sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Conselho de administração: um lugar para pessoas eficazes e independentes

O Anúncio intitulado " Procura-se ajuda", abaixo,


"Procura-se ajuda

Grande corporação multibilionária procura membro profissional para o conselho de diretoria. Possuímos um plano de fortalecimento da função convertendo o trabalho de carimbador de decisões para o de uma ativa formulação de políticas. Requer de quarenta a cinquenta dias por ano de trabalho intenso. Salário elevado. Rara oportunidade. Presidentes de corporação e advogados não precisam se candidatar."


é o tipo de  comunicado que Peter Ferdinand Drucker dizia gostar de fazer a um candidato prospectivo para ocupar um assento no conselho de diretoria. Drucker dizia que não buscava apenas sangue novo, mas que redesenharia todo o conselho, pois, quando esta estrutura foi criada, centenas de anos antes, ninguém imaginou o mundo em que ela atualmente funciona ( e funciona mal ).


Em todo o mundo ocidental, os conselhos de diretoria estão sob ataque e estão sendo mudados. Nos países da lei germânica ( Alemanha, Holanda, Áustria e países escandinavos - Suécia, Noruega, Dinamarca e Islândia ), existe a codeterminação, ou seja, uma representação do sindicato trabalhista nos conselhos de administração. Na Suécia, o governo indica representantes públicos nos conselhos das grandes companhias. Nos Estados Unidos da América ( EUA ), um número crescente de grandes companhias coloca representantes de vários grupos minoritários ( negros, mulheres ou consumidores ) em seus conselhos. Cada vez mais, eles elegem membros políticos para representar o interesse público.


Estas mudanças não estão de forma alguma confinadas a conselhos de empresas. Talvez exista uma pressão ainda maior por mudanças nos conselhos convencionais de universidades, hospitais e sociedades profissionais. Um dos primeiros atos de Jerry Brows, quando eleito governador do Estado da Califórnia ( EUA ), foi colocar um representante dos estudantes no Conselho de regentes da University of Califórnia. Na America Medical Association, uma das maiores lutas em anos recentes centrou-se na demanda de médicos jovens para o treinamento de estagiários e residentes para sua representação no conselho da Associação Médica Americana ( AMA ) uma luta que, no final, venceram ). Agora estão pressionando pela participação nos conselhos de hospitais.


Todas estas pressões admitem que o conselho tem importância. Elas admitem que o conselho de diretores ou ou de curadores, seja de uma empresa, uma universidade ou de uma instituição de serviços, é verdadeiramente o órgão diretivo.


No entanto, há poucas evidências apoiando este pressuposto. Pelo contrário, anos de experiência indicam que o conselho se tornou um roi fainéant ( expressão francesa que significa rei ocioso ), um cerimonial impotente e uma ficção jurídica. Ele certamente não conduz os assuntos da empresa, nem em seu país nem na Europa. A vida no conselho não é interessante nem emocionante. Na verdade, é maçante. Os membros do conselho estão com mais frequência entediados pela rotina do que estimulados pela manipulação das alavancas do poder.


Em cada grande catástrofe empresarial dos últimos oitenta ou noventa anos, desde o colapso do Austrian Credit Anstalt em 1931, que forçou a Grã-Bretanha a abandonar o padrão-ouro e desencadeou o colapso do sistema bancário americano, até as falências mais recentes como as da ferrovia Penn Central e a Franklin National Bank, os membros do conselho foram aparentemente as últimas pessoas a serem informadas de que alguma coisa estava errada. De forma semelhante, na revolta estudantil do final dos anos sessenta, os conselhos das universidades foram pegos completamente de surpresa, sem a menor ideia de que um problema estava se formando. Os conselhos dos hospitais ( que, e acordo com a lei, são donos do hospital, têm todo o poder e tomam todas as decisões ) raramente se envolvem nas discussões sobre os custos, o controle e a política dos hospitais.


Além disto, os conselhos estavam totalmente desinformados e impotentes nos escândalos sobre suborno de empresas. O fato de a Lockheed estar distribuindo subornos, mal disfarçados de comissões, era um segredo conhecido muito antes de chegar às manchetes em mil novecentos e setenta e cinco e mil novecentos e setenta e seis. As únicas pessoas importantes que aparentemente não sabiam a este respeito eram os diretores da Lockheed. Os mesmos desconhecimento e impotência ficaram demonstrados pelos conselhos da Northrop e Gulf Oil nos escândalos de suborno daquelas empresas. Os administradores claramente não viram motivo para informar a seus conselhos e os conselhos não viram motivo para perguntar ( e não teriam recebido resposta se o tivessem feito ).


Alguns membros dos conselho, cientes de sua falta de poder, começaram a reclamar dizendo não ter alguma função e que ficam ocupados com trivialidades, mesmo quando querem fazer um trabalho sério. Drucker, por exemplo, participou por seis anos do conselho de uma universidade de Nova Jérsei que vinha apresentando elevado crescimento. Os membros do conselho estavam genuinamente interessados na universidade. Muitos tinham experiência considerável em ensino, pesquisa e administração. Outros haviam ocupado cargos políticos significativos. O conselho se reuniu pelo menos uma vez por mês, por volta das dezessete horas, e normalmente ficava trabalhando até meia-noite. No entanto, raramente chagava-se aos assuntos considerados mais importantes pelos membros do conselho: políticas educacionais; dirigir a faculdade; ou o relacionamento entre administração, alunos e professores.


Em vez disto, o tempo era tomado por discussões sobre licença-maternidade para professoras de espanhol, isenção de taxas para estudantes estrangeiros, promoções de pessoas sobre as quais nunca ouviu-se falar, ou aquisição de um terreno para construção do novo estacionamento. Em geral, havia a tentativa de discussão os assuntos que sabidamente eram mais importantes, questões em que também Drucker considerava competentes. No entanto, toda vez os membros do conselho eram duramente lembrados pela representante do Conselho Estadual de Ensino Superior ( que participava de toda reunião ) que a lei estadual os restringia às trivialidades tediosas. Porém, ela também dizia que a lei estadual legislava sobre licença-maternidade, promoções e estacionamentos; assim, eles seriam aprovados independentemente de como o conselho votasse.


A mesma situação existe mesmo em grandes empresas. As reuniões do conselho raramente vão além de trivialidades semelhantes: aprovação de um conjunto de promoções já tornadas fato consumado; aprovação de orçamentos de curto prazo que poucos membros do conselho conseguiam entender; aprovação dos resultados operacionais dos últimos meses, quando já haviam virado coisa do passado; ou debates animados sobre o direito de um gerente de filial de assinar cheques.


Muitos membros de conselho que Drucker chegou a conhecer tinham as próprias histórias de frustração, confusão ou perda de tempo. Muitos já não estavam mais dispostos ( incluindo Drucker à época ) a atuar em conselhos, pois não acreditavam que podiam dar alguma contribuição naquelas circunstâncias.


Se for para os conselhos funcionarem com um propósito sério, algumas mudanças importantes se fazem necessária. Apenas mudar os participantes não tornará o conselho mais eficaz. Por exemplo, os gestores da indústria alemã veemente se posiciona contra a extensão da codeterminação. No entanto, todo administrador alemão com quem Drucker dizia ter conversado teria afirmado que a codeterminação não fez alguma diferença, seja na forma como o conselho funciona ( ou melhor, não funciona ), seja na forma como ele dirige sua empresa. De forma semelhante, o conjunto de membros do conselho representando grupos minoritários ou mulheres ( ou consumidores ) nos conselhos americanos não representou qualquer diferença observável na maneira como as empresas vinham sendo dirigidas já naquela época.


A crise dos conselhos não é um problema de pessoas certas, como as discussões atuais tacitamente concluem. Sempre que uma instituição funciona mal na forma tão consistente quanto os conselhos de diretores funcionaram em quase todo grande fiasco empresarial dos últimos oitenta ou noventa anos, é inútil culpar os homens. É a instituição que funciona mal. As grandes organizações complexas ( sejam empresas, universidades ou hospitais ) mudaram tanto que o conselho tradicional, previsto pela lei e pelos costumes, não funciona mais e não pode mais funcionar.


As normas para os conselhos na lei corporativa dos EUA, bem como na Europa Ocidental, foram escritas em meados do século dezenove. Elas supõem uma empresa que é pequena e regional, se não local. Ela possui um ou dois produtos. É possuída por um número muito pequeno de indivíduos, tanto por pessoas que as fundaram quanto por sues descendentes. Por sua vez, a participação na empresa é a principal, se não a única, propriedade destas pessoas ou de suas famílias. Assim, elas têm forte interesse no desempenho e sucesso da empresa. Nesta situação, o conselho pode ser aquilo que a lei espera que ele seja, isto é, conhecedor próximo dos assuntos da empresa. Além disto, ele pode definir o direcionamento da gestão.


No entanto, esta é uma instituição bastante diferente da corporação multinacional, com multiplicidade de mercados, produtos e tecnologias; com fábricas em vinte países, laboratórios de pesquisa em cinco países e equipes de vendas em sessenta países; com uma estrutura administrativa complexa, e com seu controle acionário ( como em todas as grandes empresas de capital aberto americanas ) nas mãos de procuradores, e não de proprietários.


O conselho da universidade retroage à pequena faculdade pertencente a um grupo religioso e foi originalmente concebido para ligar a congregação protestante à sua própria instituição educacional. Comparando isto com as grandes universidades de hoje, com seus vinte e cinco mil alunos, quatro mil professores e oito mil outros empregados; suas seis camadas hierárquicas de vice-presidentes, diretores e presidentes; suas quarenta escolas e grandes departamentos; e seu orçamento de cem milhões de dólares. o conselho do passado se transforma em uma piada velha.


O conselho do hospital ainda reflete o tempo ( há pouco mais de um século ) em que o hospital era principalmente um lugar para o pobre morrer com o mínimo de decência. Naquela época, fazia sentido um conselho de hospital encarregado pela solicitação de doações de caridade da comunidade. Atualmente, o hospital é o centro de assistência médica e de avançada tecnologia médica da comunidade. É também a mais complexa instituição humana das redondezas, com uma profusão de serviços e profissões de assistência médica com que ninguém jamais sonhou há noventa anos. Quase toda a receita vem do pagamento de terceiros: do governo, da Blue Cross ou de seguro-saúde privado ( e vez de caridade ou pagamento direto de pacientes ). Um conselho composto por cidadãos locais bem-intencionados dispostos a emprestar seus nomes nos esforços de levantamento de fundos dificilmente poderia ser apropriado.


Certamente, o conselho não consegue fazer aquilo que a lei diz que ele deveria fazer, ou seja, administrar. Administrar qualquer uma das instituições complexas de hoje é um trabalho em tempo integral, e não para amadores, mesmo bem-intencionados, ágeis e experientes na direção de suas próprias instituições.


Mas onde isto deixa o conselho? Ele possui alguma função, ou é obsoleto?


Suas pessoas completamente diferentes, como John D. Rockfeller, pai do Standart Oil Trust, que pertence á história e ao folclore americano, e Franklin D. Roosevelt, pai do New Deal, consideravam os conselhos tradicionais puro excesso de peso. Ambos tentaram eliminá-los. Rockfeller precisou ter um conselho para sua companhia ( a lei assim o exigia ). Mas ele contornou a lei criando o conselho interno de executivos da companhia que se reunia cerca de uma vez por semana, mas que eram gestores da empresa no restante do tempo. Franklin D. Roosevelt, quando estabeleceu a Tennessee Valley Authority ( TVA ), vetou um conselho externo de diretores em tempo parcial. Em vez disto, deu ara a TVA o tipo de conselho interno no estilo Rockfeller de gestores em tempo integral. Ambos utilizaram os mesmos argumentos: "Existe um trabalho gerencial a ser feito. Isto requer trabalho em tempo integral e concentração exclusiva nos assuntos da empresa. Não se qualificam pessoas de fora em tempo parcial.".


Muitos executivos argumentaram que a única função do conselho atual é aquela que a Constituição americana determina para o vice-presidente: ficar sem um trabalho real até que haja uma crise de sucessão. Os conselhos modernos tendem a entrar em ação somente quando a gestão entra em colapso, seja pela morte do dirigente ou por seu absoluto fracasso.


Apesar do apêndice anacrônico em que muitos conselhos se transformaram, existe a necessidade de um conselho externo verdadeiramente eficaz e independente para as instituições grandes e complexas, sejam elas empresas privadas ou de serviço público. A necessidade não está principalmente ancorada no interesse público ou no desejo de tornar os conselhos democráticos. A necessidade não está principalmente ancorada no interesse público ou no desejo de tornar os conselhos democráticos. A necessidade é, acima de tudo, a da própria instituição: ela não pode funcionar bem em toda a sua complexidade a menos que conte com um conselho eficaz.


Se for necessária alguma prova disto, os escândalos de suborno de anos recentes 9 por exemplo, Lockheed ) as fornecem. Ali não era uma gestão pilhando uma empresa: pelo contrário, aquilo que a gestão fez foi pelos interesses da companhia e de seus empregados; e com respeito às vendas de aviões militares, até mesmo pelo interesse do país, de sua política externa e por seu balanço de pagamentos. Nenhuma lei conseguiria ter evitado estas ações. No entanto, qualquer pessoa de fora com objetividade teria visto, quase de imediato, que estes subornos eram grosseiramente antiéticos e irresponsáveis ( e que iriam, inevitavelmente, em u prazo não muito longo, prejudicar a companhia, ou até mesmo destruí-la ). Este tipo de irresponsabilidade ( e a irresponsabilidade bem-intencionada é o pior tipo ) somente um conselho externo poderia evitar.


Existem seis funções essenciais das quais somente um conselho eficaz pode se encarregar.


Em primeiro lugar, as instituições precisam de uma gestão forte e competente. Somente um conselho forte, eficaz e independente pode assegurar competência administrativa. Um conselho forte é necessário para remover uma alta administrativa que não seja totalmente competente. E somente um conselho forte pode forçar os dirigentes a fazerem planos adequados para preparar, treinar e testar sucessores para a alta administração.


A sociedade depende demais das instituições grandes e complexas para largar a alta administração à sua sorte. Hoje, no entanto, especialmente nas grandes companhias de capital aberto, o CEO, uma vez instalado, só pode ser removido através de um desastre ou de trombose das coronárias. é raro o conselho que ouse remover um presidente que serja meramente incompetente, quanto mais um que seja medíocre. No entanto, todas as partes interessadas das instituições importantes ( sejam elas acionistas, empregados, clientes ou contribuintes ) precisam ter uma razoável certeza de que a gestão de fato presta contas para um órgão independentemente de supervisão, auditora e controle, isto é, para um conselho genuíno.


Em segundo lugar, é necessário haver um órgão independente para garantir que perguntas cruciais sejam feitas: Qual é o negócio da organização e qual deveria ser? Qual é a missão? quais são os resultados válidos neste empreendimento? Quem é o público e quem são as partes interessadas na organização, e o que podem legitimamente esperar desta instituição? Quais são as principais correntes para o futuro? O que deve ser abandonado ou perder ênfase? Que novas coisas são necessárias?


Depois há as questões sobre as necessidades básicas de sobrevivência da instituição. De quanta inovação ela precisa para não se tornar obsoleta? Qual o crescimento mínimo necessário para ela não ficar marginal no mercado? Como distinguir entre crescimento que apresenta força e capacidade de desempenho e crescimento que seja meramente gordura ( como foi boa parte do crescimento dos anos sessenta em todas as instituições )? Ou o crescimento que é, na verdade, uma doença maligna degenerativa? Quanto de lucro é necessário para cobrir o custo de capital, fornecer o prêmio para os riscos do futuro e o capital necessário para os empregos do futuro?


Certamente, só a gestão consegue responder a estas perguntas. Mas alguém precisa garantir que elas estejam sendo feitas e analisadas. Os gestores tendem a adiá-las por um motivo perfeitamente razoável. Afinal, eles precisam primeiro operar os assuntos do dia-a-dia da instituição. e a crise operacional diária é algo previsível em qualquer instituição, especialmente nas grandes e complexas.


Em terceiro lugar, a instituição precisa de uma consciência. Ela precisa de um guardião dos valores morais e humanos e uma corte de apelação contra a tirania e o capricho, ou a igualmente prejudicial indiferença da rotina burocrática. Ela precisa de alguém de fora do trabalho cotidiano e das relações diárias que esteja preocupado com o que a instituição representa, quais são seus valores, o que ela considera certo e errado. Na instituição grande e complexa, o CEO raramente consegue desempenhar este papel, no mínimo porque precisa dar apoio aos associados na gestão, mesmo quando acha que eles estão sendo desleixados, insensíveis ou estão agindo errado. Afinal, o CEO precisa conviver com eles. A função consciência precisa de alguém que possa agir com independência e que tenha condições de ditar regras mesmo contra as pessoas mais valiosas e poderosas na organização. No entanto, no caso da Lockheed e de outros escândalos de subornos, as questões de consciência claramente nunca haviam sido feitas pelos vários conselhos ( da mesma forma que raramente nunca haviam sido feitas pelos vários conselhos ( da mesma forma que raramente são feitas pelos conselhos de hospitais ou universidades ).


Isto requer que os membros dos conselho ser reúnam regularmente com pessoas da organização que não pertençam à alta administração: com a média gerência, os encarregados e representantes sindicais; com professores e alunos; com estagiários, residentes, enfermeiras e pessoal de reabilitação física. Sua principal tarefa nestes encontros é escutar, no mínimo para saber o que está sendo feito corretamente e onde estão os pontos fortes. Principalmente, cabe ao conselho tornar claro, em geral só por sua presença, que alguém se preocupa com os valores, os padrões e a justiça.


Quase todos os executivos recuarão diante desta ideia. reclamarão que esta ação do conselho contornando a administração mina a autoridade da gestão. O perigo realmente existe. No entanto, o conselho mais antigo dos EUA, o Overseers of Harvard, tem sido feito exatamente isto por trezentos e cinquenta anos sem afetar a universidade. A maioria dos trinta membros do Conselho ( cada um deles ex-aluno eleito por todos os graduados ) dedica cerca de quinze dias por ano como membro do Comitê de Visita de uma escola ou departamento. Eles se reúnem com os professores e, com bastante frequência, com estudantes, fazendo uma auditoria no nível e direcionamento do ensino e da pesquisa, ouvindo ideias, propostas e reclamações e depois relatando para todo o Conselho de Overseers e para a administração da universidade. Além de levantar dinheiro, esta é a principal atividade dos Overseers.


Em quarto lugar, a própria gestão necessita de um conselho externo eficaz. Os gestores mais graduados precisam de pessoas com quem possam conversar em confiança, ponderar, pensar em voz alta. Eles precisam de pessoas com quem possam compartilhar suas questões, dúvidas e incertezas. Dentro de uma grande organização, não importando se ela é permissiva ou democrática, as pessoas da alta administração estão, necessariamente, isoladas e rigidamente circunscritas. Qualquer CEO precisa estar com a guarda levantada ao discutir seus pensamentos com os associados ou subordinados. Pois toda grande organização é uma fábrica de boatos, que interpreta bem ou mal até o comentário mais casual feito pelo chefe e o trata como um comando  ou uma decisão.


No entanto, mesmo o CEO mais decidido não consegue chegar a uma decisão sem muitas dúvidas e hesitações, sem pesar as alternativas, sem argumentar consigo mesmo. Um conselho eficaz que entenda a instituição, suas oportunidades e seus problemas ( e que, no entanto, esteja separado dos problemas em si ) não aliviará o CEO da solidão do comando. Mas, sem um conselho genuíno, o pessoal da alta administração fica prisioneiro das próprias posições.


Em quinto lugar, a administração de uma grande instituição precisa de uma janela que abra para o mundo exterior. Inevitavelmente, ela enxerga sua própria instituição como grande e importante, e o restante do mundo como pequeno ( se é que chega a enxergar o restante do mundo ). No entanto,  mente hospitalar, a mente universitária e a mente empresarial, embora inevitável, são tão limitadas quanto a mente militar dos generais. As pessoas da alta administração dentro de organizações grandes e complexas não conseguem chegar facilmente ao mundo real exterior. Portanto, precisam se certificar de que o mundo real consiga chegar até elas. Precisam de canais de percepção externa ( os grandes mestres na construção deles, a propósito, foram dois presidentes americanos - Abraham Lincoln e Franklin D. Roosevelt - que consultavam seus gabinetes de cozinha de pessoas independentes de fora da administração, para constante desgosto e escândalo de seus colegas oficiais de gabinete ).


Finalmente, as grandes instituições precisam ser entendidas pelos que representam as partes interessadas e pela comunidade. nenhuma pessoa de fora realmente entende o que está acontecendo no décimo-quarto andar ou na sala do presidente. Aquilo que parece tão óbvio para quem toma decisão no escritório executivo normalmente não é entendido pelo público de fora, a começar pelas pessoas que ocupam posições de responsabilidade dentro da organização.


Estas funções requerem um conselho bastante diferente daquele que foram herdados do século dezenove. Acima de tudo, os conselhos precisam aceitar a ideia de que possuem responsabilidade e, com ela, o seu próprio trabalho específico. Caso contrário, não conseguirão realizar nada. A primeira prioridade na modernização não é a mudança nos participantes do conselho.


Talvez a coisa mais importante seja aliviar os conselhos da maioria ( em alguns casos, de todas ) das tarefas de que são encarregados atualmente. A maior parte dela é trivial. Se o conselho realmente tiver de discuti-las, o tempo de três horas por ano deve ser suficiente.


Em seguida, vem a tarefa de desenvolver o plano de trabalho apropriado para o conselho: a avaliação sistemática dos executivos e de seu desempenho; a revisão sistemática de planos, políticas e direcionamento; a reflexão sistemática sobre grandes decisões. Não é suficiente, mesmo no caso do conselho mais capaz, reunir-se uma vez por mês com uma agenda preparada pela alta administração e oferecer sua sabedoria e conselhos. O conselho precisa trabalhar. Deve haver objetivos e metas contra os quais o conselho possa medir o próprio desempenho ( algo que praticamente não se ouve hoje ). Nas instituições maiores e mais complexas, o conselho provavelmente precisa de uma pequena equipe própria, da mesma forma que, por exemplo, os comitês do Congresso Nacional ( CN ) dos EUA desenvolveram equipes de apoio.


Quem deve pertencer aos conselhos? A começar, com algumas negativas. A maioria das pessoas que, tradicionalmente, sentam nas reuniões não deveria pertencer de forma alguma aos conselhos. Ninguém que seja fornecedor, tanto de bens quanto de serviços, deveria se sentar no conselho de uma instituição pela qual esperam ser pagos. Isto exclui o advogado, o banqueiro, o corretor e o consultor. Todos eles possuem possíveis conflitos de interesses entre seu papel como fornecedores e sua participação no conselho. a regra de orientação deve ser aquela do contador público, cujo cânone ético o proíbe de servir de qualquer companhia em que ele possa via a fazer auditoria.


Funcionários aposentados de uma companhia não pertencem ao conselho. Se sua experiência e orientação forem para ter um uso produtivo ( e isto, em geral, é altamente desejável ), deve-se adorar a prática japonesa e retê-los como consultores. No entanto, a pessoa não pode se aposentar e ainda supervisionar seu sucessor.


Até mesmo os membros do conselho mais fortemente procurados ( o presidente de uma companhia de mesmo porte, mas em outro campo de atividade ) não têm de estar em algum conselho. Dirigir uma companhia, ainda que de porte médio, é uma atividade que exige demais para liberar tempo para o trabalho sistemático que a participação em um conselho exige. Existe muito a ser feito para querer um membro de conselho ( não importa ao quão capaz ele seja ) que participe de uma grande quantidade deles - Hermann Abs, por exemplo, ex-chefe do maior banco da Alemanha, participava de cerca de cento e cinquenta conselhos de empresas ao mesmo tempo.


Já a definição de quem deveria efetivamente participar de um conselho é bem menos clara. Um motivo é que o mesmo conselho precisa de dois tipos deferentes de pessoas.


O primeiro tipo é o de representantes dos diversos grupos de interesse - investidores, empregados, clientes e outros grupos da comunidade. Estas pessoas são necessárias não porque as instituições devam representar a sociedade. A instituição precisa deles para trazer o mundo exterior para dentro dos campos de visão e de percepção isolados da administração, e também para facilitar a comunicação com um público cada vez mais fragmentado.


Tanto as políticas de codeterminação europeias quanto as tentativas bem mais pragmáticas dos americanos de trazer grupos de interesse para participar do conselho abordam um problema genuíno. Dos dois, talvez a abordagem americana faça mais sentido, apesar de toda a sua improvisação desajeitada. Ela reconhece que a instituição moderna possui uma grande quantidade de grupos de interesse distintos. A codeterminação, por outro lado, sujeita todos os grupos e interesses na comunidade e na economia ao interesse do produtos, representado pelo interesse dos investidores e empregados. Peter Ferdinand Drucker dizia acreditar que isto é bem mais um cartel de produtores direcionado contra o consumidor do que a democracia industrial que pretende ser.


O curioso é que, na maioria das discussões sobre representação de grupos de interesse, o maior, mais importante e menos representado raramente é mencionado. Isto é, os novos proprietários das grandes empresas dos EUA, os fundos de pensão dos assalariados do país. A retórica populista acusa os atuais conselhos de corporações de representarem somente os acionistas e de negligenciar os outros interesses da sociedade. No entanto, na típica corporação americana, o maior acionista não está representado raramente está representado.

Atualmente, os fundos de pensão possuem cerca de trinta por cento do capital das corporações listadas em Bolsa e provavelmente ainda mais do capital próprio das mil maiores. Isto já é suficiente para lhes dar o controle efetivo. Dentro de poucos anos, apenas pelo resultado da Lei de Reforma Previdenciária, eles acabarão possuindo cinquenta por cento ou mais. Mas o fundo, embora legalmente um proprietário, é um investidor. As pessoas que o dirigem são curadores. Eles não querem nem estão autorizados a sentar em um conselho; fazer isto seria uma violação de sua responsabilidade fiduciária. Seu dever é vender uma ação o mais rápido possível se não gostarem de uma companhia, de suas perspectivas ou da maneira como estiverem sendo administradas.


Porém, quem representa os proprietários, ou seja, os empregados da nação e seus fundos de pensão? E como? Este é um dos problemas mais importantes e mais difíceis que são enfrentados em relação à composição de conselhos de grandes empresas.


Não importa quais grupos de interesse são considerados com direito à representação no conselho, os membros que os representam serão essencialmente consultores, em vez de tomadores de decisão. Pois eles possuem um conflito de interesses e de lealdades inerente entre o dever como membros do conselho ( isto é, seu dever para com a instituição ) e sua responsabilidade junto aos grupos de interesse.


Uma ilustração. O CEO da Volkswagen da Alemanha ( empresa que passava por sérias dificuldades, há anos ) foi forçado a sair da companhia pelos membros dos sindicatos de seu conselho por haver proposto a construção de uma linha de montagem nos EUA. Os membros dos sindicatos concordavam que o mercado americano era o único bom mercado que havia sobrado para o Fusca, que embora obsoleto e quase invendável na Europa, ainda era, na época, o esteio da Volkswagen. os membros dos sindicatos também concordavam que os custos alemães haviam aumentado tanto que as exportações da Volkswagen não conseguiram competir nos EUA, ou somente por preços bem abaixo dos custos. No entanto, estes mesmos membros dos sindicatos disseram que não poderiam votar pelo melhor interesse da companhia, ainda que a sobrevivência em longo prazo da empresa estivesse em jogo. Em vez disto, teriam de votar de acordo com os interesses imediatos dos trabalhadores da Volkswagen e, portanto, se opor à exportação de empregos. Passados dez anos, mesmo os membros dos sindicatos do conselho da Volkswagen tiveram de aceitar a necessidade de uma fábrica nos EUA. Mas naquela época, a Volkswagen já havia perdido boa parte de seu mercado norte-americano. se vão conseguir retomar este mercado construindo uma linha de montagem com dez anos de atraso, é algo para ser comprovado; pois o mercado que a visão curta dos sindicatos perdeu para a Volkswagen foi ocupado pelos japoneses.


Nos EUA, alguns dos negros que foram eleitos para os conselhos de companhias enxergam seu papel como representantes da comunidade negra dentro e fora da companhia. Outros dizem que ser negro não tem nada a ver com sua atuação como diretor; eles consideram o interesse da companhia primordial. Mas Peter Ferdinand Drucker dizia, já naquela época, ter conhecido pessoalmente vários jovens negros muito competentes que, de forma categórica, se recusam a participar dos conselhos. Eles não viam isto como um modo de resolver o conflito ainda existente naquela época.


Os representantes de grupos de interesse que chegam mais perto da compreensão do problema são os conselhos suecos - ideologicamente, a propósito, os mais à esquerda de qualquer um dos participantes da nova geração entre os membros de um conselho. Quando foi aprovada a lei colocando seus representantes nos conselhos de companhias suecas, os sindicatos organizaram uma escola para diretores de companhia com um corpo docente composto por banqueiros, presidentes de companhias e diretores de companhias da Suécia. Os membros, explicou na época um de seus líderes, precisam aprender a servir de cujo conselho participam, atuando como consultores especializados, em vez de continuarem porta-vozes dos trabalhadores; caso contrário, perderão de imediato toda a integridade o verdadeiro órgão diretor.


Nas instituições maiores e mais complexas, estes membros precisarão dedicar bastante tempo e trabalho para seus conselhos. No mínimo, esta dedicação poderia ser de quatro a cinco dias por mês ( de quarenta a cinquenta dias por ano ). Em outras palavras, a tarefa requer vários membros profissionais em cada conselho. Cada profissional só poderia participar de um número bem pequeno de instituições. Devem ser eleitos por um período suficientemente longo para se familiarizar com a instituição; talvez de cinco anos ou seis anos. Provavelmente não deverão ter direito à reeleição imediata, para não ficarem presos à gestão. Devem ser bem pagos. Um membro profissional do conselho deve ganhar por suas quatro ou cinco participações em conselhos tanto quanto um executivo sênior posicionado na alta gerência.


Tais membros profissionais de conselhos ainda são bastante raros. Mas os dias de amadorismo estão claramente chegando a fim. Tanto a Comissão de Valores Mobiliários ( CVM do Brasil ou SEC dos EUA ) quanto os tribunais estão endurecendo as responsabilidades dos diretores, a ponto de ficar bastante arriscado participar de um conselho, exceto como uma tarefa séria e dedicada.


A participação no conselho costumava ser uma espécie de honra; normalmente não remunerada, mas um sinal de distinção. Os conselhos costumavam ser lugares acolhedores em que as pessoas se reuniam uma vez por mês por algumas horas e apoiavam as propostas da gestão. A mudança destes conselhos não é uma tarefa a ser feira principalmente pela lei ou pela alteração de seus participantes. É algo muito maior: mudar as tarefas e o trabalho do conselho pelo bem da própria instituição. Trata-se principalmente de um desafio para a alta administração. Pois o próprio funcionamento e legitimidade da gestão dependerão cada vez mais de um conselho independente e eficaz. Outras informações podem ser obtidas no livro Rumo à nova economia, de autoria de Peter F. Drucker.


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/conselho-de-administra%C3%A7%C3%A3o-um-lugar-para-pessoas-eficazes-e-independentes .

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