segunda-feira, 6 de março de 2023

Direitos Humanos: controle de convencionalidade internacional versus nacional

O controle de convencionalidade consiste na análise da compatibilidade dos atos internos ( comissivos ou omissivos ) em face das normas internacionais ( 


1) tratados, 

2) costumes internacionais, 

3) princípios gerais de direito, 

4) atos unilaterais, 

5) resoluções vinculantes de organizações internacionais ). 


Esse controle pode ter efeito negativo ou positivo: 


1) o efeito negativo consiste na interpretação ( * vide nota de rodapé ) adequada das normas nacionais para que estas sejam conformes às normas internacionais ( efeito positivo de controle de convencionalidade ), resultando em um conceito construtivo de convencionalidade ( *2 vide nota de rodapé ). Há duas subcategorias:

a) o controle de matriz internacional, também denominado controle de convencioalidade autêntico ou definitivo;e

b) o controle de convencionalidade de matriz nacional, também denominado provisório ou preliminar.


O Controle de convencionalidade de matriz internacional é, em geral, atribuído a órgãos internacionais compostos por julgadores independentes, criados por tratados internacionais, para evitar que os próprios Estados sejam, ao mesmo tempo, fiscais e fiscalizados, criando a indesejável figura do judex in causa sua. Na seara dos Direitos Humanos ( DH ), exercitam o controle de convencionalidade internacional os tribunais internacionais de DH ( Corte Europeia, Corte Interamericana - *3 vide nota de rodapé - e Africana ), os Comitês unosianos ( *4 vide nota de rodapé ), entre outros.


Cabe mencionar também o controle de convencionalidade internacional compulsório, que consiste na adoção, pelo Estado, das decisões internacionais exaradas em processos internacionais de DH dos quais foi réu. Nessa hipótese, o Estado é obrigado a cumprir a interpretação internacionalista dada pelo órgão internacional prolator de decisão. A Corte IDH, no Caso Gelman versus Uruguai ( *5 vide nota de rodapé ), decidiu que "quando existe uma sentença internacional ditada com caráter de coisa julgada a respeito de um Estado que tenha sido parte do caso submetido à jurisdição da Corte IDH, todos seus órgãos, incluídos os juízes e órgãos vinculados á administração de justiça, também estão submetidos ao tratado e á sentença deste Tribunal, o qual lhes obriga a zelar para que os efeitos das disposições da Convenção Interamericana de DH ( CADH ) ( *6 vide nota de rodapé ) e, consequentemente, das decisões da Corte IDH não se vejam amesquinhadas pela aplicação de normas contrárias a seu objeto e finalidade ou por decisões judiciais ou administrativas" ( Caso Gelman, supervisão de cumprimento de sentença, Vinte de março de Dois mil e treze, parágrafo Sessenta e oito ).


2) Há ainda o controle de convencionalidade de matriz nacional, que vem a ser o exame de conpatibilidade do ordenamento interno diante das normas internacionais incorporadas, realizado pelos próprios juízes internos. Esse controle nacional foi consagrado na França em Mil novecentos e setenta e cinco ( decisão sobre a lei de interrupção voluntária da gravidez ), quando o Conselho Constitucional ( CC ), tendo em vista o Artigo Cinquenta e cinco da Constituição Francesa sobre o estatuto supralegal dos tratados, decidiu que não lhe cabia a análise da compatibilidade de lei com tratado internacional. Essa missão deve ser efetuada pelos juízes ordinários, sob o controle da Corte de Cassação e do Conselho de Estado. Além dos juízes, é possível que o controle de convencionalidade nacional seja feito pelas autoridades administrativas, membros do Ministério Público ( MP ) e Defensoria Pública ( DP ) ( no exercício de suas atribuições ) e haja, inclusive, o controle preventivo de convencionalidade na análise de projetos de lei no Poder Legislativo. Consagra-se o controle de convencionalidade de matriz nacional não jurisdicional ( Corte IDH, Caso Gelman versus Uruguai, supervisão de cumprimento de sentença, decisão de Vinte de março de Dois mil e treze, Parágrafo Sessenta e nove ).


No âmbito jurisdicional interno, o controle de convencionalidade nacional na seara dos DH consiste na análise da compatibilidade entre as leis ( e atos normativos ) e os tratados internacionais de DH, realizada pelos juízes e tribunais brasileiros, no julgamento de casos concretos, nos quais se devem deixar de aplicar os atos normativos que violem o referido tratado.


É óbvio que nem sempre os resultados do controle de convencionalidade internacional coincidirão com os do controle nacional. Por exemplo, um tribunal interno pode afirmar que determinada norma legal brasileira é compatível com um tratado de DH; em seguida, um órgão internacional de DH, ao analisar a mesma situação, pode chegar à conclusão de que a referida lei viola o tratado.


Há diferenças, portanto, entre o controle de convencionalidade internacional e o controle de convencionalidade nacional.


1) Quanto ao parâmetro de confronto e objeto do controle

O parâmetro de confronto do controle de convencionalidade internacional é a norma internacional, em geral um determinado tratado. Já o objeto desse controle é toda norma interna, não importando a sua hierarquia nacional. Como exemplo, o controle de convencionalidade internacional exercido pelos tribunais internacionais pode inclusive analisar a compatibilidade de uma norma oriunda do Poder Constituinte Originário com as normas previstas em um tratado internacional de DH. No caso de controle de convencionalidade nacional, os juízes e os tribunais internos não ousam submeter uma norma do Poder Constituinte Originário á análise da compatibilidade com um determinado tratado de DH. O Supremo Tribunal Federal ( STF ), em precedente antigo, sustentou que "O STF não tem jurisdição para fiscalizar a validade das normas aprovadas pelo poder constituinte originário" ( Ação Direta de Inconstitucionalidade Oitocentos e quinze, relator Moreira Alves, julgada em Vinte e oito de março de Mil novecentos e noventa e seis, Plenário, Dia´rio da Justiça de Dez de maio de Mil novecentos e noventa e seis ). Assim, há limite de objeto do controle de convencionalidade nacional, o qu3e o restringe.


2) Quanto à hierarquia do tratado-parâmetro

No controle de convencionalidade nacional, a hierarquia do tratado-parâmetro depende do próprio Direito Nacional, que estabelece o estatuto dos tratados internacionais. No caso brasileiro, há tratados de DH de estatura supralegal e constitucional, na visão atual do STF. Já no controle de convencionalidade internacional, o tratado de DH é sempre a norma paramétrica superior. Todo o ordenamento nacional lhe deve obediência, inclusive as normas constitucionais originárias.


3) Quanto à interpretação

A interpretação do que é compatível ou incompatível com o tratado-parâmetro é a mesma. Há tribunais internos que se socorrem de normas previstas em tratados sem sequer mencionar qual é a interpretação dada a tais dispositivos pelos órgãos interacionais, levando a conclusões divergentes. O controle de convencionalidade nacional pode levar a violação das normas contidas nos tratados tal qual interpretadas pelos órgãos internacionais. Isso desvaloriza a própria ideia de primazia dos trtados de DH, implícita na afirmação da existência de um controle de convencionalidade.


Em virtude de tais diferenças, na recente sentença contra o Brasil no Caso Gomes Lund ( caso da "Guerrilha do Araguaia - *7 vide nota de rodapé" ), na Corte IDH, o juiz ad hoc ( *8 vide nota de rodapé ) indicado pelo próprio Brasil, Roberto Caldas, em seu voto conncordante em separado, assinalou que"se aos tribunais supremos ou aos constitucionais nacionais incumbe o controle de constitucionalidade e a última palavra judicial no âmbito interno dos Estados, à Corte IDH cabe o controle de convencionalidade e a última palavra quando o tema encerre debate sobre DH. É o que decorre do reconhecimento formal da competência jurisdicional da Corte IDH por um Estado, como o fez o Brasil" ( *9 vide nota de rodapé ).


O controle nacional é importante, ainda mais se a hierarquia interna dos tratados for equivalente á norma constitucional ou quiçá supraconstitucional. Deve-se evitar, contudo, a adoção de um controle de convencionalidade nacional ( jurisdicional ou não jurisdicional ) isolado, que não dialoga com a interpretação internacionalista  dos DH, uma vez que tal conduta nega a universalidade dos DH e desrespeita o comando dos tratados celebrados pelo Brasil. Assim o controle nacional deverá dialogar com a interpretação ofertada pelo controle de convencionalidade internacional, para que se possa chegar á conclusão de que os tratados foram efetivamente cumpridos.


Ramos ( *10 vide nota de rodapé ) defende, então, que os controles nacionais e o controle de convencionalidade internacional interajam, permitindo o diálogo entre o Direito Interno e o Direito Internacional, em especial quanto ás interpretações fornecidas pelo órgãos internacionais cuja jurisdição o Brasil reconheceu.


Quadro sinótico


O controle de convencionalidade e suas espécies: o controle internacional e o controle nacional


Controle de convencionalidade internacional:


1) Conceito: consiste na análise de compatibilidade dos atos internos ( comissivos ou omissivos ) em faze das normas internacionais ( tratados, costumes internacionais, princípios gerais de direito, atos unilaterais, resoluções vinculantes de organizações internacionais ), realizada por órgãos internacionais.

2) É, em geral,, atribuído a órgãos compostos por julgadores independentes, criados por tratados internacionais, para evitar que os próprios Estados sejam ao mesmo tempo, fiscais e fiscalizados. É portanto, fruto da ação do intérprete autêntico - os órgãos internacionais.


Controle de convencionalidade nacional


1) Conceito: consiste no exame de compatibilidade do ordenamento interno diante das normas internacionais incorporadas, realizado pelos próprios Tribunais internos.

2) No Brasil, o controle de convencionalidade nacional na seara dos DH consiste na análise da compatibilidade entre as leis 9 e atos normativos ) e dos tratados internacionais de DH, realizada pelos juízes e tribunais brasileiros, no julgamento de casos concretos.


Diferenças entre controle de convencionalidade internacional e nacional


1) O parâmetro de confronto no controle de convencionalidade internacional é a norma internacional; seu objeto é toda norma interna, não importando a sua hierarquia nacional, podendo mesmo ser oriunda do Poder Constituinte Originário. No controle nacional, há limite ao objeto de controle, uma vez que não se analisam normas do Poder Constituinte Originário.

2) No controle de convencionalidade nacional, a hierarquia do tratado-parâmetro depende do próprio Direito Nacional, que estabelece o estatuto dos tratados de DH é sempre a norma paramétrica superior.

3) A interpretação do que é compatível ou incompatível com o tratado-parâmetro não é a mesma e o controle nacional nem sempre resulta em preservação dos comandos das normas contidas nos tratados tal qual interpretados pelos órgãos internacionais.    


P.S.:


Notas de rodapé:


* A interpretação no contexto dos Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/02/direitos-humanos-supremacia-da.html .


*2 Sagües, Nestor Pedro. El "control de convencionalidad" en el sistema interamericano, y sus antecipos en el ámbito de los derechos económicos-sociales. Concordancias y diferencias com el sistema europeo. In: Bogdandy, Armin von; Fix-Fierro, Héctor; Antoniazzi, Mariela Morales; Mac-Gregor, Eduardo Ferrer ( Organizadores ). Construcción y papel de los Derechos Sociales Fundamentales. Hacia un ius constitucionale commune en América Latina. Universidad Nacional Autônoma de México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, Dois mil e onze. Disponível em: < http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/7/3063/16.pdf > . Acesso em: Quinze de outubro de Dois mil e dezesseis.


*3 A Corte Interamericana de Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-corte-interamericana.html .


*4 Os Comitês onusianos de Direitos Humanos são melhor exemplificados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-pacto-institui-comite.html .


*5 O caso Gelman versus Uruguai na Corte Interamericana de Direitos Humanos é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/01/direitos-humanos-corte-edita-mais-de.html .


*6 A Convenção Americana de Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-convencao-americana.html .


*7 O Caso Gomes Lund é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-medida-provisoria-e-o.html .


*8 Ad hoc: de exceção - tradução livre.


*9 Voto concordante do juiz ad hoc Roberto Caldas, Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Gomes Lund e outros versos Brasil, julgamento de Vinte e quatro de novembro de Dois mil e dez.


*10 Ramos, André de Carvalho. Curso de direitos humanos / Oitava edição - São Paulo : Saraiva Educação, Dois mil e um. Mil cento e quarenta e quatro Páginas. Página Quinhentos e noventa.


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-controle-de-convencionalidade-internacional-versus-nacional .  

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