quarta-feira, 4 de março de 2020

Previdência privada: fundos de pensão vendendo o almoço para comprar o jantar

O refluxo do surto de aquisições hostis poderá, paradoxalmente, apenas agravar os problemas dos fundos de pensão.Isto eliminará os lucros inesperados ( windfall profits ) que os fundos de pensão agora auferem ao aceitar os preços inflados oferecidos pelos raiders ( * vide nota de rodapé ). Estes lucros inesperados são, de longe, a única maneira que os administradores de fundos de pensão têm para obter os rápidos ganhos em bolsa de valores que seus chefes, a diretoria da empresa, esperam e exigem deles. Se as aquisições hostis forem eliminadas, a administração da empresa irá, previsivelmente, fazer ainda mais pressão sobre os administradores dos fundos para a obtenção de resultados rápidos. E estes, por sua vez, aumentarão a demanda por resultados de curto prazo das empresas em cujas ações o fundo investe - o que forçará ainda mais a tendência pela administração de curto prazo, um fator que, a esta altura, todos já concordam ser responsável pela deterioração constante da posição competitiva dos Estados Unidos da América ( EUA ) na economia mundial. Enquanto os fundos de pensão do país se basearem em benefícios definidos, não haverá possibilidade de solução em vista.

Talvez tenha feito sentido para os sindicatos reivindicar benefícios definidos quando os fundos de pensão começaram a se popularizar há setenta anos, uma vez que sob este sistema, o empregador assume todos os riscos futuros. Na verdade, na negociação do contrato que estabeleceu o padrão para os fundos de pensão atuais, o da General Motors Company ( GMC ), na primavera de mil novecentos e cinquenta, o Sindicato dos Trabalhadores da indústria Automotiva se opôs fortemente aos benefícios definidos e, em vez disto, queria contribuições definidas. Na época, peter f. Drucker dizia ter tido a oportunidade de discutir este assunto repetidas vezes com Walter Reuther, então presidente do sindicato, quando o contrato estava sendo negociado. Reuther temia, sem qualquer motivo, como ficou contatado depois, que benefícios definidos tornariam o trabalhador consciente da identidade de interesses entre ele próprio e o empregador, alienando-o, assim, do sindicato. Foi a empresa que escolheu benefícios definidos, embora o presidente da GMC à época, Charles E. Wilson, recomendasse um plano de contribuições definidas, que ele acreditava ser mais sólido. Contudo, o parecer do Comitê Financeiro da GMC prevaleceu tanto sobre a posição de Wilson quanto a de Reuther, e o resto dos planos de pensão do país seguiu o exemplo. Apesar disto, a escolha dos benefícios definidos - que, como à época Drucker dizia ter concluído, foi um grande erro - se baseou na mesma ilusão que faz os jogadores dos cassinos de Las Vegas acreditarem que irão ganhar uma fortuna, desde que continuem a alimentar a máquina de apostas com moedinhas.

Com um sistema de benefícios definidos, a empresa se compromete a pagar ao futuro pensionista um percentual fixo de sua remuneração ou salário durante a aposentadoria. A contribuição que a empresa faz depende, então, do valor dos ativos do fundo em determinado ano, em contraste com o valor presente da futura obrigação da pensão. Quanto maior o valor presente do fundo, menor a contribuição atual e vice-versa. Portanto, a administração se iludiu acreditando que o crescimento permanente do mercado de ações de Nova Iorque seria uma lei da natureza - ou, pelo menos, da história - e, desta forma, com o plano de benefícios definidos, seria o mercado de ações - e não a empresa - , por meio de seu crescimento contínuo predeterminado, que iria, eventualmente, prover o dinheiro para a empresa e que iria produzir receitas bem acima de tudo o que fosse colocado nele.

E, então, a segunda ilusão: praticamente todas as empresas que adotaram um plano de benefícios definidos o fizeram acreditando firmemente que este plano, se administrado profissionalmente, superaria até mesmo um mercado em constante alta.

Não existe, obviamente, uma lei que determine o funcionamento de um mercado de ações em permanente alta. Historicamente, mercados de ações não tem sido um bom abrigo conta a inflação: o mercado americano, nos últimos sessenta anos, por exemplo, mal acompanhou as taxas inflacionárias. Com efeito, um grande repositório de dinheiro que, durante um longo período, tenha qualquer crescimento - que dirá crescer com a mesma rapidez da economia - é a mais rara de todas as exceções. Nem os Médici, nem os Fugger, nem os Rothshild e nem mesmo os Morgan, tiveram êxito nesta iniciativa. Da mesma forma, pelo que Drucker dizia saber à época, jamais havia existido, pelo menos até então, um fundo de pensão de grande empresa que, nos últimos sessenta ou setenta anos, tenha tido um desempenho tão bom quanto o do mercado de ações. O único desempenho que conta no fundo de pensão é o de longo prazo, uma vez que as obrigações se estendem por vinte e cinco anos ou mais. na verdade, alguns dos grandes fundos de contribuição definida produziram melhores resultados para seus beneficiários, empregados e futuros pensionistas, e a um custo mais baixo para os empregados, do que a maioria dos grandes planos de benefícios definidos. Isto é positivamente verdadeiro em relação ao maior dos planos de contribuição definida, o dos empregados e empregadores das empresas americanas que não distribuem lucros aos sócios mas, se dizem sem fins lucrativos mas visam a lucro tanto quanto qualquer empresa que se distribuem lucros aos sócios e se assumem com sendo uma organização com fins lucrativos e da Teachers Insurance and Annuity Association ( TIAA ).

Portanto, os equívocos que levaram administrações americanas a optar por planos de benefício definido praticamente garantiram, desde o início, que os fundos teriam de se tornar especuladores e ter um foco cada vez maior no curto prazo.

A escolha de benefícios definidos também explica, em grande parte, o sofrível desempenho social dos fundos de pensão americanos, uma vez que eles foram concebidos, como acertadamente suspeitava Walter Reuther, para ser instituições tanto sociais quanto financeiras. Foram concebidos também para criar um núcleo visível de interesses comuns enter empregadores e empregados. Com efeito, o que a GMC tinha em mente era muito semelhante ao que os japoneses conseguiram com a política do emprego vitalício. Mas, diferentemente do emprego vitalício, os fundos de pensão americanos não criaram qualquer interesse comunitário na mente dos trabalhadores.

As leis que governam os planos de pensão privados nos EUA definem seus gestores como administradores para os eventuais beneficiários, os empregados. Na realidade, os administradores dos planos de benefícios definidos são, por necessidade, nomeados pela direção da empresa, a quem, somente, devem prestar contas, uma vez que quem corre risco são os empregadores. Portanto, os fundos devem ser administrados para reduzir, ao máximo possível, a responsabilidade dos empregadores. Em consequência, os empregados não se sentem responsáveis pelo plano. São salários deferidos, em vez de interesse da empresa. Os empregados acreditam que o desempenho do fundo não faz qualquer diferença. e estão certos: a não ser que a empresa vá á falência, o desempenho do fundo realmente não faz diferença para eles. Além disto, em um plano de benefícios definidos, os empregados não podem, de forma significativa, ser incluídos em um processo decisório por meio de fundo de pensão, os verdadeiros donos dos recursos produtivos dos EUA.

Um plano de contribuições definidas não é uma panaceia, mas minimiza problemas. O modelo certo estava facilmente disponível há setenta anos, já que a TIAA existe há mais tempo ainda, desde os anos vinte. A TIAA funciona com contribuições flexíveis, e não com contribuições definidas. As contribuições, feitas a cada ano por universidades, organizações que não distribuem lucros aos sócios ma igualmente visam ao lucro com qualquer empresa, como a Boy Scouts, ou por instituições religiosas protestantes, são percentuais fixos de salários. Elas aumentaram à medida que o empregado vai progredindo. E o plano, portanto, este é um ponto importante, ajusta automaticamente a contribuição anual de acordo com a inflação. No entanto, este total anual é conhecido e previsível. Por causa disto, a TIAA pode investir - e, efetivamente, o faz - no longo prazo, o que por sua vez, explica por que seus resultados tem sido melhores do que qualquer outro grande plano de benefícios definidos. A mesmo tempo, a TIAA, precisamente porque o empregador se desincumbe por completo de suas obrigações, uma vez que tenha remetido um percentual fixo do salário dos empregados, conseguiu trazer os futuros beneficiários, isto é os empregados atuais, para a governança da instituição. Os professores universitários não consideram a TIAA o fundo de pensão dos empregados e sim, o "nosso fundo de pensão", a respeito do qual se interessam ativamente e que, para eles, simboliza significativamente a identidade básica do interesse econômico entre o empregador, ou seja, a universidade, e eles mesmos.

Os planos de pensão estão começando a mudar, embora lentamente. Muitas empresas, especialmente as de médio porte, agora encorajam seus empregados a fazer as próprias provisões de pensão, em geral com fundos privados, de fora da empresa, como, por exemplo o Individual Retirement Account. Isto, pelo menos, permite uma política racional de investimento, isto é, de longo prazo. Contudo, para um futuro próximo, a maior parte dos planos de pensão corporativos dos EUA permanecerá comprometida com a fórmula dos benefícios definidos. Os principais proprietários legais das grandes empresas dos EUA, os grandes fundos de pensão, continuarão, portanto, a ser forçados a agir como especuladores, e não como investidores, que dirá como proprietários! E, assim, nos próximos anos, haverá a necessidade de proteger os recursos produtores de riqueza da economia - isto é, as empresas, e os próprios fundos de pensão - contra a pressão, para que sejam administrados com vistas ao curto prazo, ao dia seguinte, ao próximo mês, ao próximo trimestre e, acima de tudo, contra uma aquisição hostil. Outras informações podem ser obtidas no livro As fronteiras da administração, de autoria de Peter F. Drucker.

P.S.:

Nota de rodapé:

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