segunda-feira, 1 de abril de 2019

Economia: poupança interna ideal e a formação de capital para o futuro

Está rapidamente se tornando claro que tanto a produtividade como a formação de capital dependem em muito da relação trabalho-renda - a proporção do valor agregado que vai para salários e benefícios - e que isso é verdadeiro, quer fale-se de uma empresa, uma indústria ou uma economia nacional. Se a relação ultrapassa determinado limiar, aparentemente a faixa de oitenta a oitenta e cinco por cento, a produtividade diminui e a formação de capital fica baixa demais para se manterem os empregos atuais, sem falar na criação de novos empregos.

Considerando as indústrias automobilística e siderúrgica dos Estados Unidos da América ( EUA ), é comum lamentar o declínio da competitividade industrial dos EUA e se perguntar que fim levou a administração americana. Na verdade, porém, a doença americana está toda ela confinada aos setores automobilístico e siderúrgico.

O grosso da indústria manufatureira americana - de artigos de moda a aviões, de produtos têxteis a computadores - vem tendo um extraordinário boom exportador nas últimas décadas, quase tão vigoroso quanto o boom exportador que se seguiu imediatamente ao fim da Segunda Guerra Mundial, quando as fábricas e unidades industriais dos concorrentes potenciais dos EUA jaziam em ruínas. O desempenho exportador da maior parte da indústria americana explica por que a tão anunciada recessão dos anos entre mil novecentos e setenta e nove e mil novecentos e oitenta foi tão mais curta e mais branda do que o antecipado, apesar dos saltos do preço do petróleo e do quase colapso das indústrias automobilísticas e siderúrgica. Com efeito, o superávit exportador americano com o Mercado Comum muito provavelmente foi um dos maiores problemas das relações econômicas exteriores do governo do ator Ronald Reagan.

Os setores automobilístico e siderúrgico, que eram tidos como a regra, são, portanto, a verdadeira exceção. E são a exceção principalmente porque, em termos relativos, eles gastam demais em salários e benefícios. Na maior parte da indústria americana, a relação trabalho-renda provavelmente ainda se encontra abaixo dos oitenta por cento ( embora seja difícil de achar dados confiáveis ). Mas, nas indústrias automobilística e siderúrgica, a relação está bem acima dos oitenta e cinco por cento, podendo aproximar-se dos noventa por cento.

Nas indústrias automobilísticas e siderúrgica dos EUA, o custo de mão de obra -quer medido por empregado, por hora efetivamente trabalhada ou por unidade de produção - é de cinquenta a cem por cento mais alto do que o custo de mão de obra que predomina em outras indústrias de manufatura americanas. Na Ford Motor Company, o custo de mão de obra por hora por empregado, incluindo todos os benefícios e os custos de não trabalho, por exemplo, absenteísmo todos os benefícios estava próximo de vinte e cinco dólares no começo da década de oitenta, comparados com os cerca de quinze dólares em setores que pagavam altos salários, como a indústria química. Uma vez que o custo de mão de obra das empresas automobilísticas e siderúrgicas japonesas e alemãs estavam maiso ou menos no mesmo patamar que o custo de mão de obra predominante em outros setores manufatureiros americanos, não era de surpreender que as indústrias automobilísticas i siderúrgicas dos EUA vinham tendo tanta dificuldade de competir com os importados - e que tantos trabalhadores das indústrias automobilísticas e siderúrgica estivessem sem emprego.

Deixando de lado a questão de piorar o problema a concorrência com os importados, uma relação trabalho-renda de oitenta e cinco e noventa por cento torna impossível a formação de capital,e  portanto, põe em perigo os empregos do futuro. Até a General Motors Company ( GMC ) mal conseguia gerar o u captar as somas necessárias para modernizar suas fábricas e convertê-las para a produção de carros econômicos.

Na Europa, a Ford já fazia um trabalho magnífico na produção e comercialização de carros pequenos econômicos e competitivos. Mas, nos EUA, ela não conseguia gerar capital rápido o suficiente para modificar suas fábricas para que produzissem carros que ela já fabricava, carros que já haviam passado pelo teste de mercado. As companhias siderúrgicas estavam no mesmo barco e, em tais circunstâncias, não fazia grande diferença se a administração era boa, se o planejamento era bom e se o seu design e marketing eram bons.

No nível da economia como um todo, também países nos quais a renda do trabalho respondiam por mais de oitenta e cinco por cento do produto nacional bruto ( PNB ) - Grã-Bretanha, Holanda, Bélgica e Escandinávia - estavam em situação mais complicada. Em contraste, os alemães e os japoneses operavam com relações trabalho-renda de setenta a setenta e cinco ou oitenta por cento no máximo.

De fato, a relação trabalho renda parece ser mais importante para a capacidade de desempenho de um país do que a proporção do PNB que passa pelo mecanismo de transferência do governo. Na Alemanha, a proporção de transferência é alta; no Japão, ela é bem baixa. No entanto, o desempenho de ambas as economias é relativamente parecido e muito melhor que o de países como os EUA, onde a proporção de transferência é comparativamente baixa, mas cujas principais indústrias têm uma relação trabalho-renda elevada.

Economistas e formuladores de políticas econômicas tradicionalmente prestam pouca atenção à relação trabalho-renda pela simples razão de que ela nunca foi problema. A relação entre fundo de salários e fundo de capital tem sido estudada e discutida por mais de duzentos anos, desde que os primeiros trabalhos teóricos de David Ricardo. Mas, durante todo o percurso até chegar a John Maynard Keynes, a pergunta central sempre foi como impedir qe o fundo de capital se torne excessivo. Mas agora, com uma relação trabalho-renda de oitenta a oitenta e cinco por cento, até keynesianos convictos aceitam a ideia de que a teoria econômica e a política econômica precisam se preocupar com restaurar a produtividade e com a formação de capital.

Relações de trabalho-renda elevadas representam também uma crise do tipo vida ou morte para os sindicatos de trabalhadores e para a tradicional determinação de salários através da negociação de acordos coletivos. Não é por coincidência que as duas indústrias americanas - automobilística e siderúrgica - que se encontravam em situação tão complicada, com tanto desemprego, fossem as duas indústrias em que havia um monopólio sindical virtual, com praticamente nenhuma fábrica não sindicalizada.

E tem mais: uma relação trabalho-renda de oitenta a noventa e cinco por cento invalida todos os princípios fundamentais do movimento trabalhista - por exemplo, o axioma de que a parcela de mão de obra do PNB nunca pode ser excessiva. Quando o movimento trabalhista começou, há mais de cento e cinquenta anos, a parcela de mão de obra do PNB girava em torno de quarenta por cento no máximo. Foi por isto que Samuel Gompers, o líder pioneiro dos operários americanos, definiu o objetivo do trabalho como mais.

Mas pode este objetivo ser ainda mantido quando a renda do trabalho corresponde a oitenta e cinco por cento do PNB e não há mais o que é chamado de "mais"? Ou será que se deve perguntar quais limites precisam ser fixados para a renda do trabalho como parcela do PNB possibilitar a uma empresa, indústria, setor ou país formar capital suficiente para os empregos do futuro?

Da mesma forma, tem sido um princípio do movimento trabalhista que um monopólio sindical - diferentemente de um monopólio empresarial - jamais pode causar danos. Um monopólio empresarial, ressaltou Adam Smith, reduz a demanda agregada e, portanto, gera desemprego. Em contraste, economistas do trabalho vêm, há quase cento e cinquenta anos, alegando que um monopólio sindical só faz criar demanda, isto é, poder de compra, e portanto não promove o desemprego. Até a maioria dos economistas pró-empresas aceita isto, à exceção de uns poucos heréticos americanos, como George Stigler e o falecido henry Simons, ambos da universidade de Chicago. Mas, nas indústrias automobilística e siderúrgica dos EUA, o monopólio sindical com toda a certeza ajudou a criar o desemprego maciço.

Por fim, os sindicatos têm alegado, desde bem antes de Marx, que a propensão dos trabalhadores a poupar amentaria no mínimo tão rápido quanto a sua renda. A formação de capital numa sociedade de baixo superávit - isto é , pouca renda além da renda do trabalho - não seria menor e, prossegue a argumentação, provavelmente seria maior que numa sociedade na qual a formação de capital estivesse nas mãos dos capitalistas liberais ou do empresariado. Ao postular o efeito multiplicador da demanda de consumo sobre o investimento, Keynes só fez dar uma ótima formulação teórica àquilo que há tempos era um axioma entre socialistas e economistas do trabalho.

Mas será que qualquer destes axiomas pode ainda ser mantido? Ou será que terão de ser substituídos por postulados totalmente diferentes? Um deles poderia ser que a renda do trabalho precisa ser mantida abaixo de determinado ponto, por exemplo, de oitenta a oitenta e cinco por cento, para que uma empresa, um setor ou um país possa garantir a formação adequada de capital. Talvez fosse necessário limitar os poderes do monopólio sindical para possibilitar aos setores dominados pelos sindicatos manter sua posição competitiva e também sua capacidade de criar futuros empregos.

Talvez fosse preciso também contrabalançar cada aumento na parcela de renda do trabalho com medidas de estímulo à formação de capital, especialmente nas empresas - quer isto signifique uma mudança dos impostos sobre as rendas ( como o imposto sobre a reda que qualquer natureza - IR ) mais altas para impostos sobre as vendas ( como o imposto sobre a circulação de mercadorias, sobre a serviços de transporte interestadual e sobre os serviços de telecomunicação interestadual - ICMS ), por exemplo, quer a eliminação de impostos sobre poupança, ganhos de capital ( IR ) e lucro de empresas ( contribuição social sobre o lucro líquido - CSLL ). Talvez seja necessário aceitar uma elevação da relação trabalho-renda, dependendo da taxa de formação de capital, ou vincular as duas de alguma forma que, diferentemente do que fazem os keynesianos ( de Keynes ) e friedmanianos ( de Milton Friedmann ), não dependa inteiramente da mão invisível de um multiplicador que transforma automaticamente a demanda de consumo ou os meios de pagamento em investimento.

A crise sindical é o mais difícil de todos os desafios: uma crise de sucesso. O sindicato de trabalhadores atingiu seus objetivos, e, quando isto acontece, as instituições tendem a se tornar reacionárias e depois degeneram e atrofiam.

Conforme os eventos de mil novecentos e oitenta na Polônia novamente mostraram, uma sociedade moderna precisa do sindicato de trabalhadores. Tem de haver um poder que se contraponha ao poder dos patrões, mesmo numa economia livre, na qual o mercado estabelece limites rigorosos ao poder dos patrões. Mas poder compensatório não deixa de ser poder. E, para que seja legítimo, este poder precisa daquilo que, até o momento, falta ao sindicato: responsabilidade clara, a condição de estar sujeito a prestar contas e limitações preestabelecidas. Outras informações podem ser obtidas no livro Os novos desafios dos executivos, de autoria de Peter F. Drucker.

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