Caso paradigmático do "beco sem saída" da interpretação nacionalista ( * vide nota de rodapé ) dos tratados ocorreu no chamado "Caso da Guerrilha do Araguaia" ( *2 vide nota de rodapé ). Pela primeira vez, um tema ( superação - ou não - da anistia a agentes da ditadura militar brasileira ) foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal ( STF ) e pela Corte Interamericana de DH ( Corte IDH ) ( *3 vide nota de rodapé ). No âmbito do STF, foi proposta, em outubro de Dois mil e oito, pelo Conselho Federal ( CF ) da Ordem dos Advogados do Brasil ( OAB ), uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ( ADPF ) número Cento e cinquenta e três, pedindo que fosse interpretado o Parágrafo Único do Artigo Primeiro da Lei número Seis mil seiscentos e oitenta e três, de Mil novecentos e setenta e nove ( Lei da Anistia ), conforme a Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ), de modo a declarar que a anistia concedida pela citada lei aos crimes políticos ou conexos não se estende aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão ( civis ou militares ) contra opositores políticos, durante o regime militar.
Por sua vez, em Vinte e seis de maço de Dois mil e nove, a Comissão Interamericana de DH ( Comissão IDH ) ( *4 vide nota de rodapé ) processou o Brasil perante a Corte IDH ( sediada em San José da Costa Rica, guardiã da Convenção Americana de DH - CADH - *5 vide nota de rodapé ) no chamado "Caso Gomes Lund e outros contra o Brasil ( *2 vide nota de rodapé ), invocando, aos seu favor ( entre outros argumentos ), a copiosa jurisprudência da Corte IDH contrária às leis de anistia e favorável ao dever de investigação, persecução e punição penal dos violadores bárbaros de DH.
A ADPF Cento e cinquenta e três foi julgada em Vinte e oito de abril de Dois mil e dez, tendo o STF decidido que a Lei da Anistia alcança os agentes da ditadura militar, tornando impossível a persecução criminal pelas graves violações de DH ocorridas na época dos "anos de chumbo". Chama a atenção que, novamente, ignorou-se a interpretação internacionalista doa CADH, de responsabilidade da Corte IDH.
Contudo, em Vinte e quatro de novembro de Dois mil e dez, meses após a decisão do STF, a Corte IDH condenou o Brasil no Caso Gomes Lund, exigindo que fosse feita a completa investigação, persecução e punição criminal aos agentes da repressão política durante a ditadura militar, mandando o Brasil desconsiderar, então, a anistia para tais indivíduos.
Como cumprir a decisão da Corte IDH? Inicialmente, Ramos ( *6 vide nota de rodapé ) da seguinte premissa: não há conflito insolúvel entre as decisões do STF e da Corte IDH, uma vez que ambos os tribunais têm a grave incumbência de proteger os DH. Adota assim a teoria do duplo controle ou crivo de DH, que reconhece a atuação em separado do controle de constitucionalidade ( STF e juízos nacionais ) e do controle de convencionalidade internacional ( Corte IDH e outros órgãos de DH no plano internacional ).
Os DH, então, no Brasil possuem uma dupla garantia: o controle de constitucionhalidade e o controle de convencionalidade internacional. Qualquer ato ou norma deve ser aprovado pelos dois controles, para que sejam respeitados os DH no Brasil. Esse duplo controle parte da constatação de uma verdadeira separação de atuações, na qual inexistiria conflito real entre as decisões porque cada Tribunal age em esferas distintas e com fundamentos diversos.
De um lado, o STF, que é o guardião da CF - 88 e exerce o controle de constitucionalidade. Por exemplo, na ADPF Cento e cinquenta e três ( controle abstrato de constitucionalidade ), a maioria dos votos decidiu que o formato amplo de anistia foi recepcionado pela nova ordem constitucional. POr outro lado, a Corte IDH é guardiã da CADH e dos tratados de DH que possam ser conexos. Exerce, então, o controle de convencionalidade. Para a Corte IDH, a Lei da Anistia não é passivel de ser invocada pelos agentes da ditadura.
Com base nessa separação, é possível dirimir o conflito aparente entre uma decisão do STF e da Corte IDH. Assim, ao mesmo tempo em que que se respeita o crivo de constitucionalidade do STF, deve ser incorporado o crivo de convencionalidade da Corte IDH. Todo ato interno ( não importa a natureza ou origem ) deve obediência aos dois crivos. Caso não supere um deles ( por violar DH ), deve o Estado envidar todos os esforços para cessar a conduta ilícita e reparar os danos causados. No caso da ADPF Cento e cinquenta e três, houve o controle de constitucionalidade. No caso Gomes Lund, houve o controle de convencionalidade. A anistia aos agentes da ditadura, para subsistir, deveria ter sobrevivido intacta aos dois controles, mas só passou ( com votos contrários, diga-se ) por um, o controle de constitucionalidade. Foi destroçada no controle de convencionalidade. Cabe, agora, aos órgãos internos ( Ministério Público - MP, Poderes Executivo - PEF -, Legislativo - PLF - e Judiciário - PJ ) cumprirem a sentença internacional.
A partir da teoria do duplo controle, agora dever-se exigir que todo ato interno se conforme não só ao teor da jurisprudência do STF, mas também ao teor da jurisprudência interamericana, cujo conteúdo deve ser estudado já nas Faculdades de Direito.
Só assim será possível evitar o antagonismo entre o STF e os órgãos internacionais de DH, evitando a ruptura e estimulando a convergência em prol dos DH.
Quadro sinótico
A crise dos "tratados internacionais nacionais" e a superação do conflito entre decisões sobre DH: a teoria do duplo controle
1) Há um dever primário de cada Estado de proteger os DH. Consequentemente, tem-se que a jurisdição internacional é subsidiária, agindo na falha do Estado.
2) A principal característica da interpretação internacional dos DH é ser contramajoritária, por que as violações que chegam ao crivo internacional não forma reparadas mesmo após o esgotamento dos recursos internos.
3) Interpretação contramajoritária: concretiza o ideal universalista do Direito Internacional dos Direitos Humanos, saindo do abstrato das Declarações de Direitos e tratados internacionais e chegando ao concreto da interpretação e aplicação dessas normas no cotidiano dos povos.
4) Não é suficiente ratificar e incorporar tratados de DH ou ainda defender seu estatuto normativo especial ( supralegal ou mesmo constitucional ), sem que se aceite a consequência da internacionalização dos DH: o acatamento da interpretação internacional sobre esses direitos.
5) Teoria do duplo controle ou crivo de DH: reconhece a atuação em separado do controle de constitucionalidade ( STF e juízos nacionais ) e do controle de convencionalidade ( Corte IDH e outros órgãos de DH do plano internacional ). A partir dessa teoria, deve-se exigir que todo ato interno se conforme não só ao teor da jurisprudência do STF, mas também ao teor da jurisprudência interamericana. Com isso, evita-se o antagonismo entre o STF e os órgãos internacionais de DH, evitando a ruptura e estimulando a convergência em prol dos DH.
P.S.:
Notas de rodapé:
* A interpretação nacionalista dos tratados de Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/02/direitos-humanos-supremacia-da.html .
*2 O Caso Guerrilha do Araguaia é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/01/direitos-humanos-corte-edita-mais-de.html .
*3 A Corte Interamericana de Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-corte-interamericana.html .
*4 A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-comissao-examina.html .
*5 A Convenção Americana de Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-convencao-americana.html .
*6 Ramos, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. Sétima edição, São Paulo : Saraiva, Dois mil e dezenove, página Quinhentos e noventa e cinco.
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