A natureza humana não mudou muito ao longo da história de que se tem registro. Mas as habilidades e o conhecimento das pessoas, seu trabalho e seu emprego, suas expectativas - e também sua saúde e a duração da sua vida - efetivamente mudam, e podem mudar muito rapidamente. Em nenhuma área, nem mesmo na da tecnologia, as mudanças ocorridas nos últimos trinta anos foram maiores do que as verificadas na força de trabalho; e, no final do século vinte, em nenhuma área as mudanças foram maiores - ou vieram com mais rapidez - do que na força de trabalho - sua composição, seus hábitos de trabalho, sua vida profissional.
A frase "as pessoas são o nosso único recurso" tem sido um slogan da administração das empresas por cento e vinte anos, no mínimo. Mas são pouquíssimos os executivos que olham realmente para este recurso. Os japoneses estavam entre as poucas exceções, depois de sua derrota na Segunda Guerra Mundial, sendo este um dos principais segredos do seu sucesso atual. Os executivos em geral tendem a ver a força de trabalho com seus olhos mentais - isto é, a força de trabalho de mil novecentos e vinte, na linha de montagem de Henry Ford - , em vez de enxergar o trabalhador do conhecimento de hoje. Quando eles dizem trabalhador, tendem a ver um homem adulto com idade entre vinte e sessenta e cinco anos, trabalhando numa máquina em período integral e com emprego permanente. No entanto, mais da metade da força de trabalho americana é hoje composta de mulheres e de pessoas com mais de sessenta e cinco anos, boa parte delas trabalhando meio período ou de forma intermitente. E até o final do século vinte, a proporção de pessoas trabalhando como operadores de máquina chegou a cair para menos de dez por cento em todos os países desenvolvidos.
Como um todo, o mundo passou a ser uma sociedade de empregados. Oitenta ou noventa por cento da renda nacional são pagos na forma de ordenados e salários, em todos os países desenvolvidos. Diretamente - através de fundos de pensão, por exemplo - ou indiretamente, os empregados estão rapidamente se tornando os principais detentores e a fonte decisiva de capital. E o emprego, e não a propriedade da terra, já se tornou a verdadeira propriedade dos meios de produção.
A sociedade está diligentemente empenhada em desfazer as duas conquistas sociais de que o reformador do século dezenove mais se orgulhava: que as mulheres casadas não trabalhassem fora, mas ficassem em casa, livres para se dedicar à família e aos filhos, e que as pessoas mais velhas se aposentassem.
Historicamente, a participação das mulheres desde o momento em que fossem capazes de fazê-lo até morrer. Nenhuma fazenda ou oficina de artífice pode ser tocada só por um homem ou uma mulher; ambas requerem um casal. E até recentemente, apenas uma minúscula fração da raça humana tirava o seu sustento da atividade agrícola ou da oficina de artífice. Ainda em meados dos século dezenove - quando Dickens escreveu seu pungente romance da Inglaterra industrial, Tempos difíceis ( publicado em mil oitocentos e cinquenta e quatro ) - era apenas uma utópica esperança que um dia, no futuro remoto, as mulheres casadas não teriam de deixar os filhos para ir trabalhar. Em mil novecentos e quatorze, tornou-se marca do trabalhador de respeito que sua mulher não tivesse de trabalhar para ganhar dinheiro. e em mil novecentos e cinquenta - há setenta anos - tornara-se quase axiomático que as mulheres, exceto um pequeno punhado delas em ambos os extremos da escala econômica, parariam de trabalhar fora ao se casar e certamente quando engravidassem do primeiro filho. Na verdade, até há setenta ou talvez apenas sessenta anos, libertar as mulheres da necessidade de ter um emprego remunerado era a demanda progressista e, de modo bastante geral, aquilo que se queria dizer com emancipação da mulher. E não havia causa em relação á qual liberais, progressistas, socialistas e reformadores de todos os matizes concordassem mais sincera e integralmente do que a necessidade de leis para proteger as mulheres e mantê-las fora de trabalhos e ocupações perigosos e degradantes. Era ainda, por exemplo, uma das grandes causas de Eleanor Roosevelt.
Agora, desnecessário seria dizer, tudo isso é reacionário e discriminação. E, no caso das mulheres de menos de cinquenta anos de idade, sua participação na força de trabalho já se iguala á dos homens, independentemente de seu estado civil e quase todo independentemente do fato de ela terem ou não filhos.
A aposentadoria obrigatória de pessoas mais velhas, da mesma forma, era a causa progressista apenas há setenta anos, tendo sido a grande conquista da reforma. No passado, não havia alguém aposentado porque não havia pessoas idosas e prontas para a aposentadoria. O primeiro censo confiável dos tempos modernos - a contagem da população de Zara, cidade portuária do Mar Adriático - mostrou que havia trezentas e sessenta e cinco pessoas com mais de cinquenta anos numa população de treze mil, quatrocentos e quarenta e um habitantes - uma em quarenta; aparentemente, não havia um único habitante com mais de sessenta anos, e muito menos alguém com mais de sessenta e cinco anos. No entanto, Zara era famosa por seu clima saudável e pela longevidade de seus vigorosos dalmatenses ( ainda um dos grupos populacionais mais longevos da Europa ). A situação mudara muito pouco trezentos anos depois. A trama de um dos mais populares romances da era vitoriana, O guardião, de Anthony Trollope ( publicado em mil oitocentos e cinquenta e um ), gira em torno da incapacidade de um asilo, localizado numa cidade inglesa dotada de catedral, de encontrar homens com mais de sessenta anos, e portanto, com direito a se tornar pensionistas. Quando as expectativas de vida começaram a aumentar rapidamente na segunda metade do século dezenove, o apoio dos sobreviventes que estavam muito velhos para trabalhar tornou-se, então, a causa progressista; e a aposentadoria tornou-se a grane conquista social, culminando na aposentadoria obrigatória aos sessenta e cinco anos, exigida pela Previdência Social americana, promulgada em mil novecentos e trinta e cinco, e nos planos de pensão patrocinados pelos empregadores, que começaram a proliferar ao redor de mil novecentos e cinquenta. Mas, já no início da década de oitenta, a aposentadoria por idade havia virado discriminação - ela foi declarada ilegal em toda a Califórnia e para servidores federais, e, em âmbito nacional, para quase todos os demais até a idade de setenta anos; havia poucas dúvidas de que a aposentadoria obrigatória, em qualquer idade, logo seria coisa do passado em todo o território dos Estados Unidos da América ( EUA ).
Mas as leis estão muito defasadas em relação à realidade - um número muito grande dos oficialmente aposentados trabalha, só que eles sabem que não devem contar isto para o Tio Sam ( jargão norte-americano equivalente ao Leão do imposto sobre a renda de qualquer natureza ( IR ) no Brasil ). Porque a alíquota efetiva de IR entre cinco mil dólares e vinte mil dólares por ano de pessoas com idade entre sessenta e cinco e setenta e dois anos era de oitenta por cento a cem por cento ( uma perda de cinquenta centavos de dólar em benefícios da Previdência Social para cada dólar ganho com trabalho até vinte mil dólares ou um IR efetivo de cinquenta por cento; desconto total de contribuições para a Previdência social - ao redor de sete por cento só para o empregador - para rendimentos do trabalho de vinte e cinco mil dólares; IR total oscilando na média de vinte por cento para os casais mais velhos que ganham quinze mil dólares por ano; e para aqueles que trabalham para organizações maiores, geralmente mais de oito por cento a dez por cento para seguro-saúde compulsório e mais oito a dez por cento para contribuições para o plano de pensão, nenhum dos quais beneficia em muito as pessoas mais velhas ). Estes números são do final da década de oitenta. Não é para menos que estar aposentado está passando a significar ser pago por um antigo empregador para não trabalhar e por um novo empregador para trabalhar - e não contar nada a respeito para a Previdência Social ou para a Receita Federal. Quantos bicos acontecem, não é sabido com precisão. Mas as estimativas de horas trabalhadas, mas não informadas ( a famosa economia informal - ou quarto setor ), chegam a uma em dez - sendo que o número mais alto de horas de bico vem sendo trabalhado por pessoas oficialmente aposentadas.
Algumas das razões desta surpreendente mudança são nítidas. A idade de sessenta e cinco anos, a idade de aposentadoria obrigatória de mil novecentos e dezenove - quanto foi estabelecida pela primeira vez - e de mil novecentos e trinta e cinco e do início da Previdência Social, ficou superada pelas expectativas de vida, pela melhora da saúde e pela capacidade imensamente melhorada de continuar funcionando apesar da diminuição das capacidades físicas, e - igualmente importante - pelas drásticas mudanças nas exigências físicas impostas pelo trabalho, de modo que ter sessenta e cinco anos em mil novecentos e trinta e cinco corresponde, hoje, a ter setenta e quatro ou setenta e cinco anos. As necessidades econômicas, por exemplo, a pressão da inflação sobre as rendas fixas dos aposentados, também desempenham um grande papel, muito embora os pagamentos da Previdência Social sejam mais inteiramente indexados pela inflação do que qualquer outra renda, com a única exceção dos salários dos servidores federais. Mas certamente no que ser refere à participação na força de trabalho, tanto das mulheres como das pessoas mais velhas e oficialmente aposentadas, querer trabalhar em vez de ficar inativas, querer estímulo das empresas e independência são tão importantes quanto os aspectos econômicos, podendo ser até mais importantes. Especialmente entre as pessoas mais velhas, um dos principais motivos é o desejo de ser independente e não ter de morar com os filhos - em vez de temerem ser maltratadas pelos jovens, segundo reza a retórica popular, as pessoas mais velhas tentam fugir do ficar junto e do ser cuidado, e desfrutar da negligência benigna enquanto puderem.
Mas, embora a sociedade tenha quase desfeito as conquistas sociais do século dezenove, não está voltando para as condições vigentes dos tempos pré-industriais. Historicamente, as mulheres, embora compartilhando totalmente o trabalho, nunca fizeram as mesmas tarefas dos homens. Na fazenda e na oficina do artífice, havia toral igualdade dos sexos, ms eles executavam tarefas diferentes e raramente trabalhavam juntos. A fiação sempre foi trabalho da mulher; o substantivo fiandeira é sempre feminino. Mas tecer e tingir sempre foram tarefas exclusivamente masculinas. Nas ilhas da Polinésia, os homens construíam as embarcações, as tripulavam e faziam a pesca; as mulheres lavravam os campos e plantavam inhame. Em todo o Velho Mundo, somente as mulheres ordenham as vacas; no Novo Mundo, esta tarefa é feita somente pelos homens - por que, ninguém sabe. E à exceção das míticas amazonas, as mulheres nunca participavam das guerras organizadas - até as enfermeiras só entraram na vida militar no final do século dezenove. Mas será qe pode haver alguma dúvida de que, na próxima guerra, as mulheres participarão - talvez até nos combates e ao lado dos homens?
Historicamente, sempre os homens trabalhavam juntos e as mulheres trabalhavam juntas, mas, no trabalho, os gêneros permaneciam separados. O que está sendo feito agora, em todas as áreas, representa um experimento social sem precedente - e certamente um dos mais interessantes da história social. A sociedade está emprenhada nisto, mas quais será os resultados destes experimentos, não se saberá por um bom tempo - não décadas, mas gerações.
Da mesma forma, na história, as pessoas trabalhavam o dia todo por anos a fio e enquanto aguentassem - e, muitas vezes, até além disto. Agora, a valha linha divisória entre trabalho e inatividade ou não trabalho está se tornando indistinta. Muitas das mulheres que trabalham fora o fazem em tempo parcial; grande número delas até trabalha em período integral por algum tempo e tiram um tempo para cuidar do bebê recém-chegado, por exemplo, e depois voltam para a força de trabalho em regime de tempo integral ou meio período. Há um pequeno precedente na história social com relação aos padrões de trabalho de pessoas mais velhas e à condição de homens e mulheres compartilharem as mesmas tarefas. Existe agora o controle da própria vida profissional - aposentadoria precoce seguida de um retorno ao trabalho, em tempo integral ou meio período; são as segundas carreiras - que se tornaram possíveis e necessárias pelo imenso prolongamento da duração da vida profissional, de vinte e cinco anos ou menos, um século atra´s, para cinquenta anos agora; há o trabalho voluntário - para a pessoa mais velha, cujas necessidades financeiras são cobertas por sua pensão ou aposentadoria, e assim por diante. Tanto para mulheres como para pessoas mais velhas de ambos os gêneros, há uma crescente variedade de modelos combinando trabalho e não trabalho, empregos permanentes e empregos casuais, trabalho remunerado e trabalho voluntário. E estes dois grupos, juntos, já constituem mais da metade de todas as pessoas que integram a força de trabalho nos EUA, embora, em visão mental, ainda se presuma que o trabalhador seja um homem adulto com menos de sessenta e cinco anos de idade que trabalha em tempo integral. Nem todas as mulheres e as pessoas mais velhas querem trabalhar, mesmo quando não trabalham. Mas uma enorme proporção - provavelmente uma boa maioria - quer algum trabalho; e cada vez mais, em especial entre as pessoas mais velhas, elas querem ser capazes de tomar a decisão por si.
Empregadores, líderes sindicais, políticos - até, mirable dictu, aqueles que aprendem lentamente, os economistas - estão começando a acordar para os impactos destas mudanças na área do emprego, nos modelos de vida profissional, nos horários de trabalho e nos benefícios. Não se chocam mais os executivos ao lhes dizer que eles precisam estruturar os empregos de período integral de modo a serem permanentemente preenchidos por pessoas trabalhando em tempo parcial. Há cinquenta ou cinquenta e cinco anos, opções de benefícios em lugar de planos de benefícios uniformes impostos a todos os empregados, independentemente de idade, gênero, estado civil e situação familiar, era algo de que nunca se ouvira falar. Agora, elas estão se tornando comuns, embora a mão de obra organizada torça o nariz para elas. Profissionais de mercado em geral, seja empresas ou hospitais, estão começando a se adaptar ao fato de que tais evoluções na força de trabalho causam também pronunciadas mudanças na segmentação do mercado, na demanda, no consumo e nos padrões de compra.
Mas ainda são as implicações sociais e políticas? O que significa, por exemplo, que as causas progressistas do passado sejam as ideias fixas de reacionários e a discriminação de hoje? Pode-se esperar que outras causa sagradas dos progressistas e reformadores do passado - ou de hoje - igualmente se tornem as ideias fixas de reacionários e a discriminação do futuro - como resultado, talvez das mesmas mudanças demográficas que transformaram a condição das mulheres de ficarem em casa e fora da força de trabalho e a aposentadoria obrigatória dos idosos em símbolos da opressão? É bastante concebível que a sociedade esteja prestes a passar por um período de rapidíssima mudança, no qual os herois liberais do passado se tornem a retaguarda da reação da noite para o dia - talvez da forma como o sindicalista progressista do passado está rapidamente se tornando um grande apoiador hard-hat ( operário ultraconservador ) do ex-presidente americano dos anos oitenta, o ator Ronald Reagan.
Qual será o impacto sobre a família e sobre o papel e o lugar da criança americana no lar americano e na escola americana? A família burguesa, na qual a mãe fica em casa cuidando dos filhos, tem sido um dos tópicos favoritos dos sociólogos, filósofos, políticos e pregadores religiosos desde antes da virada do século dezenove para o século vinte. Dependendo da política de cada um, era o baluarte da civilização ou a alienação total que divorcia as mulheres da realidade. Há apenas cinquenta anos, Herbert Marcuse, o filósofo guru da revolta estudantil, ainda trombeteava este velho tema, que fora tangenciado pela primeira vez por Flaubert, Karl Marx e Ibsen. Hoje em dia, as crianças estão tão inteiramente fora da realidade, isto é mantidas fora do mundo adulto, quanto o estavam na família burguesa. Mas a mamãe - e até a vovó - sabe tanto do mundo do trabalho quanto o papai, é igualmente parte dele, tem conhecimento dele está igualmente familiarizada com ele. Por quanto tempos ainda as comédias de televisão trarão a pobre mulher que não consegue administrar seu talão de cheques ( ou o cartão de débito ) quando mais da metade dos alunos de cursos de contabilidade são mulheres? E como é que será a família do futuro - não apenas com duas rendas, mas também com duas carreiras paralelas e separadas, ou seja, em coexistência competitiva? Peter F. Drucker dizia não saber se será melhor ou pior do que a família burguesa, mas certamente será diferente.
Por fim: e quanto à maravilhosa fala do desaparecimento da ética do trabalho, ou seja, da crença no valor moral do trabalho? Justamente no anos em que todas as pesquisas de atitude mostravam que a ética do trabalho não existia mais, tanto a força de trabalho total como a proporção da população economicamente ativa e trabalhando aumentaram de forma espetacular, enquanto os obstáculos á participação de homens e mulheres mais velhos na força de trabalho vêm sendo continuamente dinamitados e tirados do caminho. Uma das lições a se tirar disso é antiga: num número razoável de questões sociais, atitudes são secundárias e pesquisas de atitude, uma armadilha e uma ilusão; o que importa é o que as pessoas fazem, não o que elas dizem que farão, com sua respectiva correlação podendo ser tudo, menos previsível. Mas, o que é mais importante: numa análise retrospectiva, parece que os últimos cento e cinquenta anos - os cento e cinquenta anos nos quais as causas progressistas eram que as mulheres casadas não trabalhassem fora e as pessoas mais velhas parassem de trabalhar - foram realmente os anos em que a ética do trabalho estava sendo solapada. Os últimos sessenta anos viram-na voltando para se vingar. Outras informações podem ser obtidas no livro Os novos desafios dos executivos, de autoria de Peter F. Drucker.
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