terça-feira, 21 de março de 2023

Direitos Humanos: Os conselhos de participação social na mira da extinção por decreto

No ano de Dois mil e um, a Emenda constitucional 9 EC ) número Trinta e dois suprimiu um tratamento desigual que era dado, pela redação original da Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ), aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário no que tange à auto-organização: enquanto os dois últimos poderiam adotar normas administrativas internas para se organizarem ( * vide nota de rodapé ), o primeiro dependia de lei ( ou seja, dependia de outro Poder ). Com a EC Trinta e dois, o Artigo Oitenta e quatro, Inciso Sexto, da CF - 88 adquiriu nova redação, pela qual compete privativamente ao Presidente da República ( PR ) dispor, mediante decreto, sobre:


1) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos e

2) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos ( *2 vide nota de rodapé ).


Ficou estabelecido o princípio da reserva da administração, pelo qual o Poder Executivo fica protegido da indevida ingerência do Poder Legislativo na sua organização interna. De acordo com o Supremo Tribunal Federal ( STF ), " ( ... ) O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência político-administrativa do Poder Executivo. é que, em tais matérias, o Poder Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo" ( Ação Direta de Inconstitucionalidade número Dois mil trezentos e sessenta e quatro, Medida Cautelar, relator Ministro Celso de Mello, julgada em Primeiro de Agosto de Dois mil e um, Pleno, Diário da Justiça de Quatorze de dezembro de Dois mil e um ).


Com base nessa atribuição, foi editado o Decreto número Nove mil setecentos e cinquenta e nove, de Onze de abril de Dois mil e dezenove, que determinou, a partir de Vinte e oito de junho do mesmo ano, a extinção dos seguintes colegiados da administração pública federal:


1) os instituídos por Decreto;

2) os instituídos por ato normativo inferior a Decreto e

3) ato de outro Decreto.


Previu, ainda, que seriam extintos os colegiados instituídos por ato infralegal, em cuja lei em que são mencionados nada conste sobre a competência ou a composição ( redação dada pelo Decreto número Nove mil oitocentos e doze   / Dois mil e dezenove ). Como exceção a essa draconiana extinção, foram preservados os colegiados previstos no regimento interno ( RI ) ou no estatuto de instituição federal de ensino; e os criados ou alterados por ato publicado a partir de Primeiro de janeiro de Dois mil e dezenove. O Decreto número Nove mil setecentos e cinquenta e nove ainda dispôs sobre a criação ou mesmo recriação dos colegiados, dando parâmetros e condições. A exposição de motivos do citado Decreto justificou a extinção sem sequer uma lista dos colegiados a serem atingidos pela excessiva dificuldade em realizar tal mapeamento. Alegou-se que a recriação dos colegiados essenciais contornaria eventual excesso.


Todavia, essa extinção em massa de colegiados impacta sobremaneira a participação social na administração pública federal na temática dos Direitos Humanos ( DH ) ( em sentido amplo ) seriam extintos ( *3 vide nota de rodapé ). Essa extinção generalizada, sem fundamentação caso a caso, precariza a transparência no agir estatal, bem como a mínima fiscalização social das políticas públicas, que já era frágil em face da composição majoritariamente governamental dos colegiados, sem constar a ausência de força decisória. O direito à democracia participativa ( detalhado a Carta Democrática Interamericana ) foi suprimido, sem que seja analisada pormenorizadamente a situação concreta, que poderia conter elementos que levassem à extinção justificada de um determinado colegiado, sem ferir a proibição de retrocesso institucional.


Em que pese o princípio da reserva da administração e a natureza política, inserida na competência discricionária do PR para organizar os colegiados da administração, todo ato do Poder Público sujeita-se ao crivo judicial no que tange


1) à forma,

2) finalidade e

3) proporcionalidade ( decisão monocrática do Ministro Roberto Barroso, Ação Direta de Inconstitucionalidade ( ADI ) número Seis mil e sessenta e dois, de Vinte e três de abril de Dois mil e dezenove ).


Além disso, o princípio da legalidade estrita impede que o Poder Público por decreto elimine colegiados que tenha sido mencionado direta o indiretamente por lei em sentido formal, ainda que ausente expressa referência "sobre a competência ou a composição". para o Ministro Gilmar Mendes, na hipótese da menção ( mesmo sem detalhamento ) do colegiado por lei formal, " ( ... ) o legislador acabou por convalidar a instituição do colegiado originalmente operada por Decreto. Desse modo, tolerar a extinção do colegiado significaria desrespeitar a vontade do legislador em alguma medida, o que não pode ser admitido ante o princípio da separação de poderes e a própria excepcionalidade do uso do decreto autônomo" ( voto do Ministro Gilmar Mendes, ADI número Seis mil cento e vinte e um, em trâmite até setembro de Dois mil e vinte, Plenário, julgado em Treze de junho de Dois mil e dezenove ).


Ressalte-se que a decisão a favor da suspensão parcial foi apertada ( por Seis votos a Cinco ), tendo sido vencidos os Ministros Edson Fachin, roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Celso de Mello, que concediam integralmente a cautelar. Para o Ministro Fachin, que abriu a divergência, a extinção indiscriminada dos órgãos colegiados, previstos ou não em lei, violou o princípio constitucional da participação e controle social, bem como os princípios republicano, democrático e de participação popular, essência do Estado Democrático de Direito ( EDD ) ( Artigo Primeiro da CF - 88 ). Apontou que esses órgãos colegiados são instrumentos da democracia participativa, servindo como mecanismo de aproximação da sociedade civil e o governo, e tal extinção resultou em retrocesso na implementação dos DH. O Ministro Barroso apontou a falta de transparência e a vagueza do Decreto, o que afetou os direitos já mencionados ( Supremo Tribunal Federal  - STF - , ADI número Seis mil cento e vinte e um, relator Ministro marco Aurélio, em trâmite até setembro de Dois mil e vinte, Plenário, julgado em Treze de junho de Dois mil e dezenove ).


P.S.:


Notas de rodapé:


* Por exemplo, a auto-organização do Poder Legislativo está prevista nos Artigos Quarenta e nove, Incisos Sexto e Sétimo, Artigo Cinquenta e um, Incisos Terceiro e Quarto, e ainda nos Artigos Cinquenta e dois, Incisos Doze e Treze. Já no que tange ao Poder Judiciário, conferir o Artigo Noventa e seis, Inciso Primeiro, Alíneas a e b.


*2 a redação original era a seguinte: " Artigo Oitenta e quatro. Compete privativamente ao PR: ( ... ) Inciso Sexto - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal, na forma da lei.". Com a EC Trinta e dois, foi suprimida a expressão na "forma da lei".


*3 Disponível em: < http://www.mpf.mp/pgr/documentos/nota-publica-decreto-9-759.pdf/view >. Acesso em: Vinte e quatro de setembro de Dois mil e vinte.


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-os-conselhos-de-participacao-social-na-mira-da-extincao-por-decreto

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