A intervenção de um ente desvinculado das partes principais de um processo é fenômeno tradicional no processo brasileiro. A intervenção necessária do Ministério Público ( MP ) coo custos legis ( * vide nota de rodapé ) se dá para proteger direitos essenciais ( *2 vide nota de rodapé ), zelar por interesses indisponíveis envolvidos no processo ou ainda em virtude do uso de garantias fundamentais ( *3 vide nota de rodapé ), como o mandado de segurança ou o habeas corpus. Entende-se que o MP, nessa condição, é guardião da ordem jurídica, não se vinculando inclusive à defesa incondicional do interesse que o atraiu ao processo. Sua missão de defesa da ordem jurídica é feita inclusive nos processos nos quais é Autor, c omo na ação penal pública incondicionada, na qual a atuação do MP perante os Tribunais se dá, em geral, sob a ótica do fiscal da lei ( *4 vide nota de rodapé ).
Assim, é comum a atuação do MP, na função de custos legis, na defesa de Direitos Humanos ( DH ).
Outra atuação em prol da defesa de DH seria a da Defensoria Pública atuando na função de custos vulnerabilis ( *5 vide nota de rodapé ), que consistiria na defesa das pessoas em situação de vulnerabilidade envolvidos no processo, independentemente da existência de advogado particular constituído. A justificativa para essa função da Defensoria está na presunção de desigualdade e fragilidade dessas pessoas. A origem etimológica e fragilidade dessas pessoas. A origem etimológica da vulnerabilidade advém de "vulnus", que, no latim, significa estar machucado, ferido, sendo o estado daquele que tem um ponto fraco e que pode ser ferido. A vulnerabilidade compreende o estado inerente de risco ou confrontação excessiva com a parte adversa, que pode ser permanente ou provisória, individual ou coletiva, mas que fragiliza o sujeito de direitos, desequilibrando a relação jurídica com a outra parte. É um instrumento que guia a atuação do legislador ou do julgador na aplicação de normas protetivas que reequilibram as relações jurídicas, em nome da justiça material ( *6 vide nota de rodapé ).
A atuação da Defensoria, então, serve para permitir maior equilíbrio no processo, preservando-se a igualdade material, mesmo que a pessoa em situação de vulnerabilidade 9 ou grupo de pessoas ) já tenha advogado constituído. Diferentemente do custo legis, o custo vulnerabilis não poderia, em tese, atacar a posição daquele interesse que o atraiu no processo, sob pena de se transformar, assim, em um segundo e desnecessário fiscal da lei. Ponto polêmico diz respeito ao tratamento a ser dado na existência de pessoas em situação de vulnerabilidade no dois polos processuais. Duas posições são possíveis:
1) não seria necessária a intervenção do custos vulnerábilis, sob pena de escolha indevida de um lado por parte da Defensoria;
2) caso a intervenção seja indispensável pela gravidade da disputa, dois defensores atuariam como custos vulnerabilis, cada qual na defesa de um polo processual.
Existiriam, de modo impolícito, três hipóteses legais de intervenção da Defensoria Pública como guardiã dos vulneráveis:
1) Artigo oitenta e um - A da Lei número Sete mil duzentos e dez / Mil novecentos e oitenta e quatro ( Lei de Execução Penal - LEP - , incluído pela Lei número Doze mil trezentos e três / Dois mil e dez ), que dispõe que "A Defensoria Pública velará pela regular execução da pena e da medida de segurança, oficiando, no processo executivo e nos incidentes da execução, para a defesa dos necessitados em todos os graus e instâncias, de forma individual e coletiva";
2) Artigo Quinhentos e cinquenta e quatro, Parágrafo Primeiro, do Código de Processo Civil ( CPC ), pelo qual " [ n ] o caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do MP e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública";
3) Artigo Cento e quarenta e um do Estatuto da Criança e do Adolescente ( ECA ), que prevê: "Artigo Cento e quarenta e um. é garantido o acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública, ao MP e ao Poder Judiciário ( PJ ), por qualquer de seus órgãos.
A interpretação restritiva desses dispositivos, contudo, pode acarretar a conclusão de que caberia a intervenção da Defensoria somente no âmbito de seu papel constitucional de assegurar a assistência jurídica integral às pessoas em situação de vulnerabilidade: caso estes já contem com advogado particular a vulnerabilidade já seria sanada.
A jurisprudência do STF não parece ter se sensibilizado sobre a existência de custos vulnerabilis. No maior teste da tese, o Ministro Ricardo Lewandowski, em decisão monocrática no habeas corpus coletivo em favor das mulheres grávidas ou gestantes presas, admitiu a intervenção da Defensoria Pública da União ( DPU ) como impetrante e das demais Defensorias Públicas como amici curiae ( *8 vide nota de rodapé ) e não como custos vulnerabilis como pleiteado ( STF, Habeas Corpus coletivo número Cento e quarenta e três mil seiscentos e quarenta e um, relator Ministro Ricardo Lewandowski, decisão monocrática de Dezenove de dezembro de Dois mil e dezessete - *9 vide nota de rodapé ). Em Dois mil e dezenove, em outro teste da tese em caso de grande repercussão, a DPU requereu seu ingresso na Extradição número Mil quinhentos e setenta e oito ( *10 vide nota de rodapé ) como custos vulnerabilis ou como amicus curiae, tendo o relator, Ministro Edson Fachin, determinado o ingresso somente como amicus curiae ( STF, Extradição número Mil quinhentos e setenta e oito, relator Ministro Edson Fachin, decisão monocrática de Dezessete de junho de Dois mil e dezenove ). Por outro lado, no Superior Tribunal de Justiça ( STJ ), houve o reconhecimento, em setembro de Dois mil e dezenove, pela sua Segunda Seção, da atuação da DPU como custos vulnerabilis. Tratou-se de interposição de embargos de declaração da DPU em recurso especial ( RE ) repetitivo sobre tema de defesa de consumidores ( *11 vide nota de rodapé ) de plano de saúde em face da delonga ( *12 vide nota de rodapé ) da Agência nacional de Vigilância Sanitária ( ANVISA ) no registro e autorização de medicamento. Como a DPU havia sido admitida como amicus curiae, a interposição de embargos de declaração não deveria, teoricamente, ser conhecida, porque o ato de recorrer extrapolaria os poderes de um "amigo da Corte". Contudo, reconheceu-se que " ( ... ) a atuação da Defensoria pública, mesmo na condição de amicus curiae, tem, tem evoluído para uma intervenção ativa no processo em nome de terceiros interessados no êxito de uma das partes ( STJ, Embargo de Declaração - EDcl - no Recurso Especial - REsp - número Um milhão setecentos e doze mil cento e sessenta e três / São Paulo, relator ministro Moura Ribeiro, Segunda Seção, julgado em Vinte e cinco de setembro de Dois mil e dezenove, publicado no Diário da Justiça eletrônico de Vinte e sete de setembro de Dois mil e dezenove ). Com essa intervenção ativa da condição de custos vulnerabilis da Defensoria Pública advém o poder de recorrer, tal qual ocorre com a figura do custos legis do MP.
É pacífica a possibilidade de a Defensoria Pública, tal como as organizações não governamentais, intervir como amicus curiae ( amigo do Tribunal ), tal como preconiza o Artigo Cento e trinta e oito do CPC, nas causas de DH. Utiliza-se o binômio "tipo do tema em debate" ( relevante, específico ou com repercussão social ) e ainda "representatividade adequada" ( este último preenchido obviamente pela Defensoria Pública, pela sua missão constitucional ) para aferir a possibilidade de intervenção do amicus curiae. Contudo, não há a possibilidade de interposição de recursos ( salvo recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas ), cabendo ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae.
P.S.:
Notas de rodapé:
* O significado da expressão latina custos legis, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/01/direitos-humanos-os-pareceres.html .
*2 Os direitos essenciais, no contexto dos Direitos Humanos, são melhor detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-protecao-dos-direitos.html .
*3 As garantias fundamentais, no contexto dos Direitos Humanos, são melhor detalhadas em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-classificacao-dos-dh.html .
*4 nessa linha, ver o seguinte precedente do Supremo Tribunal Federal ( STF ): "Há de se distinguir no processo penal duas formas de atuação do MP. A primeira como dominus litis e outra como custos legis. O promotor de justiça agiu como titular penal ao oferecer denúncia e contrarrazões á apelação aviada. Já no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais ( TJMG ) e no Superior Tribunal de Justiça ( STJ ) atuaram o procurador de justiça e o subprocurador-geral da República como fiscais da lei. Não há contraditório a ser assegurado após a manifestação ministerial, pois não houve ato de parte e sem do fiscal da lei. Não havendo contraditório, não há quebra de isonomia quanto aos prazos" ( habeas Corpus número Oitenta e um mil quatrocentos e trinta e seis, voto do relator Ministro Néri da Silveira, julgado em Onze de dezembro de Dois mil e um, Segunda Turma, Diário da Justiça de Vinte e dois de fevereiro de Dois mil e dois e Recurso de Habeas Corpus número Cento e sete mil quinhentos e oitenta e quatro, relator Ministro Luiz Fux, julgado em Quatorze de junho de Dois mil e onze, Primeira Turma, Diário da Justiça eletrônico de Vinte e oito de setembro de Dois mil e onze ).
*5 Custos vulnerabilis: guardião dos vulneráveis.
*6 Marques, Cláudia Lima. A pessoa no mercado e a proteção dos vulneráveis no direito privado brasileiro. In: Mendes, Gilmar Ferreira; Grundmann, Stefan; Marques, Cláudia Lima, Baldus, Christian e Malheiros, Manuel. Direito privado, Constituição e fronteiras. Encontros da Associação Luso-Alemã de Juristas no Brasil. Segunda edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, Dois mil e quatorze, Páginas Duzentos e oitenta e sete a Trezentos e trinta e um em especial as Páginas Trezentos e dezessete a Trezentos e dezoito.
*7 O direito à assistência jurídica integral, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/07/direitos-humanos-doutrinas-e_9.html .
*8 O significado da expressão latina amici curiae, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-separacao-dos-poderes.html .
*9 In verbis: " "Defiro o ingresso, como amici curiae, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais 9 IBCCRIM ), o Instituto Terra Trabalho e Cidadania ( ITTC ) e a Pastoral Carcerária nacional ( PCN ), bem como de todas as Defensoria Públicas Estaduais ( DPE ) que vierem a requerer sua admissão nos autos. Anote-se".
*10 In verbis: "Em Quatorze de junho de Dois mil e dezenove, ( ... ) os pedidos de admissão ( ... ) de amicus curiae da DPU, do Centro Cultural Brasil-turquia 9 CCBT ) e da Associação de DH em Rede - Conectas DH. ( ... )".
*11 A defesa de consumidores, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/05/direitos-humanos-doutrinas-e_19.html .
*12 O direito á razoável duração dos processos, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/07/direitos-humanos-doutrinas-e_12.html .
Nenhum comentário:
Postar um comentário