O direito ao juiz natural consiste no direito de qualquer indivíduo de ser processado e sentenciado por juízo designado por regras abstratas e existentes previamente. Proíbe-se, assim, o juiz designado para o caso ( juiz ad hoc ) e o juízo ou tribunal de exceção, aquele que é criado posteriormente para julgar determinado caso. Na dicção do Ministro Edson Fachin, do Superior Tribunal Federal ( STF ), " a garantia do juiz natural, que, como se sabe, visa a assegurar que a jurisdição, em cada caso submetido ao Poder Judiciário ( PJ ), será prestada pelo órgão competente, segundo a Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ), com o auxílio das normas infraconstitucionais vigentes. E é por isso que, sem dúvida alguma, no Estado Democrático de Direito ( EDD ), há de se vedar, de modo absoluto, a instituição de Tribunais ou Juízos de exceção " ( STF, Inquérito número Quatro mil quatrocentos e trinta e cinco, Agravo Regimental - Quarto / Distrito Federal ( DF ), Relator Ministro Marco Aurélio, trecho do voto do Ministro Edson Fachin, julgado em Quatorze de março de Dois mil e dezenove ) .
A exigência de um juízo natural, imparcial e independente impede que haja ameaças legislativas à tomada de decisão isenta ou à provocação isenta do PJ .
Por isso, há intenso debate sobre a inconstitucionalidade e inconvencionalidade da Lei número treze mil oitocentos se sessenta e nove, de Cinco de setembro de Dois mil e dezenove, que redefiniu o conceito de " crime de abuso de autoridade ", revogando a Lei número Quatro mil oitocentos e noventa e oito / Mil novecentos e sessenta e cinco. Os crimes de abuso de autoridade são aqueles
1) cometidos por agente público, servidor ou não, que,
2) no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê - las,
3) abuse do poder que lhe tenha sido atribuído. É necessário que o
4) agente tenha atuado com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.
Foi afastado, pela lei, o risco de existir o chamado " crime de hermenêutica " ( criminalização da conduta de um agente público que adotou interpretação distinta da interpretação majoritária ), sendo expresso na lei que a divergência na interpretação da lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade ( Artigo Primeiro, Parágrafo Segundo ) . Os tipos penais foram elencados a partir do Artigo Nono da lei, destacando - se:
1) " Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais ";
2) " Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ";
3) " Proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito ";
4) " Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de il´~icito funcional, ou de infração administrativa ";
5) " Impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado ";
6) " Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente ";
7) " Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal ";
8) " Decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e, ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida, deixar de corrigi - la ";
9) " Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, á falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração ou de infração administrativa ";
10) " Exigir informação ou descumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal "; e
11) " Demorar demasiada e injustificadamente no exame de processo de que tenha requerido vista em órgão colegiado, como o intuito de procrastinar seu andamento ou retardar o julgamento ".
Apesar dos limites gerais autoimpostos ( dolo específico e proibição do " crime de hermenêutica " ), os tipos penais acima enunciados da lei aprovada ( com a superação dos vetos presidenciais ) são indeterminados, gerando ofensa
1) à segurança jurídica e
2) à reserva legal em matéria penal.
De fato, o uso do vocábulo " manifestamente " ou ainda da expressão " sem justa causa fundamentada " ) o ainda " sem justa causa " ), bem como de " exacerbadamente ", " sem qualquer indício ", " injustificadamente " ou " sem expresso amparo legal ", gera incerteza incompatível com a segurança jurídica ( * vide nota de rodapé ) e com a indispensável taxatividade do tipo penal incriminador ( Artigo quinto, Inciso Trinta e nove da CF - 88 - " não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal " ) .
Além disso, ficam abaladas ainda o direito ao juiz natural e o direito ao promotor natural, que exigem magistrados e membros do Ministério Público ( MP ) independentes, que devem adotar as medidas cabíveis sem temer que apreciação futura considere que suas decisões foram " manifestamente " incabíveis resultando na prática de crimes .
Cabe salientar que a evolução da jurisprudência pode ser feita, de início, com a propositura de ações, pedidos ou adoção de decisões que são, a princípio, ofensivas a textos normativos, mas que são compatíveis com a CF - 88, tratados e com a gramática de direitos.
A ponderação de segundo grau, por exemplo, a decisão do STF de autorizar a entrada de agentes do Departamento da Polícia Federal ( DPF ) em domicílio ( escritório - para colocação de escuta ambiental - *2 vide nota de rodapé ) durante a madrugada .
De início, essa decisão do STF contrariou texto expresso da CF - 88 ( em nome da inviolabilidade domiciliar ( *3 vide nota de rodapé ), a autorização judicial nessa hipótese deve ser cumprida durante o dia - Artigo Quinto, Inciso Onze ), mas foi proporcional ( *4 vide nota de rodapé ) em face dos direitos em colisão ( *5 vide nota de rodapé ) ( Inquérito número Dois mil quatrocentos e vinte e quatro, Relator Ministro Cezar Peluso, julgado em Vinte e seis de novembro de Dois mil e oito, Plenário, Diário da Justiça eletrônico de Vinte e seis de março de Dois mil e dez ) .
A nova Lei de Abuso de Autoridade ( LAA ) desestimula esse tipo de decisão ( ao menos as tomadas pelas instâncias judiciais inferiores ao STF ), fragilizando a independência judicial e ministerial ( *6 vide nota de rodapé ) .
P.S.:
Notas de rodapé:
* O direito à segurança jurídica, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/10/direitos-humanos-o-direito-seguranca.html .
*2 A escuta ambiental, como exceção ao direito á privacidade; no contexto dos Direitos Humanos; é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-proporcionalidade-de.html .
*3 O direito à inviolabilidade domiciliar, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/05/direitos-humanos-doutrinas-e.html .
*4 O princípio da proporcionalidade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/05/direitos-humanos-doutrinas-e.html .
*5 A colisão ou conflito de direitos, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-delimitacao-dos-dh.html .
*6 Os princípios que regem a independência judicial ou ministerial, no contexto dos Direitos Humanos, são melhora detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/06/direitos-humanos-independencia-do-poder.html .
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