O direito à privacidade ( * vide nota de rodapé ) possui limites, que levam, em determinadas situações, à prevalência do direito à informação ( *2 vide nota de rodapé ), sendo inadmitida a censura pública ou privada. Na atualidade da sociedade da informação, na qual os registros de fatos ocorridos no passado podem ser facilmente coletados por mecanismos de busca, discute-se se a passagem do tempo pode transformar um fato que outrora possui interesse público em um fato abarcado pelo direito à privacidade.
Surge, então, como desdobramento do direito à privacidade, o direito ao esquecimento, que consiste na faculdade de se exigir a não publicização de fato relacionado ao titular de fato relacionado ao titular, cujo interesse público esvaneceu pela passagem do tempo.
O "direito ao esquecimento", ( right to be forgotten, droit à l'oubli, el derecho al olvido ) possui duas facetas: a de não permitir a divulgação ( right of oblivion ) e a de buscar a eliminação do fato registrado, que, em virtude do tempo passado, não mais pode ser considerado público, exigindo a autorização do titular para que conste de bancos de dados ( right to erasure, autodeterminação do titular para que conste de bancos de dados ( right to erasure, autodeterminação informativa ).
O direito ao esquecimento, então, é importante tema em um mundo no qual a informação ( inclusive pessoal ) tem valor econômico ( para fornecedores, empregadores, meios de comunicação etc. ), fazendo com que haja o choque entre o direito à privacidade e a autodeteminação informativa de um lado, e o direito de informação de outro, em um contexto diferente no qual a a jurisprudência, nacional e internacional, inclina-se a reconhecer a prevalência do direito à informação no caso de fatos de interesse público ), que é a passagem do tempo.
No Direito Comparado, um dos primeiros casos do direito ao esquecimento ocorreu na França, em Mil novecentos e sessenta e sete, no qual foi exigida a reparação de danos a antiga companheira de serial killer pela sua menção no filme Landru, do conhecido cineasta Claude Chabrol, tendo a Corte de Cassação rechaçado o pleito, porque ela própria havia tornado o caso público pela publicação de livro ( *3 vide nota de rodapé ). Via de regra, o direito ao esquecimento era debatido - sem a caracterização atual - nos casos de condenações criminais, nas quais o condenado via a sua ressocialização ( após o cumprimento da pena ) dificultada pelo ressurgimento - de tempo em tempo - do caso na mídia. Essa preocupação com os direitos dos ex-sentenciados foi vista no caso "Lebach" do Tribunal Constitucional Federal ( TCF ) ( *4 vide nota de rodapé ), em duas duas aparições na jurisprudência daquele Tribunal.
Por sua vez, em decisão de Vinte e abril de Mil novecentos e oitenta e três, o Tribunal de Grande Instance ( TGI ) de Paris, no caso M.c. Filipacchi et Cogedipresse, reconheceu o "direito ao esquecimento" titularizado por todo indivíduo envolvido em eventos públicos após a passagem de vários anos, que possibilita na vedação de publicização desse envolvimento, desde que não seja indispensável à história ( *5 vide nota de rodapé ).
No plano internacional, o direito ao esquecimento foi consagrado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia ( TJUE ) que, em sentença de treze de maio de Dois mil e quatorze, condenou o buscador Google a retirar, a pedido, da sua lista de resultados de pesquisa, aqueles que firam o direito ao esquecimento. Tratou-se do "Caso Costeja Gonzales" envolvendo nacional espanhol que pleiteou a eliminação da menção nos resultados da busca envolvendo seu nome no buscador em questão de dívida perante a seguridade social espanhola, uma vez que a execução já havia sido encerrada ( há mais de Quinze anos ) e tal menção ( apesar de correta ) trazia, anos depois, prejuízos á imagem de bom pagador. O TJUE de u preferência ao direito á privacidade ( Artigo Sétimo da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia - CDFUE ) e Oitavo ( direito à proteção dos dados pessoais ) em detrimento da liberdade de iniciativa do Google ( os negócios envolvendo a disponibilidade de informações são vultosos ) e eventual direito à informação de terceiros ( na modalidade receber informação ), salientando que sua decisão era justificada pela ausência de interesse público na pesquisa impugnada ( *6 vide nota de rodapé ).
No Brasil, a defesa do direito ao esquecimento foi adotada na Sexta Jornada de direito civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça ( STJ ) ( Dois mil e treze ). Dispõe o Enunciado número quinhentos e trinta e um ( soft law; não vinculante, de mera orientação aos magistrados e demais operadores do Direito ) que "a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento", tendo tido a justificativa de sua adoção a cautela de ressaltar que o direito ao esquecimento" ( ... ) Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados" ( *7 vide nota de rodapé ).
O Superior Tribunal de Justiça ( STJ ) reconheceu o direito ao esquecimento em caso envolvendo indivíduo absolvido pelo Tribunal do Júri por envolvimento na "Chacina da Candelária" ( massacre de Oito jovens, no Rio de Janeiro, ocorrido em Mil novecentos e noventa e três ) que pugnou pelo seu direito de não ver seu nove incluído em programa de televisão que reconstituía a tragédia em Dois mil e seis ( Recurso Especial número Um milhão trezentos e trinta e quatro e noventa e sete / Rio de Janeiro, Relator Ministro Luís Felipe Salomão, julgado em Vinte e oito de maio de Dois mil e treze, Diário da Justiça eletrônico de Dez de setembro de Dois mil e treze ).
A decisão no Caso "Chacina da Candelária" fez a ponderação dos direitos envolvidos ( direito ao esquecimento e a liberdade de informação ) à luz do paradigma brasileiro atual, do Século Vinte e um, de uma democracia consolidada e com um Poder Judiciário independente, o que não condiz com as restrições feitas à liberdade no tempo da ditadura militar, tendo gerado debates que serão dirimidos pelo Supremo Tribunal Federal ( STF ) ( Recurso Extraordinário com repercussão geral já admitido, em trâmite em setembro de Dois mil e vinte ).
A seguir, as principais críticas ao "direito ao esquecimento" e os argumentos favoráveis.
1) Crítica. A liberdade de informação e de imprensa prevalecem sobre o direito à privacidade e o direito ao esquecimento. Resposta. A liberdade de informação não prevalece, em abstrato sobre todo e qualquer direito, em especial no contexto de uma sociedde democrática ( na qual não há censura estatal ), bem como há interesses econômicos que valoram e lucram sobre a informação e imagem de terceiros.
2) Crítica. O direito ao esquecimento viola o direito à memória. Resposta. O direito ao esquecimento não é passível de invocação diante de fatos históricos ou domínio público, cuja importância faz prevalecer o direito à memória. Trata-se, ao contrário, de direito oponível na sociedade da hiperinformação no qual se lucra com a eliminação ou mitigação da privacidade sobre fatos que não são de interesse histórico.
3) Crítica. A relevância social de um fato pretérito a ser divulgado não pode ser decidida pelo Poder Judiciário, devendo os órgãos de comunicação serem livres para informar o que considerarem de interesse público ( mesmo que visto por alguns como puro mercantilismo ou sensacionalismo "tabloide" ). Resposta. Essa crítica retoma, sob outro ângulo, a preponderância da liberdade de informação sob qualquer outro direito, ao impedir o acesso à justiça ( *8 vide nota de rodapé ) par afazer prevalecer o direito à privacidade em determinado caso concreto. O caso Caroline de Mônaco-I ( *9 vide nota de rodapé ), a Corte Europeia de Direitos Humanos ( Corte EDH ) considerou a ausência de interesse público e ainda o uso da imagem privada da vítima para obtenção de lucros a terceiros como parâmetros para comprimir a liberdade de informação e privilegiar o direito à intimidade da princesa.
4) Crítica. Se o fato no passado foi de interesse público e sua divulgação foi lícita, o decurso do tempo não pode transformar sua divulgação em ilícita. Resposta. O decurso do tempo é importante fator na avaliação do estatuto normativo de um determinado fato. O Ministro Luís Felipe Salomão citou, por exemplo, o decurso do prazo de cinco anos para a menção de dívida nos bancos de dados de consumo; após esse prazo, a manutenção da negativação é ilícita ( Artigo Quarenta e três, Parágrafo Primeiro do CDC ); ou ainda o Artigo setecentos e quarenta e oito do Código de Processo Penal ( CPP ), que prevê que, concedida a reabilitação, as condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado, nem em certidão extraída dos livros do juízo, salvo quando requisitadas por juiz criminal. Assim, a passagem do tempo é importante fator para decidir sobre a licitude ou ilicitude de determinada conduta. Como foi decidido pelo TCF ( Tribunal Constitucional Federal ) alemão no primeiro Caso Lebach, a veiculação do programa seria desastrosa para a ressocialização; décadas depois ( segundo caso Lebach ), não mais.
Finalmente, o direito ao esquecimento, na visão do precedente "Chacina da Candelária" do STJ, está em linha com o "direito à esperança", pois permite que fatos deletérios do passado não impeçam a vida cotidiana dos envolvidos de modo perpétuo, ou ainda, como no caso em concreto ( o indivíduo fora absolvido ), permite que vicissitudes do passado ( inquéritos arquivados, absolvições etc. ) possam ser reparadas. Trata-se, assim, de um direito a ser deixado em paz.
No Supremo Tribunal Federal ( STF ), o direito ao esquecimento consta do Recurso Extraordinário número Um milhão dez mil seiscentos e seis, en trãmite ( em setembro de Dois mil e vinte ) e com repercussão geral reconhecida, no qual será dirimido eventual conflito ( *10 vide nota de rodapé ) entre o direito ao esquecimento, inviolabilidade da honra e direito á privacidade em contraste com a liberdade de expressão e de imprensa, bem como o direito à informação. Em junho de Dois mil e dezessete, foi realizada audiência pública no STF, para coletar posições entre os mais variados atores da sociedade, contribuindo para o deslinde do caso ( *11 vide nota de rodapé ). Em Dois mil e dezoito, a Procuradoria Geral da República ( PGR ) ( Procuradora-Geral Raquel Dodge ) manifestou-se favoravelmente ao reconhecimento do direito ao esquecimento ( *12 vide nota de rodapé ) com a proposta da seguinte tese ( para fins de repercussão geral ): "O direito ao esquecimento, por ser desdobramento do direito à privacidade, deve ser ponderado, no caso concreto, com a proteção do direito à informação e liberdade de expressão".
P.S.:
Notas de rodapé:
*O direito à privacidade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/07/direitos-humanos-o-direito-privacidade.html .
*2 O direito à informação, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/06/direitos-humanos-o-direito-liberdade-de_30.html .
*3 Tribunal de Grande Instance, Seine, Quatorze de outubro de Mil novecentos e sessenta e cinco. Mme. S.c. Filipacchi et Soc. Rome Paris Film, confirmado: CA Paris Quinze de março de Mil novecentos e sessenta e sete.
*4 O caso Lebach, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/07/direitos-humanos-o-direito-privacidade_19.html .
*5 Tribunal de Grande Instance, Paris, Vinte de abril de Mil novecentos e oitenta e três, Mme. M.c. Filipacchi et soc. Cogedipresse.
*6 Ver Parágrafo Noventa e sete da sentença. Tribunal de Justiça da União Europeia, C Cento e trinta e um / Doze, julgamento de Treze de maio de Dois mil e quatorze. disponível em: < http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=152065&declang+ES > . Acesso em: Quinze de setembro de Dois mil e vinte.
*7 Enunciado disponível em: < http://www.cif.jus.br/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-vi-jornada > .Acesso em: Quinze de setembro de Dois mil e vinte .
*8 O direito ao acesso à justiça, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/11/direitos-humanos-garantia-do-acesso.html .
*9 O caso Caroline de Mônaco I, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/07/direitos-humanos-o-direito-privacidade_19.html .
*10 O conflito de direitos, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-delimitacao-dos-dh.html .
*11 Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=346318 > . Acesso em Quinze de setembro de Dois mil e vinte.
*12 Tendo sido citado André de Carvalho Ramos, autor do livro Curso De direitos Humanos, Oitava edição - São Paulo : Saraiva Educação, Dois mil e vinte e um. Mil cento e quarenta e quatro Páginas.
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