terça-feira, 17 de novembro de 2020

Justiça: CNJ apura conduta de juiz de SC em processo movido por promotora de eventos contra empresário por estupro

O Conselho Nacional de Justiça ( CNJ ) está apurando a conduta do juiz Rudson Marcos, da Terceira Vara Criminal, em um caso de acusação por estupro a promotora de eventos Mariana Ferrer que teria ocorrido em dezembro de dois mil e dezoito, em Florianópolis. O processo já foi a julgamento e o acusado foi absolvido. Mas o que aconteceu numa das audiências foi duramente criticado nesta terça-feira ( três de novembro de dois mil e vinte ) pelo ministro do Supremo Tribunal Federal ( STF ) Gilmar Mendes nas redes sociais.

Vídeo Mariana Ferrer
Conduta durante audiência foi duramente criticada por Mendes
( Foto : )

Na postagem, Mendes é taxativo: "As cenas da audiência de Mariana são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação" E ainda cobra: "Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram", diz Mendes em rede social. 

O ministro se refere à postura do advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho e ao silêncio do promotor Thiago Carriço de Oliveira e do juiz Marcos durante a audiência. As imagens foram publicadas em reportagem pelo The Intercept Brasil.

"As cenas da audiência de Mariana são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram" - escreve Mendes.

Mariana afirma que em dezembro de dois mil e dezoito foi estuprada durante uma festa num clube de praia em Jurerê Internacional ( zona norte de Florianópolis-SC ). Na época, ela tinha vinte e um anos. O empresário André Camargo Aranha foi acusado pelo crime, mas absolvido em setembro deste ano de dois mil vinte. As únicas imagens recuperadas pela polícia do dia do crime mostram Mariana na companhia do empresário. Ela suspeita que tenha sido drogada e, por isto, não sabe exatamente o que aconteceu. A perícia encontrou sêmen e sangue nas roupas dela. O exame toxicológico não constatou álcool ou drogas no sangue de Mariana. 

As investigações concluíram que ele cometeu o crime. Aranha foi então indiciado pela Polícia Civil do Estado de SC ( PCSC ) e denunciado à Justiça pelo Ministério Público do Estado de SC ( MPSC ). Mas no relatório final do MPSC, feito depois de ouvir testemunhas e vítima, o promotor afirma que Mariana "estava com as vestes ajeitadas, conseguia caminhar sem socorro e não aparentava estar incapaz de resistir ao interesse do acusado" e que "deste modo não há qualquer indicação do dolo". Ou seja, não haveria intenção de cometer o crime. 

O promotor cita o Código Penal ( CP ), que neste caso, ressalva a possibilidade de punição a título de culpa. Ou seja, culposo quando não há intenção de cometer o crime, mas a lei não prevê estupro culposo. E diz que "embora ocorra a violência na perspectiva, o delito não pode ser imputado ao agente". E finaliza considerando improcedente a denúncia pedindo a absolvição do réu.

Na sentença, o juiz afirma que "diante disso, não há provas contundentes nos autos a corroborar a versão acusatória, a não ser a palavra da vítima". E que como "as provas acerca da autoria delitiva são conflitantes em si, não há como impor ao acusado a responsabilidade penal, pois, repetindo um antigo dito liberal, melhor absolver cem culpados do que condenar um inocente". 

No vídeo da audiência, que veio à tona nesta terça-feira ( dois de novembro de dois mil e vinte ), Rosa Filho, que defendia o empresário, usa imagens postadas pela vítima em redes sociais e diz:

- Esta foto aqui foi extraída de um site de um fotógrafo onde a única foto chupando dedinho e com posições ginecologicas é só dela. Está manipulada e tudo.

Mariana responde:

- Muito bonita por sinal, o senhor disse, né? Cometendo assédio moral contra mim. O senhor tem idade para ser meu pai, tinha que se ater aos fatos. 

Rosa Filho responde:

- ( Inaudível ) ... uma filha do teu nível, graças a Deus. E também peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher que nem você.

Mariana se defende:

- Mas eu estou de roupa, não tem nada demais mesmo. 

Rosa Filho rebate:

- Mas porque você apaga as fotos, Mariana? E só aparece essa sua carinha de choro. Só falta uma auréola na cabeça. Não adianta vir com teu choro dissimulado, falso, lágrimas de crocodilo. 

Oliveira não intervém. Apenas pergunta se ela precisa de um tempo para se recompor. 

Mariana apela a Marcos:

- Eu gostaria de respeito, doutor, excelentíssimo. Eu estou implorando por respeito no mínimo. Nem os acusados, nem os assassinados são tratados da forma que eu estou sendo tratada. Pelo amor de Deus, gente. 

Em nota, o Tribunal de Justiça do Estado de SC ( TJSC ) disse que não se manifestaria sobre o processo em si porque ele corre em segredo de justiça. A seção catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil ( OAB ) afirma que recebeu denúncias sobre a conduta do advogado e pediu esclarecimentos, mas não confirma se abriu algum procedimento.

Também em nota, o MPSC disse que não é verdadeira a informação de que o promotor de Justiça manifestou-se pela absolvição de réu por ter cometido "estupro culposo", tipo penal que não existe no ordenamento jurídico brasileiro. O MPSC afirma que o promotor interveio em favor da vítima em outros momentos da audiência e que a absolvição se deu por falta de provas e que sempre combateu as práticas de violência sexual de forma rigorosa. 

Em nota complementar à reportagem, o Intercept afirmou que jamais informou que a expressão "estupro culposo" foi usada no processo, mas que a expressão foi utilizada na reportagem para resumir o caso e explicá-lo para o público leigo. 

Rosa Filho, emitiu uma nota oficial nesta quarta-feira ( três de novembro de dois mil e vinte ). Alegou que "a audiência foi tensa e os embates entre a defesa e Mariana foram constantes e longos. Disse: "Mariana mencionou as minhas filhas menores e aspectos pessoais da minha vida, algo que raramente é feito pela parte de um processo em relação a um advogado que nele atua". Afirmou que as dinâmicas entre acusação e a defesa, especialmente em casos mais complexos, abrangem aspectos relacionados a hábitos, perfis, relacionamentos e posturas das pessoas envolvidas. Por isto, garante que fez indagações a Mariana a respeito destes pontos. "Isto fazia parte do que estava em discussão nos autos e é decorrência do direito à defesa e da busca da verdade", garantiu. Ele deixou claro que "repudia qualquer forma de agressão ou violência física ou moral contra a mulher". 

A OAB / SC informou que recebeu as denúncias e está dando sequência "aos trâmites internos" para oficiar o advogado, para que ele preste esclarecimentos à entidade. A OAB informou também que acompanha este tipo de situação através da Corregedoria.

A Associação dos Magistrados Catarinenes ( AMC ) informou que Marcos não irá se manifestar sobre o caso.


Com informações do:


Jornal Diário Catarinense ( nsctotal@somosnsc.com.br ) .

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