segunda-feira, 9 de março de 2020

Fusões e aquisições: participação acionária de empregados contra a hostilidade

O capitalismo corporativo - a regra dos gerentes autônomos como filósofos-reis da moderna economia, que prestam contas, na melhor das hipóteses, a um código profissional, mas não são controlados pelos acionistas ou por qualquer outro grupo de interesse - foi inicialmente proclamado há noventa anos por Adolph Berle e Gardner Means, em seu livro clássico, de mil novecentos e trinta e dois, The Modern Corporation and Private Property. O controle, argumentavam Berle e Means, se divorciara da propriedade. Com efeito, ter a propriedade já não significava mais ser o dono. a propriedade havia se tornado um investimento e as maiores preocupações a este respeito eram dividendos e ganhos de capital, e não o bem-estar ou a governança da propriedade em si.

Desde o começo, qualquer um com um mínimo de conhecimento de teoria ou história política poderia ter previsto que isto não iria funcionar. A administração, alguém poderia dizer com absoluta certeza, não duraria muito mais como filósofo-rei do que qualquer filósofo-rei anterior - o que não foi muito tempo. A administração tem poder, é verdade. Para fazer seu trabalho, ela precisa ter poder. Contudo, o poder não dura muito, independentemente de seu desempenho, conhecimento e boas intenções, exceto se for fundamentado em alguma sansão externa que o extrapole, em algum campo de legitimidade, seja por meio de uma instituição divina, por eleição ou por consentimento dos governados. De outro modo, o poder não será legítimo. Ele pode ser bem-intencionado, ter um bom desempenho e pode, até mesmo, ser identificado como altamente popular em pesquisas de opinião. Apesar disto, o poder ilegítimo sempre sucumbe diante do primeiro desafiante. Ele pode não ter nenhum inimigo, mas ninguém acredita nele e nem lhe deve fidelidade.

Isto deveria ter sido óbvio para a administração americana há noventa anos, quando Berle e Means ressaltaram, pela primeira vez, que já não existiam verdadeiros proprietários nas corporações americanas. Afinal, o fato de que o filósofo-rei - isto é, o poder fundamentado no desempenho, em vez de na legitimidade - não duraria já era sabido desde que Aristóteles foi destituído como filósofo-rei e Platão, há dois mil e trezentos anos. Mas a administração americana fez exatamente aquilo que fizeram todos os filósofos-reis - por exemplo, os déspotas esclarecidos da Europa do século dezoito: regozijou-se de suas boas intenções. E as administrações americanas prontamente se ocuparam em remover o que consideravam o último obstáculo a seu reinado iluminado - um corpo de diretores independe e poderoso. E, então, quando os investidores de Berle e Means se tornaram especuladores de fundos de pensão, a administração se viu impotente contra o primeiro desafiante: o raider ( * vide nota de rodapé ). A proposta de aquisição hostil é, portanto, o último fracasso do capitalismo corporativo.

Entretanto, certamente é preciso administração. Os empreendimentos de negócio precisam de governança e precisam de uma governança que tenha poder, continuidade e que seja capaz de ter um bom desempenho. Em outras palavras, precisa de um governo que tenha legitimidade. E como seria possível restaurar a legitimidade à administração das grandes empresas americanas listadas na Bolsa de Valores de Nova Iorque - ( NYSE - sigla em inglês ) e com capital aberto?

Certamente, o primeiro passo seria restaurar uma diretoria independente e forte. Efetivamente, como já destacado, onde este tipo de diretoria existe, os raiders ( * vide nota de rodapé ), em sua maioria, foram derrotados. Até mesmo os acionistas, cujo único interesse é uma grana rápida, tendem a escutar uma diretoria forte e independente, que tenha uma posição forte e seja respeitada pela comunidade e que não seja vista como uma marionete da administração. Desta forma, a aquisição hostil pode ter finalmente provocado a reforma e a restauração da diretoria forte e independente, que inúmeras vozes dentro da comunidade de negócios têm exigido há muitos anos.

Contudo, este quadro de diretores não seria - nem poderia ser - um representante apenas dos acionistas. O membro da direção que inspira respeito suficiente para ser ouvido provavelmente será m diretor independente, isto é, alguém que não representa qualquer grupo de interesse e os interesses do empreendimento como um todo. Portanto, a aquisição hostil irá, quase com certeza, acelerar um fenômeno já em andamento: o surgimento de pessoas profissionalmente qualificadas que pertencem a um número reduzido de diretorias, por exemplo, não mais que quatro por vez; que sejam independentes, tenham posições próprias e contem com o respeito de uma comunidade mais ampla, com base em suas realizações e conhecia integridade; e que levem a sério suas responsabilidades, inclusive a de estabelecer e monitorar metas de desempenho para a administração superior, policiando seu comportamento e sua ética e removendo até mesmo o mais orgulhoso dos CEOs que não cumpre os padrões estabelecidos pela diretoria, de acordo com os melhores interesses do empreendimento.

Mas será que isto não significaria substituir um grupo de filósofos-reis por outro grupo de tecnocratas ou sábios? Certamente, membros externos independentes da diretoria, diferentemente do presidente da empresa, não lutam por seus próprios empregos quando resistem a uma aquisição hostil. Ainda assim, eles não representam qualquer grupo de interesse identificável, nem têm outra legitimidade que não um desempenho desinteressado e seu conhecimento. Será que as grandes empresas americanas listadas na NYSE com capital aberto deverão aprender a mobilizar novos grupos de interesse, de forma a introduzir outros interesses para equilibrar os antigos donos, agora transformados em especuladores, e criar novos elos de lealdade?

Supostamente, raiders ( * vide nota de rodapé ) potenciais evitam fazer propostas de aquisição hostil de empresas cujos empregados detenham uma parte substancial das ações. Eles sabem que empregados-donos dificilmente aceitarão uma proposta deste tipo. É claro que a maioria dos empregados provavelmente teria perdas maiores se seus empregos estivessem ameaçados do que poderiam ganhar se vendessem suas ações por um preço acima do de mercado. Acima de tudo, empregados se identificam com suas empresas e ficam pessoal e emocionalmente ligados a ela e à sua condição de independência. A derrota mais espetacular de uma proposta de aquisição hostil não foi infligida por uma administração com forte histórico de desempenho, mas a que ocorreu no caso da previamente mencionada proposta pela Phillips Petroleum, em Bartlesville, Oklahoma, quando a própria cidade se uniu para defender sua principal empregadora.

Há setenta anos, era um assunto popular no mundo dos grandes negócios americanos falar da administração como a gestora do melhor equilíbrio entre os interesses dos acionistas, empregados, comunidade do entorno das fábricas, clientes e fornecedores. Em muitos casos, é claro, isto era pura retórica, cujo objetivo era revestir de respeitabilidade o filósofo-rei administrador e seu despotismo esclarecido. Contudo, mesmo onde exista mais em relação a esta assertiva do que apenas interesse próprio, nada foi feito de forma sistemática para converter a retórica em realidade. Algumas tentativas foram realizada para institucionalizar o relacionamento destes supostos grupos de interesse com o entendimento e sua administração. Será que agora isto será levado a sério para salvaguardar tanto o empreendimento quanto a administração? E que forma este tipo de relacionamento deveria assumir? Outras informações podem ser obtidas no livro As fronteiras da administração, de autoria de Peter F. Drucker.

P.S.:

Nota de rodapé:

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