sexta-feira, 13 de março de 2020

Fusões e aquisições: sucesso depende mais do conceito de casamento que do conceito de compra

O surto de fusões e aquisições ocorrido nos últimos anos se baseia em movimentações de negócio. Trata-se pura e simplesmente de manipulação financeira. Entretanto, uma aquisição deve fazer sentido como negócio; do contrário, não funcionará, nem mesmo como jogada financeira - levará a um fracasso duplo: do negócio e da operação financeira.

Existem cinco regras simples para que uma aquisição seja bem-sucedida, e elas têm sido cumpridas por todos os compradores de sucesso, desde a época de J.P. Morgan, há mais de um século.

1. Uma aquisição somente será bem-sucedida se a empresa compradora fizer uma boa avaliação sobre como poderá contribuir para o negócio que está sendo comprado - e não o contrário - , não importa o quão atraente pareça a esperada sinergia do negócio.

O grau de contribuição da empresa compradora poderá variar. Pode ser em gerenciamento, tecnologia ou força de distribuição. Dinheiro, por si só, nunca é o suficiente. a General Motors Company ( GMC ) teve bastante êxito com as empresas de motores a diesel que adquiriu. Ela podia contribuir, e contribuiu, com tecnologia e gerenciamento. Contudo, ela não foi a lugar algum com os dois negócios em que sua principal contribuição foi dinheiro: equipamentos pesados de movimentação de terra e motores de avião.

2. Uma diversificação bem-sucedida por meio de uma aquisição, como todas a s diversificações bem-sucedidas, requer um núcleo comum de unidade. Os dois negócios devem ter em comum ou mercados ou tecnologia, embora ocasionalmente um processo de produção comparável também tenha oferecido unidade suficiente de experiência e expertise, assim como uma linguagem, comum, para unificar as empresas. Sem um núcleo de unidade deste tipo, a diversificação, especialmente por aquisição, jamais funciona. Os elos financeiros, por si sós, são insuficientes. Em um jargão de ciências sociais, deve haver uma cultura comum ou, no mínimo, uma afinidade cultural. 

3. Nenhuma aquisição irá funcionar a não ser que as pessoas da empresa compradora respeitem o produto, os mercados e os clientes da empresa adquirida. a aquisição deve ser um encaixe de temperamento.

Embora várias empresas farmacêuticas de grande porte tenham adquirido fabricantes de cosméticos nos últimos sessenta anos, nenhuma conseguiu ter um grande sucesso com isto. Farmacêuticas e bioquímicos são pessoas sérias, preocupadas com saúde e doenças. Batons e usuárias de cosméticos, para eles são frivolidades.

Pelo mesmo raciocínio, poucas grandes redes de televisão e outras empresas de comunicação e entretenimento conseguiram extrair muito das editoras que adquiriram. Livros não são mídia. Os compradores de livros ou seus autores - os dois principais clientes de uma editora - não guardam qualquer semelhança com aquilo que as pesquisas do Nielsen Institute consideram audiência. Mais cedo ou mais tarde, geralmente mais cedo, um negócio requer uma decisão. As pessoas que não respeitam ou não se sentem confortáveis com o negócio, seus produtos e usuários invariavelmente tomam as decisões erradas.

4. Dentro de um ano, mais ou menos, a empresa compradora deve ser capaz de prover uma administração de primeira linha para a empresa adquirida. É um falácia elementar acreditar que se possa comprar uma equipe de administradores. A empresa compradora deve estar preparada para perder os principais gerentes da empresa adquirida. Pessoas que atuam na administração superior estão estão acostumadas a ser chefes; elas não querem se tornar gerentes de divisão. Se forem os donos ou sócios,a  fusão os tornará tão ricos que não precisarão ficar nas empresas, a não ser que tenham prazer nisto. E, se forem gerentes profissionais, sem participação acionária na empresa, geralmente encontram outro emprego com facilidade. Recrutar novos gerentes de topo é uma loteria que raramente dá certo.

5. No primeiro ano de uma fusão, é importante que um bom número das pessoas de grupos gerenciais de ambas as empresas recebam promoções substanciais em todos os níveis equivalentes, isto é, de uma empresa para a outra. O objetivo é convencer os gerentes de ambas as empresas de que a fusão ou aquisição lhes oferece oportunidades pessoais.

Este princípio se aplica não apenas aos executivos de topo ou perto do topo, mas também àqueles mais jovens e aos profissionais, as pessoas em cuja dedicação e esforços qualquer empresa basicamente depende. Se eles se julgarem bloqueados em consequência da aquisição, abandonarão a empresa e, geralmente, encontrarão novos empregos com maior facilidade que executivos de topo que perderam o cargo.

A maioria dos executivos aceira estes cinco princípios, pelo menos desde o fiasco do movimento de fusões de conglomerados no final dos anos sessenta. Contudo, eles argumentam que estes princípios não se aplicam a um período inflacionário, quando as aquisições se fundamentam em aspectos financeiros e macroeconômicos, e não em questões de negócio.

Aqui, a experiência da Alemanha durante a grande inflação dos começo dos anos vinte oferece convincente refutação. O surto de fusões daquele período foi tão tumultuado quanto qualquer coisa vista nos Estados Unidos da América ( EUA ) nos anos oitenta. E existiam quatro grandes raiders ( * vide nota de rodapé ): Hugo Stinnes, Alfred Hugenberg e Flick foram bem-sucedidos. O primeiro comprou jornais e construiu a primeira bem-sucedida cadeia jornalística da Alemanha. Ele sobreviveu - na verdade, prosperou - até que Hitler, a quem ele havia ajudado a assumir o poder, o descartou. Flick adquiriu apenas empresas de aço e carvão e conseguiu sobreviver tanto à Segunda Guerra Mundial quanto à sua prisão como criminoso de guerra nazista para construir outro império empresarial, ainda maior, onde atuou até sua morte, nos anos oitenta.

Stinnes, que até mil novecentos e dezenove, era totalmente desconhecido como atacadista de carvão, em mil novecentos e vinte e dois já dominava a indústria alemã como nenhum outro homem sozinho conseguiu dominar a indústria de qualquer país importante. entretanto, nove meses após o fim da inflação alemã, seu império - uma heterogênea coleção de siderúrgicas, linhas de navegação, empresas químicas, bancos e outros negócios não relacionados - estava em processo de falência e vinha sendo desmantelado.

Quanto a Krupp - durante décadas, a mais rica e politicamente a mas poderosa empresa alemã - , conseguiu sobreviver, mas jamais se recuperou. Ela jamais foi capaz de administrar os negócios heterogêneos que havia adquirido - estaleiros, uma fábrica de caminhões e empresas de máquinas industriais, entre outras. Eventualmente, suas aquisições drenaram todos os seus recursos.

No começo dos anos setenta, a família Krupp foi removida da administração e da posse, sendo que o controle da empresa, já quase morta, foi vendido a preço de ocasião para o Xá do Irã. O mercado de ações de Nova Iorque - pelo menos desde que se recuperou de seu fascínio por conglomerados nos anos sessenta - certamente consegue sentir a importância das cinco regras de aquisição. Isto explica por que, em tantas ocasiões, a notícia de uma grande aquisição desencadeia uma brusca queda dos preços das ações da empresa compradora.

No entanto, os executivos, tanto das empresas compradoras quanto das adquiridas, ainda, em grande parte, ignoram as regras, da mesma forma que os bancos, quando decidem financiar uma proposta de aquisição. Contudo, a história ensina amplamente aos investidores e executivos, de ambos os lados, e aos banqueiros que os financiam que logo irão se lamentar se analisarem uma aquisição pelo ângulo financeiro, em vez de essencialmente levar em conta os princípios de negócio. Outras informações podem se obtidas no livro As fronteiras da administração, de autoria de Peter F. Drucker.

P.S.:

Nota de rodapé:

* o conceito de raider, do mercado de ações, é melhor introduzido em

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