quarta-feira, 11 de março de 2020

Fusões e aquisições: a judicialização como último recurso contra a hostilidade

A questão que está sendo discutida mais apaixonadamente nos dias atuais é se as aquisições hostis ( * vide nota de rodapé ) são boas ou más para os acionistas. Contudo, se existem outros grupos ou não que possam ter algum ganho legítimo na luta pelo controle e pela sobrevivência do empreendimento, este é um ponto muito mais importante, embora menos discutido. Será que as grandes empresas listadas em bolsa de valores de capital aberto exitem exclusivamente por conta dos acionistas? Isto é, naturalmente, o que o capitalismo ortodoxo afirma. Mas o termo livre iniciativa foi cunhado há mais de um século para estabelecer que o interesse dos acionistas, embora importante, é apenas um interesse, e que o empreendimento tem funções que vão abem além daquela de produzir resultados para os acionistas: funciona como empregador, cidadão da comunidade, cliente e fornecedor. Os britânicos, ao estabelecerem um comitê de aquisição ( no Brasil é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - o CADE ), reconheceram expressamente que uma decisão de aquisição ou fusão afeta o interesse público. Até aqui, nos Estados Unidos da América ( EUA ), isto é expresso apenas de forma negativa, isto é, mediante a proibição de fusões que violem as leis antitruste ( como faz o CADE no Brasil ). Há de se tomar em consideração o impacto em outros grupos, na comunidade e na economia como um todo. Mas de que forma? Esta é a questão central. A resposta que os EUA darão a isto irá definir, em grande parte, o tipo de economia que terão no futuro.

Contudo, se a resposta for que o interesse do especulador - não importa que o especulador tenha o título legal de proprietário - deve ser o único considerado, o sistema da livre iniciativa dificilmente sobreviverá, já que irá rapidamente perder o apoio público. Isto porque a maioria das pessoas, embora elas sejam beneficiadas pelo jogo do especulador - ainda que indiretamente ( isto é, como beneficiárias dos fundos de pensão ) - , tende a perder mais em uma aquisição hostil ( * vide nota de rodapé ) do ponto de vista moral, pois ela ofende profundamente o senso de justiça de um grande número de americanos.

A maioria dos americanos é empregada em uma organização. Existe uma boa quantidade de evidências de que as pessoas em uma organização. Existe uma boa quantidade de evidências de que as pessoas em uma organização, especialmente os gerentes e profissionais, aceitarão até mesmo o mais doloroso ajuste, como o fechamento de um negócio ou a venda de parte dele, se a lógica que o fundamenta for o bom desempenho econômico ou a falta dele. Contudo, esta não é a lógica, é claro, para a compra ou venda de uma organização humana ou de suas partes em um processo de aquisição hostil ( * vide nota de rodapé ). Neste caso, a única lógica é o enriquecimento de alguém que nada tenha a ver com o desempenho do empreendimento e que, provavelmente, não tem qualquer interesse nele. E isto enfurece os empregados, que acreditam que uma aquisição hostil ( * vide nota de rodapé ) os trará como bens, e não como recursos, que dirá como seres humanos! "Será que a aquisição hostil ( * vide nota de rodapé ) é compatível com as leis conta a servidão involuntária" Esta era a pergunta que havia sido formulada na época por executivos de meia-idade em aulas de administração avançada ministradas por Peter F. Drucker.

Há mais de um século, os EUA decidiram que os direitos do credor não eram absolutos e inseriram emendas nas leis de falência para colocar a manutenção e a restauração do empreendimento ativo acima dos direitos do credor, o qual, até então, tinha a última palavra quando um negócio enfrentava dificuldades. Isto tem funcionado excepcionalmente bem. A proteção do empreendimento ativo ( no Brasil é o instituto da recuperação judicial - previsto no código civil de 2002 ) durante sua reorganização provou-se do melhor interesse também do credor. Será que agora será feito o mesmo no que se refere à aquisição hostil e será considerada a proteção do empreendimento ativo um recurso, nos melhores interesses dos empregados, sejam eles operários, administrativos ou gerentes, da comunidade, dos fornecedores e dos clientes? Na verdade, já está sendo movimentado nesta direção ao ponderar o entendimento da proteção da legislação antitruste a empreendimentos ativos não falimentares, mas ameaçados pelo controle de uma única parte interessada. A Johns-Manville Corporation - líder de mercado na produção de amianto e outros materiais de construção - invocou, com sucesso, as leis de falência para se preservar como empreendimento ativo e proteger seus acionistas e empregados contra a avalanche de processos de responsabilidade por danos provocados pela utilização do amianto. Da mesma forma, a Continental Airlines usou a lei de falências com sucesso para se preservar contra as reivindicações salariais do sindicato trabalhista, que haviam se tornado insuportáveis quando a desregulamentação do mercado tornou as tarifas aéreas e as rotas extremamente competitivas. Não é, em hipótese alguma, impossível que um advogado inteligente, da mesma forma, use as leis de falência para preservar um empreendimento ativo contra aquisições hostis ( * vide nota de rodapé ) - e os tribunais acatarão o pleito, como fizeram nos casos da John-Manville e da Continental Airlines. Entretanto, de uma forma dou de outra - por lei, pela diversificação dos tipos de propriedade de ações ou por exegese jurídica - , certamente será encontrada uma forma de proteger o empreendimento ativo contra aquisições hostis ( * vide nota de rodapé ), às quais todos os outros interesses ( empregados, o crescimento de longo prazo e a prosperidade do empreendimento, e a posição competitiva do país em uma economia mundial crescentemente concorrencial ) ficam subordinados ao ganho especulativo de curto prazo. Outras informações podem ser obtidas no livro As fronteiras da administração de autoria de Peter F. Drucker.

P.S.:

Nota de rodapé:

* O fenômeno das aquisições hostis é melhor introduzido em

https://administradores.com.br/artigos/fus%C3%B5es-e-aquisi%C3%A7%C3%B5es-raiders-eles-n%C3%A3o-d%C3%A3o-f%C3%A9rias-para-os-seus-p%C3%A9s .

Mais em:

https://administradores.com.br/artigos/fus%C3%B5es-e-aquisi%C3%A7%C3%B5es-a-judicializa%C3%A7%C3%A3o-como-%C3%BAltimo-recurso-contra-a-hostilidade .

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