segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Direitos Humanos: O Tribunal Penal Internacional e seus precursores

A implementação direta do Direito Internacional Penal por tribunais internacionais remonta ao Artigo Duzentos e vinte e sete do Tratado de Versailles, que previa um "tribunal especial" com juízes das potências vencedoras para julgar o Kaiser Guilherme da Alemanha vencida. A pena seria determinada pelo próprio Tribunal. A Holanda jamais extraditou o Kaiser, que lá obtivera asilo após a Segunda Guerra Mundial e tal julgamento nunca ocorreu. Contudo, houve uma ruptura de paradigma no Direito Internacional: até então o julgamento penal dos indivíduos era de atribuição exclusiva dos Estados. A responsabilidade internacional penal do indivíduo despontava.


Em Mil novecentos e trinta e sete, a Liga das Nações ( atualmente Organização das Nações Unidas -  ONU ) elaborou convenção sobrea prevenção e repressão do terrorismo, que contemplava a criação de um Tribunal Penal Internacional ( TPI ) ( * vide nota de rodapé ), porém com apenas uma ratificação o tratado nunca entrou em vigor. Esse tratado foi feito em reação ao terrorismo após os assassinatos do Ministro das Relações Exteriores da França, Louis Barthou, e do Rei da Iugoslávia, Alexandre Primeiro, em Marseille, por terroristas croatas em Mil novecentos e trinta e quatro.


Em mil novecentos e quarenta e cinco, finalmente um tribunal internacional penal foi criado. Pelol Acordo celebrado em Londres em Oito de agosto de Mil novecentos e quarenta e cinco foi estabelecido o Tribunal Internacional Militar ( TIM ), tendo como partes originais o Reino Unido, Estados Unidos da América ( EUA ), a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas ( URSS ) ( atual Federação Russa e França, bem como Dezenove Estados aderentes. Seu anexo Dois continha o Estatuto do TIM, que possuía sede em Berlin, realizando os julgamentos em Nuremberg ( por isso, passou para a história como "Tribunal de Nuremberg" ).


Cada Estado celebrante indicou um nome para compor o colegiado de juízes ( sem possibilidade para a defesa arguir impedimento ou suspeição ), bem como uma parte acusadora ( cada Estado celebrante indicou um nome ) e defesa. No julgamento principal e que deu notoriedade ao TIM, os acusados foram Vinte e quatro personalidades do regime nazista, Estado-Maior das forças Armadas e SA ( único caso de tribunal internacional que julgou pessoas jurídicas ).


O libelo acusatório contou com quatro crimes:


1) conspiracy ( figura do direito anglo-saxão, sem correspondência exata no direito brasileiro, mas que, por aproximação, se enquadraria na figura da reunião de agentes voltada para a prática de crime );

2) crimes contra a paz ( punição da guerra de agressão e conquista );

3) crimes contra as leis e os costumes de guerra;

4) crimes contra a humanidade, desde que conexos com os demais ( war nexus )


Após três meses, com dezenas de oitivas e amplo material documental, as sentenças foram prolatadas entre Trinta de setembro e Primeiro de outubro de Mil novecentos e quarenta e seis, com várias condenações à morte ( enforcamento ).


O fundamento da jurisdição do TIM, apesar das controvérsias, é fruto do direito internacional consuetudinário de punição àqueles que cometeram crimes contra os valores essenciais da comunidade internacional. Discute-se, obviamente, a falta de tipificação clara de determinadas condutas e ainda a natureza ex post facto do TIM.


Em Mil novecentos e quarenta e sete, a Comissão de Direito Internacional ( CDI ) da ONU foi incumbida de codificar os princípios utilizados em Nuremberg, para consolidar o avanço do Direito Internacional Penal. Em Mil novecentos e cinquenta, a CDI aprovou os seguintes sete princípios, também chamados de "princípios de Nuremberg":


1) todo aquele que comete ato que consiste em crime internacional é passível de punição;

2) lei nacional que não considera o ato crime é irrelevante;

3) as imunidades locais são irrelevantes;

4) a obediência às ordens superiores não são eximentes;

5) todos os acusados têm direito ao devido processo legal;

6) são crimes internacionais os julgados em Nuremberg;

7) conluio para cometer tais atos é crime.


O Segundo Tribunal Internacional da história do Século Vinte foi o tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente ( TIMEO ), com sede em Tóquio, criado em Mil novecentos e quarenta e seis por ato unilateral dos EUA, potência ocupante, por intermédio do Chefe da Ocupação, General MacArthur, que editou suas regras de funcionamento. MacArthur nomeou Onze juízes, nacionais dos Aliados e os componentes da Promotoria. Coube ainda á potência ocupante ( EUA ) determinar a lista de acusados e a imunidade ao Imperador Hiroíto e sua família. Julgou componentes do núcleo militar e civil do governo japonjês por crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, sendo exigida conexão com os crimes contra a paz. Determinou sete penas de morte, por enforcamento, realizadas em Mil novecentos e quarenta e oito, bem como diversas penas de caráter perpétuo. No bojo da Guerra Fria e com o Japão como aliado contra os soviéticos, houve concessão de liberdade condicional aos presos a partir de Mil novecentos e cinquenta e dois, por ordem do Presidente Truman ( EUA ). Em comparação, o último preso do julgamento de Nuremberg, Rudolf Hess, condenado a prisão perpétua em Mil novecentos e quarenta e seis, morreu na prisão de Spandau ( Alemanha ) em Mil novecentos e oitenta e sete.


A mesma guerra fria impediu que novos tribunais internacionais fossem estabelecidos: a Convenção para Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio ( CPRCG ) ( de Mil novecentos e quarenta e oito ) previu a instalação de um tribunal internacional para julgar esse crime ( Artigo Sétimo ), mas não houve continuidade. No seio da ONU, o projeto pelo estabelecimento de um código de crimes internacionais e de um tribunal internacional penal na CDI ficou décadas ( desde os anos Cinquenta ) sem conseguir o consenso dos Estados.


Foi necessário esperar o fim da Guerra Fria, com a queda do Muro de Berlin  e o desmantelamento do socialismo do tipo soviético ( de Mil novecentos e oitenta e nove a Mil novecentos e noventa ) para que o Conselho de Segurança ( CS ) da ONU determinasse a criação de dois tribunais internacionais penais ad hoc e temporários.


Foi criado pela Resolução número Oitocentos e vinte e sete do CS de Mil novecentos e noventa e três, o Tribunal Penal Internacional para os Crimes Contra o Direito Humanitário Cometidos na ex-Iugoslávia no Território da antiga Iugoslávia ( TPII ) desde Mil novecentos e noventa e um. O Estatuto do TPII ( com sede em Haia, Holanda ) fixou sua competência para julgar quatro categorias de crimes, a saber: graves violações às Convenções de Genebra de Mil novecentos e quarenta e nove; violações às leis e costumes da guerra; crimes contra a humanidade e genocídio ( *2 vide nota de rodapé ).


Em Mil novecentos e noventa e quatro, com a Resolução número Novecentos e cinquenta e cinco, o CS determinou a criação de um segundo tribunal internacional penal  ad hoc, com o objetivo de julgar as graves violações de Direitos Humanos ( DH ), em especial genocídio, ocorridas em Ruanda e países vizinhos durante o ano de Mil novecentos e noventa e quatro ( Tribunal Penal Internacional para os crimes ocorridos em Ruanda - TPIR ). Os dois tribunais têm estruturas vinculadas, pois o Procurador do TPII também atua como órgão acusatório no TPIR; os juízes que compõem a Câmara de Apelação ( CA ) do TPII são também o órgão de apelação do TPIR, que possui sede em Arusha ( Tamzânia ).


Esses tribunais são importantes porque codificaram os elementos de crimes internacionais ( como genocídio, crime contra a humanidade e crimes de guerra ) associados ao devido processo legal, com direitos da defesa. Também adotaram princípio da primazia da jurisdição internacional em detrimento da jurisdição nacional, dado o momento de desconfiança contra as instituições locais ( da ex-Iugoslávia e de Ruanda ). Assim, ficou determinado que cada um desses tribunais teria primazia sobre as jurisdições nacionais, podendo, em qualquer fase do processo, exigir oficialmente às jurisdições nacionais que abdicassem de exercer jurisdição em favor da Corte internacional. A pena máxima é a de caráter perpétuo, que, inclusive, já foi fixada em ambos os Tribunais nesses anos de funcionamento. Em Dois mil e quinze, o TPIR foi extinto e, em Dois mil e dezessete, foi extinto o TPII.


Com os dois tribunais ad hoc, aceleraram-se os esforços da ONU para a constituição de um Tribunal Internacional Penal permanente, para julgar os indivíduos acusados de cometer crimes de jus cogens ( *3 vide nota de rodapé ) posteriores á data de instalação do tribunal ( evitando-se o estigma do tribunal ad hoc e as críticas aos "tribunais de exceção" ), sob o pálio do devido processo legal ( *4 vide nota de rodapé ). 


P.S.:


Notas de rodapé:


* O Tribunal Penal Internacional é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/01/direitos-humanos-um-tribunal.html .


*2 O crime de genocídio é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/05/direitos-humanos-convencao-visa.html .


*3 A expressão jus cogens é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/05/direitos-humanos-imprescritibilidade.html .


*4 O direito ao devido processo legal é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/06/direitos-humanos-doutrinas-e_28.html .


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-o-tribunal-penal-internacional-e-seus-precursores .

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