segunda-feira, 15 de junho de 2020

Economia mundial: os direitos especiais de saque e o FMI

A existência de uma crise de produtividade e, ao mesmo tempo, de uma crise de formação de capital faz certamente a nova economia precisar voltar a ser microeconômica e centrada na oferta. Tanto a produtividade quanto a formação de capital são eventos da microeconomia. Ambos também lidam com os fatores de produção, em vez de ser função da demanda.

É sabido o suficiente sobre a produtividade e formação de capital. Foram produzidos muitos trabalhos empíricos e teóricos em ambas as áreas neste últimos setenta anos. É sabido que a produtividade significa o rendimento econômico de cada um dos fatores de produção: recursos humanos, capital, recursos físicos e tempo; e o rendimento geral dos recursos tomados em conjunto. É sabido que a formação de capital precisa ser, no mínimo, igual ao custo do capital. E, em uma economia em crescimento, os custos do futuro a serem cobertos pela formação de capital de hoje são substancialmente maiores até mesmo do que o custo do capital. Em uma economia em crescimento, os empregos do futuro, por definição, exigirão um investimento de capital substancialmente maior do que os empregos de hoje, e assim, exigirão uma formação de capital substancialmente maior do que a substituição do capital representado pela taxa de retorno em vigor. 

E é sabido como determinar a taxa de formação de capital necessária para as incertezas do futuro dentro de uma margem de erro que não é maior do que aquelas pertencentes aos custos aceitos no presente pelo modelo de contabilidade, como os da depreciação ou riscos de crédito. Os eventos da economia simbólica podem desestimular, mas é improvável que venham significativamente a estimular a produtividade quanto uma maior taxa de formação de capital.

Porém, embora haja os conceitos e os dados, ainda não há ( até o momento ) um modelo microeconômico que considere a produtividade e a formação de capital. Mesmo estes termos são, em grande parte, desconhecidos pelas teorias disponíveis, como, por exemplo, a Teoria da Empresa, que é a microeconomia mais comumente ensinada em cursos de faculdade. Em vez da produtividade e da formação de capital, a Teoria da Empresa fala da maximização do lucro é um termo sem sentido quando aplicado a qualquer outra coisa que não uma transação comercial exclusiva e não periódica da parte de um indivíduo e envolvendo um único produto; ou seja, para um incidente excepcional, raro e quase não representativo. De modo geral, a nova economia em sua microeconomia deverá descartar, quase certamente, o conceito de lucro. O conceito de lucro presume a existência de uma economia fechada, estática e imutável, em que existem o risco, a incerteza e a mudança, não há lucro, exceto ( como Schumpeter ensinou há cento e dez anos ) o lucro temporário de um verdadeiro inovador. Para qualquer outra atividade econômica, existe somente o custo: os custos do passado e do presente, incorporados do capital. De fato, não se conhece alguma empresa que aplique a maximização do lucro em seu planejamento ou em suas decisões de investimento de capital ou estabelecimento de preços. As teorias e os conceitos que governam o comportamento real das empresas são teorias de capital, de otimização de mercado e de ganhos de custo de longo alcance ( a curva de aprendizado ) a partir da maximização do volume de produção, e não de maximização da lucratividade.

Portanto, a nova economia exigirá uma microeconomia radicalmente diferente como seu fundamento. Ela exigirá uma teoria que vise a otimizar a produtividade; ou seja, para o equilíbrio das várias funções parcialmente dependentes, é necessário haver otimização, em vez de maximização. A formação de capital requer um conceito mínimo: a cobertura do custo de capital. Ela requer uma teoria que vise a soluções satisfatórias, e não à maximização de lucro ( embora, paradoxalmente, o custo mínimo de capital venha a ser calculado como um valor substancialmente maior do que a maioria dos economistas atuais e muitos executivos de empresas consideram a máxima lucratividade disponível; que é, sem dúvida, o motivo para haver uma crise de formação de capital ). A próxima microeconomia, diferentemente da atual, será dinâmica e assumirá o risco, a incerteza e a mudança tecnológica, nas condições econômicas e nos mercados. Ainda assim, deverá ser uma economia do equilíbrio, integrando a provisão para um futuro incerto e mutável no comportamento presente que possa ser testado. Boa parte do trabalho árduo preparatório para isto já foi feita - em parte, há noventa anos, pelo economista Frank Knight, de Chicago; em parte, pelo economista inglês contemporâneo G.L.S. Shackle. Assim, a próxima microeconomia deverá quando se excluem a incerteza e a mudança, e a política econômica só é possível quando se excluem a incerteza e a mudança. Na próxima microeconomia, há de se conseguir integrar tanto a análise econômica quanto a política em um equilíbrio dinâmico através da produtividade e da formação de capital.

Se a produtividade e a formação de capital forem seus pontos focais, uma teoria microeconômica também conseguirá fazer o que nunca foi feito em economia: unir a microeconomia e a macroeconomia, se não torná-las uma só. Embora a produtividade e a formação de capital sejam eventos da microeconomia, além de ser agregados macroeconômicos mensuráveis. O lucro, por definição, se aplica a uma entidade jurídica, o empresário ou empresa. Porém, faz sentido falar da produtividade de um setor econômico ou de formação de capital na economia mundial.

No passado, a teoria econômica era microeconômica ou macroeconômica. Alfred Marshall, o último economista clássico tentou no primeiros anos do século vinte, unir as duas; mas ninguém, nem mesmo o próprio Marshall, achou que ele teria sucesso. Em grande parte, foi exatamente este insucesso de Marshall que fez Keynes optar por um sistema puramente macroeconômico. Com razoável certeza, a nova economia não poderá se dar ao luxo, porém, de escolher entre microeconomia e macroeconomia. Ela precisará realizar aquilo que Marshall tentou fazer e não conseguiu: integrar ambas. A macroeconomia se mostrou incapaz, pela segunda vez, de lidar com a oferta; isto é, com a produtividade e a formação de capital. No entanto, a microeconomia sozinha não é adequada para a teoria econômica ou para a política econômica e um mundo de economias mistas, de corporações multinacionais, de moedas não conversíveis e de governos redistribuindo metade da renda nacional.

Mas o significado que o termo macroeconomia realmente terá na nova economia não está nada claro e será altamente controverso. Por quatrocentos anos, o termo significou automaticamente a economia nacional. Os alemães chamam até hoje a disciplina de economia de Nationalekonomist ou Volkswirtschaft. porém, a única teoria hoje que tenta integrar microeconomia e macroeconomia, a de Robert Mundell, são eficazes apenas na medida em que são agentes da economia mundial, antecipando suas tendências estruturais e moldando suas próprias economias domésticas para ficar em conformidade; os exemplos são o japão e a Alemanha nos anos de crescimento mais rápido na década de sessenta. Além disto, os países que tentaram se comportar como verdadeiras macroeconomias no período posterior à Segunda Guerra Mundial ( especialmente os paíese kenesianos, Grã-Bretanha e Estados Unidos da América - EUA ) são como mostra Mundell, aqueles que também tiveram o menor controle sobre suas economias nacionais e os custos mais altos.

Esta, por sinal, foi a conclusão a que Keynes chegou no final de sua vida. Por vlta de mil novecentos e quarenta e dois, Keynes deixou de ser keynesiano e abandonou a nação-estado como a macroeconomia. No lugar disto, ele propôs a construção de uma economia do pós-guerra em torno do Bancor, uma moeda transnacional que seria independente dos governos nacionais e das moedas nacionais, e que seria administrada por economistas não políticos atuando como funcionários públicos transnacionais. A ideia do Bancor foi derrubada na Conferência de Bretton Woods pelos keynesianos americanos, que suspeitavam ser esta ma tentativa de manter a libra esterlina como principal moeda mundial, mas que, arrogantemente, confiavam na capacidade do dólar americano de ser a principal moeda mundial e na sabedoria dos economistas americanos em administrar o dólar mantendo-o livre das pressões políticas domésticas. No entanto, atualmente até os americanos estão empurrando os direitos especiais de saque ( DES ) do Fundo Monetário Internacional ( FMI ) como a moeda transnacional e não nacional da economia mundial. Até mesmo os americanos aceitaram que não pode haver nenhuma moeda principal - isto é, que nenhuma nação-estado pode aspirar à verdadeira soberania econômica. E os principais detentores de fundos líquidos na economia mundial ( os países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo - OPEP, os principais Bancos Centrais e as multinacionais muito grandes sediadas em países com superávit no balanço de pagamentos como a Alemanha, Japão e Suíça ) estão rapidamente colocando seu dinheiro e moeda transnacional: os DESs, uma cesta de mercado de moedas nacionais, dinheiro de conta indexada pelo poder de compra, ou ouro.

Ainda assim, faz sentido falar de uma economia brasileira ou de uma economia britânica. A nação-estado é uma realidade. Não é a realidade econômica da maneira que a tradicional macroeconomia a tem. Mas também não consegue determiná-la ou dirigi-la. A nova economia precisará dar conta desta realidade. Pois o Estado nacional é, sem dúvida, para o futuro previsível, a única instituição política a existir.

Portanto, a nova economia abrigará previsivelmente em seu centro um debate acalorado sobre o lugar do governo nacional na teoria econômica. Uma abordagem poderá seguir Mundell e considerar o governo nacional ( pelo menos nos países desenvolvidos ) como não mais do que uma engrenagem do sistema, e não como seu motor. Outra abordagem, previsivelmente, tentará manter a nação-estado e seu governo no centro do universo econômico, com a macroeconomia e a economia mundial, por assim dizer, como planetas girando em órbita ao redor dela. Poderá até mesmo haver dos teoremas paralelos deste sistema econômico de Ptolomeu, centrado na nação: um anglo-americano e o neokeynesianismo e um francês e cameralista; uma abordagem tentando manter o controle e a unicidade da economia nacional através da moeda e do crédito, e a outra controlando através do que os franceses chamam de planejamento indicativo, ou seja, através do que os franceses chamam de planejamento indicativo, ou seja, através de alocação de capital, trabalho e recursos físicos. Pode haver ( metodologicamente, é quase obrigatório ) mais uma abordagem que tente organizar os três centros em um único sistema - a microeconomia do indivíduo e da empresa, a economia mundial. Peter Ferdinand Drucker chegou a dizer acreditar, em sua época, que este podia ser o único modelo que passavam por uma rápida industrialização. Em qualquer um dos casos, a nova economia certamente será, mais uma vez, a economia política com a questão do relacionamento entre realidades econômicas, ou seja, economia mundial e microeconomia e realidades políticas, ou seja, a nação-estado ( ambas centrais na teoria econômica e altamente controversas ).

Igualmente central, e talvez ainda mais controverso, será o relacionamento entre a economia real das coisas materiais ( commodities, recursos, trabalho ) e a economia dos símbolos da moeda e do crédito. Não há retorno para a antiga dispensa da economia simbólica como um véu da realidade. Mas também não deverá haver apego à recente ortodoxia em que a economia simbólica seria a economia real e verdadeira, com as coisas ( commodities, serviços e trabalho ) sendo apenas funções ( e, de fato, funções totalmente dependentes ) da economia simbólica.

Talvez seja necessário um contentamento, no entanto, com algo análogo ao princípio da incerteza dos físicos, em que as únicas afirmações significativas em relação a certos eventos ( produtividade, por exemplo, formação de capital, alocação de recursos e assim por diante ) sejam afirmações em termos da economia real, com os eventos na economia simbólica, com a economia real das coisas sendo uma restrição em relação a eles. Isto pode não ser especialmente satisfatório, mas talvez seja o melhor que seja possível de se alcançar.

Outras informações podem ser obtidas no  livro Rumo à nova economia, de autoria de Peter F. Drucker.

Mais em:

https://administradores.com.br/artigos/economia-mundial-os-direitos-especiais-de-saque-e-o-fmi .   


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