quarta-feira, 12 de julho de 2023

Direitos Humanos: O direito à liberdade de crença e religião e os limites impostos pela colisão com outros direitos

Há limites à liberdade de crença e religião ( * vide nota de rodapé ), que são oriundos da necessária convivência com outros direitos e valores constitucionais. Entre as situações analisadas pelo Poder Judiciário ( PJ ) estão:


1) Colisão entre a liberdade de religião, no que diz respeito á liberdade de culto, e o direito à integridade psíquica, no caso do uso de alto-falantes, com ruídos acima do permitido. Há ponderação de valores, não podendo a liberdade de religião impor, de modo desproporcional, ofensa ao sossego e descanso dos demais, que compõem o direito à integridade psíquica e à saúde.


2) Solicitação de data alternativa para realização de exames e concursos públicos. Há diversas ações judiciais e pleitos administrativos no Brasil que exigem a mudança de datas de provas e exames em nome de crença de candidato que o impede e realizar a prova no dia ou horário previsto ordinariamente. Em alguns casos, é possível que o pedido do candidato pela própria Administração, sem maiores ônus e sem que a igualdade entre os candidatos ( *2 vide nota de rodapé ) seja afetada ( o que ocorreria, hipoteticamente, pela realização de prova de conteúdo diferente em outra data ), como, por exemplo, a realização de prova em horário diferente porém com incomunicabilidade do candidato beneficiado, evitando a quebra do sigilo da prova, que será a mesma para todos. Porém, em vários casos, o indivíduo pleiteia que a prova seja diferente, o que torna impossível a manutenção da igualdade no concurso. tem-se, então, a necessidade de se ponderar o dispositivo constitucional da igualdade ( Artigo Quinto, Caput ) e a liberdade de religião 9 Artigo Quinto, Inciso Oitavo ), que proíbe a privação de direitos devido na maior parte dos casos, como, por exemplo, pelo uso da diferenciação de horários com incomunicabilidade do candidato que alega óbice religioso para não fazer no horário normal ( uso do critério da concordância prática entre esses dois direitos, ou ainda da acomodação razoável ). O Supremo Tribunal Federal ( STF ), em Dois mil e onze, reconheceu a repercussão geral dessa questão no Recurso Extraordinário numero Seiscentos e onze mil oitocentos e setenta e quatro, ainda não julgado, tendo como relator o Ministro Dias Toffoli, conforme Lei número treze mil setecentos e noventa e seis / Dois mil e dezenove, sobre a prestação alternativa em estabelecimentos de ensino públicos ou privados.


3) Posição provisória do STF recusando mudança de data do Exame Nacional do Ensino Médio ( ENEM ) para aluno da fé judaica. Prevalência da igualdade em detrimento da liberdade de religião. "Pedido de estabelecimento dos efeitos da decisão do Tribunal a quo que possibilitaria a participação de estudantes judeus no ENEM em data alternativa ao Shabat. ( ... ) Em mero juízo de delibação, pode-se afirmar que a designação de data alternativa para a realização dos exames não se revela em sintonia com o princípio da isonomia, convolando-se em privilégio para um determinado grupo religioso" ( Suspensão de Tutela Antecipada - STA número Trezentos e oitenta e nove - Agravo Regimental, Relator Ministro Presidente Gilmar Mendes, julgado em Três de dezembro de Dois mil e nove, Plenário, Diário da Justiça eletrônico de Quatorze de maio de Dois mil e dez ).


4) Recusa de tratamento médico por motivos religioso. A recusa de determinado tratamento médico por motivo religioso é também tema polêmico. Há vários casos nos quais o paciente alega impedimento religioso para recusar determinado tratamento ( por exemplo, recusa de transfusão de sangue por testemunhas de Jeová ), pondo em risco sua própria vida. Em que pese a decisões judiciais de Primeiro grau autorizando médicos a desconsiderar a vontade do próprio paciente, entende-se, como aponta Barroso, que cabe ao paciente, com a ressalva daqueles que não podem expressar de modo pleno sua vontade ( os interditados, as crianças e adolescentes ), a escolha do tratamento, em nome da liberdade e de sua autonomia. Para Barroso, a liberdade de religião é um direito fundamental que concretiza uma "escolha existencial que deve ser respeitada pelo Estado e pela sociedade". A recusa do paciente em se submeter a procedimento médico, por motivo de crença religiosa, "configura manifestação da autonomia do paciente, derivada da dignidade da pessoa humana ( *3 vide nota de rodapé )". O próprio autor citado ressalva que o consentimento deve ser genuíno, ou seja, válido, inequívoco, livre e informado ( *4 vide nota de rodapé ). Com base nos direitos constitucionais à vida ( *5 vide nota de rodapé ) digna e á liberdade de crença, a Procuradoria Geral da República ( PGR ) ajuizou, em Dois mil e dezenove, no STF, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental número Seiscentos e dezoito, Relator Ministro Celso de Mello, em trâmite em setembro de Dois mil e vinte ).


5) Colocação de crucifixos em órgãos públicos e, em especial, nas salas de audiências e sessões dos Tribunais. Outro tema debatido é a colocação de símbolos de uma religião específica em repartições públicas do Estado laico ( *6 vide nota de rodapé ) brasileiro. crucifixos em salas de audiências, plenários, entre outros públicos, trata-se de manifestação cultural, típica de um paí8s cuja população é majoritariamente católica apostólica romana, que não indica preferência do Estado por uma religião ou outra. Para os opositores dessa prática comum no Poder Público brasileiro, a existência do crucifixo ou de outros símbolos religiosos sinaliza uma conduta confessional por parte da Administração Pública, que não poderia custear ( com dinheiro público ) um símbolo e nem afixá-lo em local público, pois não seria um dos símbolos nacionais ( bandeira, hino, armas e selos nacionais ) previstos no Artigo Treze da Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ). No Brasil, a existência, inclusive no Plenário do STF, do crucifixo católico apostólico romano foi questionada judicialmente também perante o Conselho Nacional de Justiça ( CNJ ). Em Dois mil e sete, o CNJ rejeitou, por maioria, quatro pedidos de providência ( números Mil trezentos e quarenta e quatro, Mil trezentos e quarenta e cinco, Mil trezentos e quarenta e seis e Mil trezentos e sessenta e dois ) que exigiam a retirada dos crucifixos em dependências de órgãos do Puder Judiciário ( PJ ). O único voto vencido, o do Conselheiro Paulo Lobo, defendeu que, no âmbito público do Estado laico, não é cabível  demonstrações como o uso de símbolos religiosos específicos. O próprio STF acata esse posicionamento majoritário no CNJ, pois na sala do Plenário do STF se encontra, ao fundo acima do escudo de armas brasileiro, um crucifixo.


6) Escusa de consciência ( *7 vide nota de rodapé ) e assiduidade no serviço público. Foi reconhecida a repercussão geral na análise de Recurso Extraordinário sobre se a objeção de consciência por motivos religiosos constitui um dever por parte do administrador de disponibilizar prestação alternativa para servidores, em estágio probatório, cumprirem seus deveres funcionais. Contudo, o cumprimento dos deveres funcionais de um serviço público ( cujo concurso de ingresso, o servidor voluntariamente prestou ) não pode ser considerado uma "obrigação legal a todos imposta" ( Artigo Quinto, Inciso Oitavo ), capaz de legitimar a "escusa de consciência". Por outro lado, há a liberdade de religião, na faceta de não se ter restrição á fé, que pode justificar o dever do Estado de ofertar alternativas ao servidor. O STF deverá se debruçar sobre a ( im ) possibilidade de ofertar obrigação alternativa e quais os parâmetros que não sejam prejudicados os direitos protegidos pelo serviço público em tela ( STF, Recurso Extraordinário com Agravo número Um milhão, noventa e nove mil e noventa e nove, Relator Ministro Fachin, em trâmite em setembro de Dois mil e vinte ) .


7) Escusa de consciência e afastamento de regra que proíba vestuário / acessórios que cubra parte do rosto ou da cabeça em foro de identificação na Carteira Nacional de Habilitação ( CNH ). O STF reconheceu a existência de repercussão geral da questão referente à possibilidade de, em nome da liberdade de crença e religião não cumprir a obrigação imposta a todos referente à identificação civil ( STF, Recurso Extraordinário com repercussão geral número Oitocentos e cinquenta e nove mil trezentos e setenta e seis, relator Ministro Roberto Barroso, em trâmite em setembro de Dois mil e vinte ).      


P.S.:


Notas de rodapé:


* O direito à liberdade de crença e religião, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/07/direitos-humanos-o-direito-liberdade-de_11.html .


*2 O direito à igualdade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/05/direitos-humanos-o-direito-igualdade-e_16.html


*3 O direito à dignidade humana, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-dignidade-humana-e.html .


*4 Barroso, Luís roberto. Legitimidade da recusa de transfusão de sangue por Testemunhas de jeová. Dignidade humana, liberdade religiosa e escolhas existenciais. Disponível em: < http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/testemunhas_de_jeova.pdf > . Acesso em Quinze de setembro de Dois mil e vinte .


*5 O direito à vida, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/05/direitos-humanos-o-direito-vida-em-seus.html .


*6 O direito ao Estado laico, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/04/direitos-humanos-doutrinas-e_31.html .


*7 O direito à escusa de consciência, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/07/direitos-humanos-o-direito-liberdade-de_10.html .

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