Na Idade Média europeia, o poder dos governantes era limitado, pois era fundado na vontade divina. Contudo, mesmo naquela época de autocracia, surgem os primeiros movimentos de reivindicação de liberdades a determinados estamentos, como a Declaração das Cortes de Leão adotadas na Península Ibérica em Mil cento e oitenta e oito e ainda a Magna Carta de Mil duzentos e quinze ( * vide nota de rodapé ). A Declaração de Leão consistiu em manifestação que consagrou a luta dos senhores feudais contra a centralização e o nascimento futuro do Estado Nacional ( *7 vide nota de rodapé ). Por sua vez, a referida Magna Carta consistiu em um diploma que continha um ingrediente - ainda faltante - essencial ao futuro regime jurídico dos Direitos Humanos ( DH ): o catálogo de direitos dos indivíduos contra o Estado. Redigida em latim, em Mil duzentos e quinze - o que explica o seu caráter elitista - , a Magna Charta Libertatum consistia em disposições de proteção ao Baronato Inglês, contra os abusos do monarca João Sem Terra ( João da Inglaterra ). Depois do reinado de João Sem Terra, a referida Carta Magna foi confirmada várias vezes pelos monarcas posteriores. Apesar de seu foco nos direitos da elite fundiária da Inglaterra, a referida Magna Carta traz em seu bojo a ideia de governo representativo e ainda direitos que, séculos depois, seriam universalizados, atingindo todos os indivíduos, entre eles o direito de ir e vir ( *2 vide nota de rodapé ) em situação de paz ( *3 vide nota de rodapé ), direito de ser julgado pelos seus pares ( *4 vide nota de rodapé ), acesso à justiça ( *5 vide nota de rodapé ) e proporcionalidade entre o crime e a pena ( *6 vide nota de rodapé ).
Com o Renascimento e a Reforma Protestante, a crise da Idade Média deu lugar ao surgimento dos Estados Nacionais ( *7 vide nota de rodapé ) absolutistas europeus. A sociedade estamental medieval foi substituída pela forte centralização do poder na figura do rei. Paradoxalmente, com a erosão da importância dos estamentos ( Igreja e senhores feudais ), surge a igualdade de todos ( *8 vide nota de rodapé ) submetidos ao poder absoluto do rei. Só que esta igualdade não protegeu os súditos da opressão e violência. O exemplo maior daquela época de violência e desrespeito aos DH foi o extermínio de milhões de indígenas nas Américas, apenas algumas décadas após a chegada de Colombo na ilha de São Domingo ( em Mil quatrocentos e noventa e dois ) ( *9 vide nota de rodapé ). Não que houvesse reação contrária ao massacre. Houve célebre polêmica na metade do Século Dezesseis ( entre Mil quinhentos e cinquenta e Mil quinhentos e cinquenta e um ) na Espanha ( então grande senhora dos domínios no Novo Mundo ) entre o Frei Bartolomeu de Las Casas e Juan Ginés de Sepúlveda, então teólogo e jurista do próprio rei espanhol. Las Casas merece ser citado como um dos notáveis defensores da dignidade ( *10 vide nota de rodapé ) de todos os povos indígenas, contrariando a posição de Sepúlveda, que os via como inferiores e desprovidos de direitos ( *8 vide nota de rodapé ). Na sua réplica final neste debate doutrinário da época, Las Casas condenou duramente o genocídio ( *11 vide nota de rodapé ) indígena afirmando que "Os índios são nossos irmãos, pelos quais Cristo deu sua vida. Porque os perseguimos sem que tenham merecido tal coisa, com desumana crueldade? O passado, eo o que deixou de ser feito, não tem remédio; seja atribuído à nossa fraqueza sempre que for feita a restituição dos bens impiamente arrebatados" ( *12 vide nota de rodapé ). Por sua vez, Francisco de Vitória, um dos fundadores do direito internacional moderno, reconheceu a humanidade dos povos autóctones das Américas, bem como sustentou a ampliação, em igualdade ( *8 vide nota de rodapé ), do direito internacional nas suas relações com os espanhóis ( *13 vide nota de rodapé ).
No Século Dezessete, o Estado Absolutista foi questionado, em especial na Inglaterra. A busca pela limitação do poder, já incipiente na referida Magna Carta, é consagrada na Petition of Right de Mil seiscentos e vinte e oito, pela qual novamente o baronato inglês, representado pelo Parlamento, estabelece o dever do rei de não cobrar impostos sem a autorização do parlamento ( no taxation without representation ), bem como se reafirma que "nenhum homem livre podia ser detido ou preso ( *14 vide nota de rodapé ) ou privado de seus bens ( *15 vide nota de rodapé ), das suas liberdades e franquias ( *16 vide nota de rodapé ) ou posto fora da lei ( *17 vide nota de rodapé ) e exilado ( *18 vide nota de rodapé ) ou de qualquer modo molestado, a não ser por virtude de sentença legal ( *17 vide nota de rodapé ) dos seus pares ( *4 vide nota de rodapé ) ou da lei do país". Esta exigência - lei da terra - consiste em parte importante do devido processo legal ( * 6 vide nota de rodapé ) a ser implementado posteriormente.
Ainda no Século Dezessete, há a edição do Habeas Corpus Act ( de Mil seiscentos e setenta e nove ) ( *19 vide nota de rodapé ), que formalizou o mandado de proteção judicial aos que haviam sido injustamente presos, existente até então somente no direitos consuetudinário inglês ( commno law ). No seu texto, havia ainda a previsão do dever de entrega do "mandado de captura" ao preso ou seu representante, representando mais um passo para banir as detenções arbitrárias ( ainda um dos grandes problemas mundiais de DH no Século Vinte e um ).
Ainda na Inglaterra, em Mil seiscentos e oitenta e nove, após a Revolução Gloriosa, com a abdicação do Rei autocrático Jaime Segundo e com a coroação do Príncipe de Orange, Guilherme Terceiro, é editada a "Declaração Inglesa de Direitos", a Bill of Rights ( de Mil seiscentos e oitenta e nove ), pela qual o poder autocrático dos reis ingleses é reduzido de forma definitiva. Não é uma declaração de direitos extensa, pois dela consta, basicamente, a afirmação da vontade da lei sobre a vontade absolutista do rei. Entre seus pontos, estabelece-se "que é ilegal o pretendido poder de suspender leis, ou a execução de leis, pela autoridade real, sem o consentimento do parlamento"; "que devem ser livres as eleições dos membros do Parlamento" e que "a liberdade de expressão ( *20 vide nota de rodapé ) e debates ou procedimentos no Parlamento, não devem ser impedidos ou questionados por qualquer tribunal ou local fora do Parlamento".
Em continuidade ao já decidido na Revolução Gloriosa, foi aprovado em Mil setecentos e um o Act o Settlement, que serviu tanto para fixar de vez a linha de sucessão da coroa inglesa ( banindo os católicos romanos da linha do trono e exigindo dos reis britânicos o vínculo com a Igreja Episcopal Anglicana ), quanto para reafirmar o poder do Parlamento e a necessidade do respeito da vontade da lei, resguardando-se os direitos dos súditos contra a volta da tirania dos monarcas.
Quadro sinótico
A crise da Idade Média, início da Idade Moderna e os primeiros diplomas de DH
1) Idade Média: poder dos governantes era ilimitado, pois era fundado na vontade divina.
2) Surgimento dos primeiros movimentos de reivindicação de liberdades a determinados estamentos, como a Declaração das Cortes de Leão adotada na Península Ibérica em Mil cento e oitenta e oito e a Magna Carta inglesa de Mil duzentos e quinze.
3) Renascimento e Reforma Protestante: crise da Idade Média deu lugar aos surgimento dos Estados Nacionais absolutistas e a sociedade estamental medieval foi substituída pelo forte centralização do poder na figura do rei.
4) Com a erosão da importância dos estamentos ( Igreja, e senhores feudais ), surge a ideia de igualdade de todos submetidos ao poder absoluto do rei, o que não exclui a opressão e a violência, como o extermínio perpetrado contra os indígenas na América.
5) Século Dezessete: o Estado Absolutista foi questionado, em especial na Inglaterra. A busca pela limitação do poder é consagrada na Petition of Rights de Mil seiscentos e vinte e oito. A edição do Habeas Corpus Act ( de Mil seiscentos e setenta e nove ) formaliza o mandado de proteção judicial aos que haviam sido injustamente presos, existente tão somente no direito consuetudinário inglês ( common law ).
6) Mil seiscentos e oitenta e nove ( após a Revolução Gloriosa ): edição da "Declaração Inglesa de Direitos", a Bill of Rights ( do anos de Mil seiscentos e oitenta e nove ), pela qual o poder autocrático dos reis ingleses é reduzido de forma definitiva.
7) Mil setecentos e um: aprovação do Act of Settlement, que enfim fixou a linha de sucessão da coroa inglesa, reafirmou o poder do Parlamento e da vontade da lei, resguardando-se os direitos dos súditos contra a volta da tirania dos monarcas.
P.S.:
* A Magna Carta de Mil duzentos e quinze é melhor detalhada em:
*2 A liberdade de ir e vir é melhor detalhada em:
*3 A manutenção da paz no mundo é melhor detalhada em:
*4 O direito de ser julgado por seus pares ( Tribunal do Júri ) é melhor detalhado em:
*5 O direito ao acesso à justiça é melhor detalhado em:
*6 O direito à proporcionalidade entre delito e sanção é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*7 A finalidade da criação do Estado é melhor detalhada em:
*8 O princípio da igualdade é melhor detalhado em:
*9 A promoção da igualdade racial é melhor detalhada em:
*10 O direito à dignidade humana é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-74 .
*11 O crime de genocídio é melhor detalhado em:
*12 Suess, Paulo ( Organizador ). A conquista espiritual da América espanhola. Petrópolis: Vozes, Mil novecentos e noventa e dois, Página Quinhentos e quarenta e três.
*13 Casella, Paulo Borba. Direito internacional no tempo medieval e moderno até Vitória. São Paulo: Atlas, Dois mil e doze, em especial Páginas Seiscentos e oito e Seiscentos e dezenove.
*14 O direito á limitação estatal sobre o status libertatis do indivíduo é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-82 .
*15 O direito à propriedade é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-54 .
*16 O direito às liberdades e franquias ( ou liberdades públicas ) é melhor detalhado em:
*17 O princípio da legalidade é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-19 .
*18 As penas inaplicáveis como o exílio são melhor detalhados em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-70 .
*19 A Lei do habeas corpus de Mil seiscentos e setenta e nove é melhor detalhada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-lei-do-habeas-corpus-de-1679 .
*20 o direito à liberdade de expressão é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-39 .
Mais em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-o-legado-da-idade-m%C3%A9dia-aos-dh .
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