quinta-feira, 7 de março de 2019

Remuneração de executivos: sensata e retratando a realidade econômica

Medida em dólares constantes pós-imposto sobre a renda de qualquer natureza ( IR ), a remuneração de executivos corporativos, pelo menos nos Estados Unidos da América ( EUA  ), vem caindo de forma relativamente contínua nos últimos setenta anos. E a distância entre a remuneração real líquida - isto é, depois de descontado o IR - de altos executivos e a de todos os outros empregados - do pessoal em geral até o nível de média gerência - vem mais diminuindo do que aumentando neste mesmo período.

No entanto, quase ninguém conhece os fatos e quase ninguém acredita neles. A crença geral é de que a remuneração dos executivos aumentou tanto e tão rápido que se tornou excessiva, e a desigualdade da remuneração nas corporações americanas e de renda na economia americana está continuamente aumentando, não diminuindo.

Um dos motivos desta impressão generalizada é a inflação e seu impacto sobre a renda num sistema de impostos progressivos como o dos EUA. Conforme a renda aumenta, ainda que a renda real permaneça contante ou caia, aumentam as alíquotas de IR.

Em mil novecentos e setenta e sete, um trabalhador comum da indústria americana ganhava o dobro do salário de mil novecentos e sessenta e sete, e, somados os benefícios, seu custo para o empregador correspondia a pelo menos duas vezes e meia o que era em mil novecentos e sessenta e sete, por exemplo. Mas seus impostos tinham, no mínimo, triplicado, em especial porque, em muitos lugares, impostos estaduais e municipais vieram se somar aos impostos federais. Esta ação de corte de renda não afetou, porém, os integrantes da faixa mais alta de renda - as pessoas com renda familiar anual de cem mil dólares ou mais, uma vez que o imposto federal está limitado a cinquenta por cento dos rendimentos auferidos no trabalho, pelo menos na realidade dos EUA.

O segundo motivo de a remuneração de executivos ser amplamente vista como excessiva é o uso disseminado de artifícios tributários. Para proteger os executivos da voracidade arrecadatória, as corporações lançaram mão de todos os meios legais de economia fiscal e de todas as brechas da legislação tributária, criados pela própria lei e pelos operadores do direito.

Opções sobre ações são apenas um exemplo. A maioria dos executivos sabe que as explicações dadas para estes artifícios são pura conversa. Peter F. Drucker dizia, em mil novecentos e setenta e sete, que estava por encontrar um único executivo que acreditasse realmente que opções sobre ações serviam de incentivo ou estimulavam o desempenho. Todos sabem que elas são pura elisão fiscal - um meio legal de sonegar impostos. Na verdade, Drucker dizia ter chegado a participar de discussões entre uma empresa e um executivo que ela queria contratar, as quais trataram exclusivamente da soma líquida ( depois de descontado o IR ) que o executivo receberia, após o que a empresa passou o desenho do pacote certo para seus advogados tributaristas ou contadores.

Mas é difícil resistir à tentação. E, assim, os planos de remuneração de executivos ficaram tão enfeitados pelos artifícios tributários que perderam toda a sua forma e coerência.

As consequências disto tudo não tem sido nada saudáveis. Em especial em períodos de inflação, estes artifícios tributários tendem a impedir decisões responsáveis. Até nos primeiros anos da inflação, no início e nos meados da década de setenta, a maioria das empresas sabia que suas contas publicadas não representavam devidamente a realidade econômica. Elas sabiam, por exemplo, que demonstravam lucros de estoque que eram pura inflação ou que demonstravam lucros que representavam subdepreciação.

No entanto, toda vez que alguém queria ajustar as contas para a realidade econômica, era barrado, por medo de que o ajuste fosse interferir no valor das opções de ações ou dos bônus de participação nos lucros. "Claro que eu faria isso se fosse só eu", Drucker chegou a dizer ter ouvido de mais de um presidente dizer, "mas não posso fazer isso com os meus colegas".

Externamente, o efeito era ainda pior. Estas coisas criaram - e como razão - a impressão de que os executivos são gananciosos, de que só querem engordar o próprio bolso à custa da empresa e de que estão passando a mão no dinheiro dos acionistas, funcionários e clientes.

Ao mesmo tempo, artifícios tributários não funcionam. Nas poucas empresas que Drucker chegou a conhecer que resistiram á tentação de subornar a racionalidade econômica à elisão fiscal na estruturação da remuneração de executivos - as poucas empresas que remuneram em dinheiro atual ou dinheiro diferido e nada mais - , os executivos que não possuíam opções ou ações fantasmas, ou qualquer dos outros complicados artifícios de elisão fiscal, provavelmente se deram tão bem quanto os executivos cobertos por planos de remuneração que muito habilmente tiravam vantagem de toda e qualquer brecha da legislação fiscal oferecida por um governo benevolente.

Sim, as opões sobre ações funcionaram magnificamente durante o período de alta do mercado. Mas, durante um período de dez anos, de mil novecentos e sessenta e seis a mil novecentos e setenta e seis, por exemplo, os executivos que não possuíam opções ou ações fantasmas, ou qualquer dos outros complicados artifícios de elisão fiscal, provavelmente se deram tão bem quanto os executivos cobertos por planos de remuneração que muito habilmente tiravam vantagem de toda e qualquer brecha da legislação fiscal oferecida por um governo benevolente.

Por fim, e talvez o mais importante, pouquíssimos altos executivos de pouquíssimas empresas bem grandes recebem quantias verdadeiramente enormes. Um pequeno número deles, em mil novecentos e oitenta e um, talvez não mais do que trinta, tem um pacote de remuneração anual total que chega ao redor de um milhão de dólares, antes de descontado o IR. Um número maior, embora provavelmente não superior a mil, tem pacotes de remuneração de valor anual, antes de descontado o IR, de quinhentos mil dólares ou mais - incluindo salário, bônus, opções de ações, garantias de aposentadoria, indenização por rescisão do contrato de trabalho, entre outros.

Em termos econômicos, estes poucos salários altíssimos de executivos são bastante desimportantes. Em termos sociais, eles causam um estrago enorme porque recebem grande visibilidade e publicidade, sendo, portanto, considerados típicos e não como as extremas exceções que efetivamente são.

Estes poucos salários altíssimos vêm sendo explicados como a necessidade de pagar o preço de mercado aos executivos. Mas isto é uma bobagem, pelo menos no que opinava Drucker. Todo executivo sabe perfeitamente bem que é a lógica interna de uma estrutura hierárquica que os explica. O chefe de fábrica precisa receber anualmente quinze mil dólares fora aos benefícios ou vinte mil dólares incluindo os benefícios. E acredita-se que cada nível acima do chefe de fábrica precisa receber no mínimo quarenta por cento a mais. Se houver trinta níveis, o homem no topo da pirâmide quinhentos mil dólares a mais, não porque este seja seu valor de mercado, mas porque, do contrário, o chefe de fábrica não poderia receber seus quinze mil dólares anuais.

O dinheiro é um símbolo de status que define o lugar que o executivo ocupa na hierarquia corporativa. E, quanto maior o número de níveis, maior a remuneração que a pessoa do topo da pirâmide deve receber.

Isto acaba recompensando as pessoas por criar camadas adicionais de níveis gerenciais. Drucker dizia ter visto acontecer mais de uma vez: um gerente geral de divisão turbina em cinquenta por cento sua própria base de remuneração reorganizando sua divisão e criando cinco níveis onde antes havia três.

No entanto, os níveis gerenciais deveriam ser mantidos no patamar mínimo. Um plano executivo que recompensa os executivos por adicionar níveis gerenciais é uma ameaça à saúde da própria organização. Se salários altíssimos podem ser justificados unicamente porque a lógica dos níveis hierárquicos assim o determina, talvez o número de níveis precise ser reduzido. No mínimo dos mínimos, não deveria haver recompensa por amentar o número de níveis - e os salários enormes são exatamente isto.

O que se precisa fazer é bastante óbvio. O mundo empresarial precisa tomar a iniciativa de eliminar ou pelo menos aliviar a mordida do IR dos assalariados de baixa e média renda numa era inflacionária. A reforma tributária mais dotada de real significado - e, por sinal, aquela em que os sindicatos apoiariam as empresas - é ajustar as alíquotas de IR à taxa da inflação. Se isto não for feito, e. logo, o teto de cinquenta por cento de IR  - isto é o teto do IR incidente sobre a remuneração de executivos - estará praticamente fadado a desaparecer, pelos menos na realidade dos EUA.

Assim sendo, os executivos têm interesse pessoal direto em remover a sansão fiscal imposta aos baixos e médios rendimentos. E tal reforma seria também uma maneira eficaz de conter a inflação, ao remover o incentivo para o governo de aumentar automaticamente sua receita inflacionando a moeda.

Finalmente, a inovação mais radical, mas também a mais necessária, seria a publicação de uma política corporativa, ou seja, para empresas, fixando a remuneração máxima de todos os executivos corporativos, depois de deduzidos todos os impostos, porém incluindo todos os benefícios, como um múltiplo dos rendimentos do trabalho, pós-IR, do empregado efetivo de menor remuneração ( incluindo benefícios ).

O quociente exato, ou a relação exata, é menos importante do que o fato de que tal relação devera existir. Para uma empresa pequena, esta relação poderia ser de quinze para um, o que significaria um pacote de remuneração anual pós-IR de cento e cinquenta mil dólares a cento e oitenta mil dólares, ou cerca de trezentos mil dólares brutos, pré-IR - o que é mais alto que aquilo que empresas pequenas ou médias em regra pagam. Para a empresa de grande porte, um pacote de remuneração anual líquido, pós-IR, de duzentos e cinquenta mil dólares até o máximo de trezenos mil dólares - isto é um valor pré-IR de quatrocentos mil a quatrocentos e cinquenta mil dólares - representaria uma relação de vinte e cinco para um - e isto resolveria a questão no tocante a todas as empresas, exceto um pequeníssimo número de empresas de muito grande porte.

Mas até mesmo uma relação de trina para um - que equivalia em mil novecentos e setenta e sete a mais mo menos seiscentos mil dólares de remuneração anual pré-IR, incluindo todos os benefícios - ainda estaria bem abaixo do que empregados, líderes sindicais, professores universitários, jornalistas e médios gerentes acham que ela efetivamente é hoje. A maioria das pessoas a coloca no patamar de cinquenta para um ou até cem para um. Uma relação de cinquenta para um não é igualdade, mas esta relação está vem dentro da faixa que a maioria das pessoas no país, incluindo a grande maioria dos trabalhadores comuns, considera adequada e até desejável.

Deveria haver exceções, como na verdade é imperativo que haja. Um astro, seja ele um supervendedor de uma companhia seguradora ou o cientista de um laboratório de pesquisa que faz meia dúzia de descobertas altamente lucrativas, deve ser remunerado sem limitação de valor.

Também deveria haver, e Drucker dizia estar convencido disto, um grande prêmio extra acessível a qualquer pessoa, independentemente de nível de nível hierárquico ou cargo, que desse uma contribuição verdadeiramente extraordinária, muito além do dever do ofício. Toda organização precisa de um equivalente da Congressional Medal of Honor ( Medalha de Honra do Congresso Nacional dos EUA ) ou da Victoria Cross ( Cruz da Vitória ).

Se e quando o ataque à remuneração excessiva de executivos for lançado - e Drucker dizia temer muitíssimo que logo isso aconteceria ( se é que já não aconteceu ) - , as empresas reclamarão do analfabetismo econômico do público e lamentarão a hostilidade às empresas por parte do público. Mas as empresas só terão a culpar a si próprias. é de responsabilidade das empresas, mas também de seu interesse próprio, desenvolver uma estrutura de remuneração de executivos sensata, que retrate a realidade econômica e que declare e codifique a conquista das empresas americanas do século vinte: a contínua redução da distância de remuneração entre o chefão e o trabalhador comum. Outras informações podem ser obtidas no livro Os novos desafios dos executivos de autoria de Peter F. Drucker.

Mais em

http://www.administradores.com.br/artigos/economia-e-financas/remuneracao-de-executivos-sensata-e-retratando-a-realidade-economica/114313/ 

  

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