terça-feira, 16 de junho de 2020

Epidemia: Ferreira, da CGE de SC diz que órgão não falhou no caso da compra dos ventiladores mecânicos. Aquisição é investigada pela operação Ó Dois

Controlador-geral do Estado ( CGE ) de Santa Catarina ( SC ), Luiz Felipe Ferreira ( * vide nota de rodapé ) garante que o órgão que comanda e que introduziu na máquina governamental quando pilotou a reforma administrativa ( *2 vide nota de rodapé ) do governo Carlos Moisés da Silva ( do partido Social Liberal - PSL ) no ano de dois mil e dezenove não falhou no polêmico caso da compra de duzentos ventiladores mecânicos de Unidades de Terapia Intensiva ( UTI ) por trinta e três milhões de reais pagos antecipadamente ( *3 vide nota de rodapé ). Ele admite, no entanto, que o caso que jogou o governo em uma crise política e policial paralela à pandemia do coronavírus só falhou porque toda a estrutura da Secretaria de Estado da Saúde ( SES ) deixou de revisar os passos de “um processo que se autocondena”. Ferreira aponta a ex-supervisora Márcia Regina Geremias Pauli como principal responsável pela operação - por ter atestado o recebimento dos respiradores até hoje não entregues nos moldes previstos em contrato, o que permitiu o pagamento. Aponta que falta à CGE uma regulamentação legal que permita mais do que recomendar procedimentos, mas diz que isto não faria o órgão conseguir interromper o desastroso negócio.

- Quando se faz com a intenção de burlar o controle interno ( CI ), você só busca no posterior.




Luiz Felipe Ferreira, ao centro, controlador-geral do Estado
Ferreira, ao centro, CGE


Leia a entrevista:

A CGE falhou no episódio da compra dos ventiladores mecânicos?

Nós temos trinta bilhões de reais de orçamento para acompanhar, incluindo custeio e despesa. Todas as estruturas internas estão amparadas legalmente e organizadas. Existe todo um regramento para o servidor seguir. No momento em que deixa de seguir um regramento destes, é uma questão pontual e local. Eu não consigo chegar nele. Até porque em uma licitação convencional, assim que iniciada ela entra no sistema, eu consigo rastrear e acompanhar. Na dispensa de licitação não existe isto no Estado hoje, nunca existiu.

E a CGE não vai sugerir esta mudança?

Estamos já trabalhando nesta questão. Fazer com que todo processo licitatório tenha uma rastreabilidade dentro do sistema.

Não é justamente na dispensa de licitação que o olhar deveria ser mais atento?

Em todas elas. A dispensa é uma modalidade de contratação normal. Não é por ser dispensa que você vai deixar de cumprir um requisito legal. 
Tenho que ter três orçamentos? Tenho. Se um fornecedor já vem com os três orçamentos na mão, que prática é essa? 
Eu posso ter um orçamento que me chegou à mão, agora os outros dois, tenho que ter a sensibilidade como servidor de buscar os outros dois empresas cadastradas, empresas confiáveis.

Como a CGE atuou na questão desta compra dos ventiladores mecânicos?

Havíamos feito uma proposta de trabalhar internamente ali e não logrou êxito. A segunda proposta foi de acompanhar os processos e isto foi aceito. O que fizemos? Montamos um guia de instrução, uma orientação. A partir deste momento entramos nos processos da SES. Mas como nós chegamos neste processo? A Controladoria-Geral da União ( CGU ) vinha fazendo monitoramento dos editais porque o Estado deixou de pagar a dívida com a União e este resultado tem de ser aplicado na Covid-dezenove. Então eles estavam monitorando pelo portal. Foi onde caiu lá na CGU que havia alguma irregularidade nesta contratação. Foi quando fiz o contato com a Márcia, então superintendente na SES.

Se a CGU não aponta a irregularidade, a CGE não conseguiria encontrar?

Este processo estava no nosso radar, mas como já estava contratado nós estávamos de olho nos que estavam saindo. Mais dia ou menos dia, este processo passaria pela CGE.

E como foi o contato com Márcia?

Ela ficou surpresa que tivéssemos apontado que existiam fragilidades processuais. O que isto me leva a crer? Que ela tivesse uma confiança muito grande nas partes com quem estava fazendo a negociação. Ela recebe três orçamentos de uma mesma pessoa…

Naquele momento a compra já estava paga.

Já. Começamos a olhar o processo no dia dezoito de março de dois mil e vinte, a compra foi dia primeiro ou dois de abril de dois mil e vinte. Fizemos uma reunião com o então secretário da SES ( Hélton Zeferino ) era dia vinte e quatro de abril de dois mil e vinte e a reportagem ( do site The Intercept Brasil ) saiu no dia vinte e oito de abril de dois mile vinte.

A falha foi de quem?

É todo um conjunto. Na administração pública você pode corrigir o erro ou o vício de origem a qualquer momento. A Márcia fez, mas passou no jurídico, passou na área técnica, passou no pagamento. 
Todo mundo sabia que tinha um problema, mas ninguém comunicou nada. 
Na Márcia passou duas vezes, no início e quando ela deu o ateste na nota ( fiscal ). Uma pergunta que até hoje não fizeram para a Márcia é porque ela atestou a nota. Se ela não atesta como recebido, não haveria nota. A expressão “pagamento antecipado” que andam usando não é a correta, porque pagamento antecipado é quando você de fato não recebeu nada. Ali ela atesta que recebeu. Quem vai pagar no financeiro, ao receber um atesto, não está desconfiando que o indivíduo lá no almoxarifado atestou algo que não foi recebido. Existe todo um passo a passo. No momento em que alguém fura, o da frente obrigatoriamente teria de corrigir. Existem três linhas de defesa. A primeira é Zeferino. A segunda é toda base de apoio ao secretário da SES - contabilidade, financeiro, empenho, contratos, e aí vai. Toda esta fileira da segunda linha deixou passar. Aí vem a CGE que é a terceira linha.

O senhor prestou depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito ( CPI ) ( *4 vide nota de rodapé ) dos ventiladores mecânicos. Como avalia o trabalho da CPI e seu depoimento?

Existe a investigação do Ministério Público do Estado de SC ( MPSC ), a da Polícia Civil do Estado de SC ( PCSC ) e, na parte administrativa, a da CGE, uma investigação preliminar. Quando eu fui à CPI, não poderia adiantar o que está se passando nessas questões de investigação. Não podia apresentar nomes, indicar alguém como provável fraudador. Não poderia ir lá para especular. Acho que os deputados criaram uma expectativa de que eu poderia esclarecer questões específicas e não tem como. Só o que acompanhei e eu acompanhei como qualquer cidadão. 
O processo em si se autocondena. É um processo que não tem justificativa para ter sido estruturado daquela forma.
Em um processo que se autocondena, como o senhor disse, a CGE não consegue atuar antes do erro se concretizar?

Só se for chamada. A CGE não consegue entrar de forma concomitante. Consigo entrar de forma concomitante em chamamento público, onde há publicação de editais. Eu faço monitoramento de editais. Tendo irregularidade ou não conformidade, me direciono ao secretário.

A CGE tem respaldo do governo para fazer seu trabalho? As portas estão abertas?

Toda a autonomia foi dada hoje à CGE. Por exemplo, na questão do hospital de campanha ( * 3 vide nota de rodapé ) nós alertamos a tempo. O que falta? Eu recomendo. Não tenho hoje na legislação como ir além da recomendação.

A Assembleia Legislativa do Estado de SC ( ALESC ) quando aprovou a criação da CGE, na reforma da administrativa, reduziram as atribuições do órgão de trinta e oito para nove, as mais genéricas. O trabalho da CGE está comprometido por falta de uma legislação mais definida?

Tem o sim e o não. Se eu tivesse todo o trabalho definido, conseguiria evitar a fraude dos ventiladores mecânicos? Não. Porque no caso dos ventiladores mecãnicos é algo que se faz para burlar o controle interno ( CI ). Quando se faz com a intenção de burlar o CI, não adianta, você vai buscar a posteriori. Zeferino mandou uma consulta ao Tribunal de Contas do Estado de SC ( TCE / SC ) sobre pagamento antecipado. 
Se o secretário da SES mandou uma consulta para o TCE / SC, porque a SES não aguardou antes de formalizar o pagamento? Foi um equívoco. 
Por dois ou três dias aguardar uma resposta do TCE / SC não interferiria no cumprimento do contrato.

O senhor disse que “quando se faz com a intenção de burlar o CI, não adianta”. Isto está caracterizado na compra dos ventiladores mecânicos? Foi feito para burlar o CI?

Se não foi feito de forma pensada, de alguma forma se deixou de atender os requisitos mínimos de uma contratação.

Mas de quem é a culpa?

De quem está gestionando o contrato. Quem está montando a estrutura?

No âmbito de Zeferino ou de Márcia?

Isto é no âmbito operacional. Não chega no Zeferino. Tem duas coisas distintas. A figura do Zeferino em que ele se posiciona e dá a ordem de compra. E tem toda a ordem processual que tem de atender a um regramento. De quem é a responsabilidade? É conjunta, sem dúvida, mas a responsabilidade de Márcia é pelo desdobramento do contrato, do processo licitatório, do processo do contrato. 
As principais falhas processuais ali recaem sobre a Márcia. 
Estava sobrecarregada? O servidor tem de estar apto a exercer a função. Se não está apto, tem que pedir para sair, não pode justificar o excesso de pressão. 
Esse processo dos ventiladores mecânicos era para ter parado e ter revisado todo ele. Isto não foi feito.
Quem poderia ter parado?

Cada um dos servidores que teve uma decisão em sua mão durante o processo. Setor jurídico ( COJUR ), área técnica, a pessoa que pagou. A Márcia quando o processo circulou e voltou para ela dar o atesto. O setor de contratos. Todas as áreas.

O governador Carlos Moisés da Silva ( PSL ) deveria ter sido informado do problema antes do que foi informado?

Teriam de ter informado o CI. O da própria SES ou a CGE. A primeira comunicação de alguma questão de irregularidade é na própria estrutura do órgão ou na CGE. Nenhuma destas situações ocorreu.

O Sindiauditoria, que representa os auditores, reclama muito da sua presença como controlador-geral do Estado ( CGE ), defendendo que fosse um servidor de carreira. Como avalia esta crítica?

Eu tenho formação em contabilidade, mestrado em administração e um doutorado na área de engenharia. Todas estas três são áreas comuns de acesso à carreira de auditoria. Eu tenho experiência comprovada na área de auditoria. O que eu vejo? Durante oito anos o Sindiauditoria esteve na gestão. Hoje, eu tenho o secretário-adjunto uma auditoria. Tenho três diretorias e dois são auditorias. Tenho mais sete gerências e são só auditorias. Acontece que o nome que está como adjunto não é o que Sindiauditoria gostaria que fosse. 
Eles querem alguém que defenda o interesse deles, eu estou ali defendendo o interesse de governo.

P.S.:

Notas de rodapé:

* O caso da criação da CGE é melhor detalhado em:

https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2020/06/epidemia-os-orgaos-de-controle-recem.html .

*2 a condução da reforma administrativa ( RA ) é melhor detalhado em:

https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2019/05/cra-sc-autarquia-sugere-alteracoes-na.html .

*3 A compra dos ventiladores mecânicos, alvo de investigação da operação Ó Dois, é melhor detalhada em:

https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2020/06/epidemia-ses-de-sc-notifica-fornecedor.html .

*4 Os trabalhos da CPI são melhor introduzidos em:

https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2020/06/epidemia-cpi-da-alesc-faz-acareacao.html .

Com informações de:

Upiara Boschi do jornal Diário Catarinense ( DC ) .

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