quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Direitos Humanos: o rol dos DH e a teoria do status

Para entender o desenvolvimento do rol dos Direitos Humanos ( DH ) no mundo atual, é importante estudar uma das teorias mais tradicionais referentes à relação do indivíduo com o Estado sob a ótica dos direitos, que é a teoria do status desenvolvida no final do século Dezenove por Georg Jellinek ( que viveu entre Mil oitocentos e cinquenta e um e Mil novecentos e onze ).


O contexto da elaboração desta teoria é o repúdio de Jellinek ao denominado jusnaturalismo dos DH, ancorado nas declarações liberais do Século Dezoito, em especial, na Declaração de Virgínia ( de Mil setecentos e setenta e seis ) ( * vide nota de rodapé ) e na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão ( de Mil setecentos e oitenta e nove ) ( *2 vide nota de rodapé ). Na sua visão, os DH devem ser traduzidos em normas jurídicas estatais para que possam ser garantidos e concretizados. Por isto, sua teoria relaciona-se com a posição do direito do indivíduo em face do Estado, com previsão de mecanismos de garantias a serem invocados no ordenamento estatal.


Sua classificação, então é pautada:


1) pelo reconhecimento do caráter positivo dos direitos, ou seja, direitos previstos e regulados pelo Estado, contrapondo-se à tese de inerência ou de que seriam direitos natos;


2) pela afirmação da verticalidade, defendendo que os direitos são concretizados na relação desigual entre indivíduo e Estado. Como a teoria é construída no final do Século Dezenove ( em seu livro Sistema de direitos públicos subjetivos, de Mil oitocentos e noventa e dois ), não abarca os DH nas relações entre particulares ( efeito horizontal dos DH ) e também os direitos de titularidade difusa, transindividual ( dos direitos difusos ).


Para Jelinek, o indivíduo pode ser encontrado em quatro situações diante do Estado. Na primeira situação, o indivíduo encontra-se em um estado de submissão, que foi denominado status subjections ou status passivo. O indivíduo se encontra em uma posição de subordinação em face do Estado, que detém atribuições e prerrogativas, aptas a vincular o indivíduo e exigir determinadas condutas ou ainda impor limitações ( proibições ) a suas ações. Surgem, então, deveres do indivíduo que devem contribuir para o atingimento do bem comum. A preocupação de Jellinek é não desvincular os direitos dos indivíduos da possibilidade do Estado impor deveres, a fim de assegurar o interesse de todos. Logo, para Jellinek, o cumprimento destes deveres leva à implementação dos direitos de todos.


Na segunda a situação, o indivíduo possui o status negativo ( status liberttis ), que é  conjunto de limitações à ação do Estado voltado ao respeito dos direitos do indivíduo. O indivíduo exige respeito e contenção do Estado, a fim de assegurar o pleno exercício de seus direitos na vida privada. Nasce um espaço de liberdade individual ao qual o Estado deve respeito, abstendo-se de qualquer interferência. Jellinek, com isto, retrata a chamada dimensão subjetiva, liberal ou clássica dos DH, na qual os direitos têm o condão de proteger seu titular ( o indivíduo ) contra a intervenção do Estado. É a resistência do indivíduo contra o Estado. Ao Estado cabe a chamada prestação ou obrigação negativa: deve se abster de determinada conduta, como, por exemplo, não matar ( *3 vide nota de rodapé ) indevidamente, não confiscar ( *4 vide nota de rodapé ), não prender ( *5 direito à liberdade ) sem o devido processo legal ( *6 vide nota de rodapé ), etc.


A terceira situação é denominada status positivo ( status civitatis ) e consiste no conjunto de pretensões do indivíduo para invocar a atuação do Estado em prol dos seus direitos. O indivíduo tem o poder de provocar a atuação do Estado em prol dos seus direitos. O indivíduo tem o poder de provocar o Estado para que interfira e atenda seus pleitos. A liberdade do indivíduo adquire agora uma faceta positiva, apta a exigir mais do que a simples abstenção do Estado ( que era a característica do status negativo ). levando a proibição da omissão estatal. Sua função original era exigir que o Estado protegesse a liberdade do indivíduo, evitando que sua omissão gerasse violações, devendo realizar prestações positivas. Assim, para proteger a vida ( *7 vide nota de rodapé ), o Estado deveria organizar e manter um sistema eficiente de policiamento e segurança pública ( *8 vide nota de rodapé ). Para assegurar o devido processo legal, o Estado deveria organizar de modo eficiente os recursos materiais e humanos do sistema de justiça ( *9 vide nota de rodapé ). Porém, com a evolução das demandas e com o surgimento de novos direitos, emergem direitos a prestações sociais, nos quais se cobra uma ação prestacional do Estado para assegurar direitos referentes à igualdade material ( *10 vide nota de rodapé ), como por exemplo, direito à saúde ( *11 vide nota de rodapé ), direito à educação ( *12 vide nota de rodapé ), etc.


A quarta situação é a do status ativo ( status activus ), que consiste no conjunto de prerrogativas e faculdades que o indivíduo possui para participar da formação da vontade do Estado, refletindo no exercício de direitos políticos ( *11 vide nota de rodapé ) e no direito de aceder aos cargos em órgãos públicos ( *13 vide nota de rodapé ). O poder do Estado é, em última análise, o poder do conjunto de indivíduos daquela comunidade política. O Supremo Tribunal Federal ( STF ) invocou o status ativo no caso do direito de nomeação de aprovação em concurso público classificado entre o número disponível do vagas previsto em concurso público classificado entre o número disponível de vagas previsto no Edital. Para o STF, a Administração Pública está vinculada às normas do edital, ficando obrigada a preencher as vagas previstas para o certame dentro do prazo de validade do concurso, salvo diante de excepcional justificativa. O candidato aprovado dentro do número de vagas tem um direito subjetivo à nomeação, que vincula diretamente a Administração. Para o Ministro Gilmar Mendes, "a acessibilidade aos cargos públicos constitui um direitos fundamental expressivo da cidadania, como bem observou a Ministra Carmem Lúcia na referida obra. Este direito representa, desta forma, uma das faces mais importantes do status activus dos cidadãos, conforme a conhecida 'teoria do status' de Jellinek" ( Recurso Extraordinário número Quinhentos e noventa e oito mil e noventa e nove / Mandado de Segurança ), relator Ministro Gilmar Mendes, julgado em Dez de agosto de Dois mil e onze, Diário da Justiça eletrônico de Três de outubro de Dois mil e onze, com repercussão geral ).


Na doutrina alemã, Häberle defendeu a ampliação do status ativo, para que se transformasse em um status activus processualis, no qual o indivíduo possui o direito à participação no procedimento da tomada de decisão por parte do Poder Público. Não se trata de somente se manifestar, mas especialmente no direito de influenciar e ter sua posição levada em consideração na adoção de determinada decisão, inclusive a dos Tribunais Constitucionais ( *14 vide nota de rodapé ). O status activus prossussualis é visto, por exemplo do controle abstrato de constitucionalidade no Brasil ( conforme Leis números Nove mil oitocentos e sessenta e oito de Mil novecentos e noventa e nove e Nove mil oitocentos e sessenta e dois de Mil novecentos e noventa e nove ) ( *15 vide nota de rodapé )


P.S.:


Notas de rodapé:


* A Declaração de Virgínia é melhor detalhada em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-declara%C3%A7%C3%A3o-de-direitos-de-virg%C3%ADnia-de-1776 .


*2 A Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão é melhor detalhada em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-as-declara%C3%A7%C3%B5es-transcendentes-universalistas-e-amb%C3%ADguas .

*3 O que são as penas inaplicáveis como a pena de morte e banimento, é melhor explicado em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-70 .

*4 O direito à propriedade é melhor detalhado em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-54 .

*5 O que é a limitação do poder estatal sobre o status libertatis do indivíduo é melhor detalhado em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-82 .


*6 O princípio da legalidade é melhor detalhado em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-19 .

*7 O direito à vida é melhor detalhado em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-12 .

*8 O direito à segurança pública é melhor detalhado em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-seguran%C3%A7a-p%C3%BAblica-a-criminalidade-e-as-viola%C3%A7%C3%B5es .

*9 O direito ao acesso à justiça é melhor detalhado em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-garantia-do-acesso-%C3%A0-justi%C3%A7a-e-o-combate-%C3%A0-viol%C3%AAncia .

*10 O direito à igualdade é melhor detalhado em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-o-plano-de-promo%C3%A7%C3%A3o-da-igualdade-racial .

*11 O direito à saúde pública é melhor detalhado em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .


*12 A educação como forma de libertação das violações aos DH é melhora detalhada em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-educa%C3%A7%C3%A3o-como-forma-de-liberta%C3%A7%C3%A3o-das-viola%C3%A7%C3%B5es .

*13 O direito ao trabalho é melhor detalhado em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-48 .

*14 Haberle, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição - contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, Mil novecentos e noventa e sete.

*15 Ramos, Elival da Silva. Perspectivas de evolução do controle de constitucionalidade no Brasil. São Paulo: Saraiva, Dois mil e nove.

Mais em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-o-rol-dos-dh-e-a-teoria-do-status .

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