidas provisórias do Comitê DH. Para Fachin, negar a força vinculante das medidas provisórias significa negar o próprio sistema de comunicações individuais nos casos em que houvesse a necessidade de evitar danos irreparáveis. ( TSE, Registro de Candidatura número Onze mil quinhentos e trinta e dois número Seiscentos mil novecentos e três - Cinquenta . Dois mil e dezoito . Seis . Zero zero . Zero zero zero zero, relator Ministro roberto Barroso, por maioria, julgado em Trinta e um de agosto de Dois mil e dezoito, voto do Ministro Edson Fachin, Página Dezenove ).


A conduta dos Estados em negar a força vinculante das deliberações finais e também das medidas provisórias do Comitê DH no bojo do sistema de petições individuais é mais uma amostra da resistência estatal à interpretação internacionalista dos tratados. Cria-se, assim, um "PIDCP nacional", o que torna inútil, obviamente, a internacionalização da temática. Essa conduta dos Estados consiste em clara violação do tratado, ao qual eles voluntariamente aderiram.


Os dispositivos finais dizem respeito a assinatura, ratificação e adesão ao PF ( Artigo Oitavo ), data de entrada em vigor ( Artigo Nono ), aplicação a todas as unidades constitutivas dos Estados federais ( Artigo Décimo ), o procedimento para a proposição de emendas ( Artigo Onze ) e a possibilidade de denúncia ( Artigo Doze ).


O Segundo Protocolo Adicional ao PIDCP com vistas à Abolição da Pena de Morte, ratificado pelo Brasil em Dois mil e nove, determinou também que as medidas adotadas para implementar o Protocolo deverão ser informadas pelos Estados partes nos relatórios que submeterem ao Comitê dDH ( Artigo Quarenta do PIDCP ). Também para aqueles que tenham feito a declaração prevista no Artigo quarenta e um no PIDCP, o reconhecimento de competência do Comitê DH para receber e apreciar comunicações nas quais um Estado parte alega que outro não cumpre suas obrigações é extensivo ás disposições do Segundo Protocolo a Competência do Comitê DH para receber e examinar as comunicações feitas por indivíduos sujeitos á sua jurisdição, salvo declaração em sentido contrário no momento da ratificação ou adesão ( Artigo Quinto ).


Quadro sinótico


Comitê DH


Criação: PIDCP

Composição: Dezoito membros eleitos, nacionais de Estados Partes do PIDCP, que exercem suas funções a título pessoal. Devem ser pessoas de elevada reputação moral e reconhecida competência em matéria de DH. A eleição se dá mediante votação secreta, dentre uma lista de pessoas que preencham os mencionados requisitos e indicadas pelos Estados Partes.

Competência atribuída pelo PIDCP:

1) Exame de relatórios sobre as medidas adotadas para tornar efetivos os direitos reconhecidos no Pacto, enviados pelos Estados Partes.

2) O Comitê DH, após análise do relatório, emite recomendações sem foça vinculante ao Estado.

3) Receber e examinar as comunicações em que um Estado parte alegue que outro não vem cumprindo as obrigações nele previstas. No âmbito das comunicações interestatais, pode oferecer os seus bons préstimos para que se alcance uma solução amistosa. Se esta não tiver sido alcançada, o Comitê DH deve apresentar relatório, e os Estados Partes interessados comunicam se aceitam ou não seus termos.

Competência atribuída pelo PF ao PIDCP: Receber e examinar comunicações de indivíduos que aleguem ser vítimas de violação de qualquer dos direitos previstos no PIDCP pelos Estados partes.

Segundo Protocolo Adicional ao PIDCP com vistas à Abolição da Pena de Morte: As medidas adotadas para implementar o Protocolo deverão ser informadas pelos Estados partes nos relatórios que submeterem ao Comitê DH. Ademais, o Comitê tem competência para receber e apreciar comunicações nas quais um Estado Parte alega que outro não cumpre suas obrigações estabelecidas no Segundo Protocolo. Tem ainda competência para receber e examinar as comunicações feitas por indivíduos sujeitos à sua jurisdição, salvo declaração em sentido contrário no Momento da ratificação ou adesão, quando às situações previstas no Segundo Protocolo. 

 

P.S.:

 

Notas de rodapé:

 

*O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-pacto-obriga-estados.html .


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