quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Direitos Humanos: Comissão edita medidas cautelares para proteção de pessoas

O Artigo Vinte e cinco do Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ( DH ) ( Comissão IDH ) ( * vide nota de rodapé ) prevê a edição de medidas cautelares para proteger pessoas ou grupo de pessoas do:


1) risco de dano irreparável em

2) situações de gravidade e urgência, quer haja relação ou não com petição em trâmite.


Não há dispositivo expresso na Convenção Americana de DH ( CADH ) ( *2 vide nota de rodapé ) sobre a eficácia vinculante de tais medidas cautelares, que são, então, entendidas como recomendações à luz do Artigo Quarenta e um, Alínea b, da CADH.


A reforma do Regulamento da Comissão IDH em Dois mil e treze inseriu a oitava do Estado antes da edição de medidas cautelares. Contudo, em casos de gravidade e urgência, a Comissão IDH ainda pode adotar medidas cautelares sem ouvir o Estado para evitar dano irreparável referente a um caso.


Em março de Dois mil e onze, a Comissão IDH adotou medida cautelar requerendo a suspensão da construção da Usina Hidrelétrica do Belo Monte, a principal obra de fornecimento de energia do Brasil nos últimos anos, por ofensa a diversos direitos dos povos indígenas ( *3 vide nota de rodapé ). Após veemente recusa do Estado brasileiro em cumprir tal deliberação, a Comissão IDH modificou sua posição e decidiu que a obra poderia continuar desde que fossem tomadas determinadas cautelas na preservação dos direitos até deliberação final da Comissão IDH.


O episódio mostrou que a ausência de previsão expressa das medidas cautelares da Comissão IDH na CADH faz com que os Estados Partes da CADH não aceitem sua força vinculante. Por outro lado, a Comissão IDH pode requerer medidas provisórias à Corte Interamericana de Direitos Humanos ( Corte IDH ) ( *4 vide nota de rodapé ), que possuem - de modo expresso - previsão na CADH. Não é incomum que a Comissão IDH adotou medida cautelar para que o Estado adotasse medidas a favor dos direitos dos presos do Complexo de Pedrinhas ( São Luís do Maranhão ) (*5 vide nota de rodapé ). Dada a ineficácia da medida cautelar, a Comissão IDH pleiteou medica provisória da Corte IDH, que a deferiu em Dezoito de novembro de Dois mil e quatorze.


De acordo com o Regulamento da Comissão IDH, esta acionará  a Corte IDH e solicitará medidas provisórias quando:


1) o Estado não tiver cumprido as medidas cautelares anteriores,

2) as medidas cautelares não tiverem sido eficazes,

3) já existir uma medida cautelar conectada com o caso  submetido á jurisdição da Corte IDH e, finalmente,

4) A Comissão IDH entender se pertinente para da maior efeito ás medidas cautelares já exaradas, fundamentando seus motivos ( cláusula geral, que permite flexibilidade á Comissão IDH ).


Caso a Corte IDH indefira o pedido de medidas provisórias, a Comissão IDH só considerará um novo pedido de medidas cautelares se surgirem fatos novos que o justifiquem. Em todo caso, a Comissão IDH poderá considerar o uso de outros mecanismos de monitoramento da situação.


Desde Mil novecentos e noventa e seis, a Comissão IDH adotou Quarenta e seis medidas cautelares contra o Brasil em cinco temas:


1) adolescentes em conflito com a lei privados de liberdade,

2) pessoas privadas de liberdade,

3) proteção de testemunhas,

4) proteção de defensores de DH e

5) comunidades indígenas.


O maior número de cautelares outorgada pela Comissão IDH nessas décadas refere-se à proteção de defensores de DH. Somam-se, ao todo, Treze medidas, incluindo o caso Manoel Mattos ( cujo assassinato foi submetido ao Incidente de Deslocamento de Competência - IDC ).


A crise aguda do sistema prisional brasileiro foi detectada pela Comissão IDH, que emitiu já Dezesseis medidas cautelares sobre o tema, sendo Sete em relação às ameaças da integridade física e a vida de adolescentes e oito em relação a adultos detentos. Entre os Sete casos envolvendo adolescentes privados de liberdade, encontram-se o caos das Crianças Privadas de Liberdade na antiga FEBEM ( atual Fundação Casa ) Tatuapé, em São paulo, e o caso dos Adolescentes Privados de Liberdade em Centros de Atenção Socioeducativa de internação masculina, no Ceará, incluindo, ainda, outros casos do Espírito Santo, do Rio de janeiro e do Distrito Federal. As nove medidas em relação á proteção dos DH de presos referem-se ao caso do Complexo penitenciário de pedrinhas, no Maranhão, ao caso do Presídio Professor Aníbal Bruno, em Pernambuco e ao caso da Penitenciária de urso Branco ( caso já arquivado pela Comissão IDH ), em Rondônia, ao caso da Penitenciária Evaristo de Moraes, no Rio de Janeiro, somando, ainda, outros casos no Rio Grande do Sul, Espírito Santo. A mais recente, em fevereiro de Dois mil e vinte, se refere a medida cautelar adotada em relação às pessoas primitivas de liberdade na Cadeia Pública Jorge Santana ( *6 vide nota de rodapé ) que, assim como a Instituição Penal Plácido de Sá Carvalho, também se situa no Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, Estado do Rio de Janeiro.


Cinco medidas cautelares visaram á proteção dos direitos de comunidades indígenas no Pará, Roraima e Pernambuco e mato Grosso do Sul, sendo, respectivamente, os casos Comunidades Indígenas da Bacia do Rio Xingu ( "Caso Belo Monte" ), povos Indígenas na Raposa Serra do Sol e Líderes Indígenas do Povo Xucuru, membros dos Povos Indígenas Yanomami e Ye'kwana. Amais recente medida cautelar adotada foi em relação á Comunidade Tradicional do Quilombo Rio dos Macacos ( *7 vide nota de rodapé ), em Seis de agosto de Dois mil e vinte. A situação de grave risco deriva da disputa pelo reconhecimento das terras tradicionalmente ocupadas situadas na Bahia, além dos risco de ruptura de uma represa nos arredores da comunidade. Foi reportado que os ( as ) beneficiários ( as ) das medidas estariam sendo vítimas de ameaças e constrangimentos, motivo pelo qual a Comissão IDH determinou a adoção de medidas voltadas a garantir a vida e a integridade física dos membros da comunidade.


Em relação á proteção de testemunhas, a Comissão IDH deferiu três medidas cautelares visando à proteção da vida de pessoas que testemunharam assassinados de seus familiares ( *8 vide nota de rodapé ). Em uma das medidas cautelares, órgão da OEA determinou ao Estado que investigasse o desaparecimento de policial militar ameaçado pela milícia no Rio de Janeiro.


Em Dois mil e dezoito e Dois mil e vinte, a Comissão IDH emitiu quatro  medidas cautelares para possibilitar a continuidade do trabalho de defensoras e defensores de DH sem que sejam alvo de ameaças, intimidações ou atos de violência durante o exercício de suas funções. Destacam-se o caso de padre Julio Lancellotti, da Pastoral da População em Situação de Rua; Jean Wyllys de matos Santos, ex-deputado federal e militante da luta LGBTQIA+; Mônica Benício, ex-companheira da vereadora Mariele Franco, e Joana Darc Mendes, mãe na busca por justiça após a morte de seu filho por policiais militares. As recomendações da Comissão IDH alertam para as deficiências do programa de proteção de defensores de DH no Brasil e da importância de proteger á vida e a integridade dessas pessoas ( *9 vide nota de rodapé ). Seguem comentários a alguns desses casos:


1) Jean Wyllys ( Dois mil e dezoito ): o ex-deputado Jean Wyllys e seus familiares receberam uma serie de ameaças por meio eletrônico e redes sociais, em razão de sua atuação como militante por direitos das pessoas LGBTQIA+, além de ser o primeiro deputado a abertamente falar sua orientação sexual. em razão da falta de atuação do Estado para proteger o deputado por meio de escolta e suporte aos familiares e diante da urgência e gravidade dos riscos á integridade pessoal e á vida, a Comissão IDH emitiu medida cautelar.

2) André Luiz Moreira de Souza ( Dois mil e dezenove ): policial militar no Rio de Janeiro designado para atuar em unidade de polícia pacificadora ( UPP ), a qual mostrou sua indignação pelos perigos do novo posto de trabalho. Em setembro de Dois mil e dezoito, enquanto estava com a família em um veículo, foi abordado por homens armados e desapareceu. Seu carro foi encontrado no outro dia queimado. Diante do contexto de ameaças a policiais por parte da milícia, a Comissão IDH entendeu que o Estado não atuou para investigar os fatos e para encontrar André Luiz, de modo que após três meses de seu desaparecimento a medida cautelar atendeu aos critérios de urgência e gravidade. No mais, a Comissão IDH reforçou seu entendimento de que não é necessário o esgotamento dos recursos internos, mas apenas uma notificação do Estado e sua consequente omissão para concessão de medida cautelar.

Padre Julio Lancellotti ( Dois mil e dezenove ): Lancellotti é importante defensor dos direitos das pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo. Contudo, há anos vem sofrendo ameaças por parte de agências policiais e guardas civis. Diante da ausência de medidas protetivas para que o defensor pudesse continuar realizando seu trabalho, a Corte IDH emitiu a medida cautelar.


A paradigmática medida cautelar em favor dos membros das Comunidades Indígenas Yanomami e Ye'kwana, adotada em Dois mil e vinte, tem caráter coletivo, atingindo quase Vinte e seis mil pessoas indígenas, distribuídas em Trezentas e vinte e uma aldeias, abrangidas pelo território ancestral situado na região do Rio Orinoco - Amazonas.


É relevante destacar que uma parte dos ( as ) beneficiários (as ) pertence a povos de contato recente e a grupos em isolamento voluntário, vale dizer, coletividades especialmente protegidas pelo Direitos Internacional dos DH ( DIDH ) ( *10 vide nota de rodapé ). Além da existência de uma crise relativa á implementação de políticas públicas de proteção à cultura e de atenção à saúde indígena que já vinha se agravando nos últimos anos, a situação de grave risco foi acentuada em razão da pandemia da Covid-Dezenove. Para a Comissão IDH, a vulnerabilidade imunológica, as falhas no atendimento às demandas de saúde deste grupo e a permanência de terceiros 9 em geral garimpeiros ) nos territórios ancestrais, gerava o risco de disseminação do coronavírus, de contaminação por mercúrio ( em razão da lavra ilegal ), além de perpetuarem as tensões e violência contra os indígenas.


Por isso, a Comissão IDH recomendou a adoção das medidas necessárias para a proteção da saúde, vida e integridade dos membros da comunidade, por meio da adoção de medidas de prevenção por meio de uma "perspectiva culturalmente adequada" ( cona a participação da coletividade interessada ) para evitar a disseminação da Covid-Dezenove. A Resolução destaca a importância de garantir o direito á saúde segundo os standarts internacionais, observados os parâmetros de disponibilidade, acessibilidade e qualidade ( consolidados na Observação Geral número Quatorze, do CDESC / ONU - *11 vide nota de rodapé ), além do dever de investigar as ameaças e atos de violência praticados contra os membros da comunidade ( *12 vide nota de rodapé ).                                                                                                    


P.S.:


Notas de rodapé:


* A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-comissao-examina.html .


*2 A Convenção Americana de Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/01/direitos-humanos-convencao-americana.html .


*3 A Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-declaracao-promove.html .


*4 A Corte Interamericana de Direitos Humanos é melhor contextualizada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-o-sistema-americano.html .


*5 Medida cautelar de Dezesseis de dezembro de Dois mil e treze.


*6 Conforme Resolução número Seis / Dois mil e vinte. Disponível em: < http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pdf/2020/6-20MC888-19-BR.pdf > . Acesso em Quinze de setembro de Dois mil e vinte.


*7 Disponível em: < http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pdf/2020/44-20MC1211-19-BR-es.pdf > . Acesso em: Quinze de setembro de Dois mil e vinte.


*8 Conferir em: < http://www.oad.org/es/cidh/decisiones/cautelares.asp > . Acesso em Vinte e quatro de agosto de Dois mil e dezoito .


*9 A atualização deste trecho, teve a colaboração de Surrailly Youssef.


*10 A diversidade terminológica referente aos Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-as-terminologias.html .


*11 Disponível em: < http://pfdc.pgr.mpf.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/comentario_14_espanhol.pdf > . Acesso em Quinze de setembro de Dois mil e vinte.


*12 Isabel Penido de Campos machado colaborou na atualização desta parte do texto.


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-comissao-edita-medidas-cautelares-para-protecao-de-pessoas

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