O racismo consiste em qualquer teoria, doutrina, ideologia ou conjunto de ideia que sustenta a existência de um vínculo causal entre as características fenotípicas ou genotípicas de indivíduos ou grupo de indivíduos com suas características intelectuais, culturais e de personalidade, incluindo o falso conceito de superioridade racial ( " Considerandos " da Convenção Interamericana contra o Racismo, Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância - * vide nota de rodapé ) .
O racismo tem como finalidade justamente consagrar a superioridade de uma pretensa raça, buscando fundamentar práticas discriminatórias e inferiorizantes em uma suposta moral ou racionalidade científica. A Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) estabelece, no seu Artigo Quarto, Inciso Oitavo, que o Brasil deve reger suas relações internacionais pelo princípio do repúdio ao racismo. Nessa linha, o Artigo Quinto, Inciso Quarenta e dois, da CF - 88 prevê que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito `apena de reclusão nos termos da lei.
A Lei número Sete mil setecentos e dezesseis, de Cinco de janeiro de Mil novecentos e oitenta e nove, também chamada de " Lei Caó ", define os crimes de discriminação ou preconceito e suas punições, tendo revogado leis anteriores ( Lei número Sete mil quatrocentos e trinta e oito / Mil novecentos e oitenta e cinco e Lei número Mil trezentos e noventa / Mil novecentos e cinquenta e um, esta que tratava a matéria como contravenção penal - " Lei Afonso Arinos " ) . De acordo com seu Artigo Primeiro, " serão punidos, na forma desta lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor etnia, religião ou procedência nacional " ( redação dada pela Lei número Nove mil quatrocentos e cinquenta e nove / Mil novecentos e noventa e sete ) .
Essa lei pune várias condutas odiosas adotadas pelo agente por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, podendo ser classificadas de acordo com o objetivo tutelado:
1) Igualdade ( *2 vide nota de rodapé ) no acesso a cargos públicos, que pune a conduta de impedir ou obstar o acesso de alguém ou sua promoção funcional, a qualquer cargo de Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos;
2) Igualdade na relação de trabalho, que pune aquele que deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores ou impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional, ou ainda aquele que proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário;
3) Igualdade nas relações de consumo, que pune diversas condutas nas relações consumeristas, tais como:
a) recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador;
b) recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau;
c) impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar;
d) impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público;
e) impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos desportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público;
f) impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabeleireiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento com as mesmas finalidades;
4) Igualdade nas relações sociais, que pune aquele que impedir o acesso ás entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos, ou ainda que impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios, barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido;
5) Igualdade nas Forças Armadas, que pune aquele que impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas;
6) Igualdade no Direito de Família, que pune aquele que impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social.
Constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função pública, para o servidor público, e a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo não superior a três meses. Porém, tais efeitos não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença condenatória.
Finalmente, cabe destaque ( conforme a liberdade de expressão - *3 vide nota de rodapé ), a criminalização da conduta de " praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, por religião, etnia ou procedência nacional ", que foi incluído pela Lei número Oito mil e oitenta e um / Mil novecentos e noventa.
Em Mil novecentos e noventa e quatro, a Lei número Oito mil oitocentos e oitenta e dois criminalizou a conduta de fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. Poderá o juiz determinar, ouvido o Ministério Público ( MP ) ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo, bem como a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas. A Lei número Doze mil duzentos e oitenta e oito, de Dois mil e dez, ainda permite que o juiz determine, mesmo na fase do inquérito policial, a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores ( internet ) .
Em Mil novecentos e noventa e cinco, a Lei número Nove mil e vinte e nove vedou a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativas para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de gênero ( *4 vide nota de rodapé ), origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção a crianças e adolescentes ( *5 vide nota de rodapé ) previstas no inciso Trinta e três do Artigo Sétimo da CF - 88. São crimes as práticas discriminatórias de exigir teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez, bem como a adoção de qualquer programa de esterilização forçada .
Por outro lado, a doutrina discute a existência de concurso aparente de normas penais entre o artigo Vinte da Lei número Sete mil setecentos e dezesseis / Mil novecentos e oitenta e nove ( Artigo Vinte, Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional ) e o Artigo Cento e quarenta, Parágrafo Terceiro, do Código Penal ( CP ) foi acrescentado pela Lei número Nove mil quatrocentos e cinquenta e nove / Mil novecentos e noventa e sete, gerando um tipo qualificado ao delito de injúria, que comina a pena de reclusão, de um ano a três anos, a multa, se a injúria consistir na utilização de elementos referentes a raça, cor etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência .
De acordo com Damásio de Jesus, se o agente " chamar alguém de ' negro ', ' preto ', ' pretão ', ' negrão ', ' turco ', ' africano ', ' judeu ', ' baiano ', ' japa ', etc., desde que com vontade de lhe ofender a honra subjetiva relacionada com cor, religião, raça ou etnia, sujeita o autor a uma pena mínima de um ano de reclusão, além de multa " ( *6 vide nota de rodapé ). Assim, nesses casos de xingamentos, uso de expressões chulas, entre outros, considera-se que o artigo Cento e quarenta, Parágrafo Terceiro, é lex specialis e deve ser aplicado, afastando-se a norma geral do Artigo Vinte da Lei número Sete mil setecentos e dezesseis / Mil novecentos e oitenta e nove, que usa a expressão genérica " praticar, induzir ou incitar " .
Para a visão jurisprudencial tradicional, o delito de injúria racial não é abarcado pelo regime constitucional punitivo especial do racismo, podendo prescrever. Essa é a posição do Supremo Tribunal Federal ( STF ), que, em Dois mil e onze, reconheceu a prescrição de crime de injúria qualificada por preconceito imputado a Deputado Federal, da seguinte forma: " configura injúria qualificada pela utilização de elementos referentes a raça e cor a ofensa por meio dos termos ( ... ) como ora a imputada. ( ... ) Declarada a extinção da punibilidade do querelado, em razão da prescrição da pretensão punitiva " ( Ação Penal número Trezentos e noventa e cinco - Paraná, Relator Ministro Luiz Fux, julgado em Trinta de março de Dois mil e onze ) .
Contudo, em Dois mil e dezesseis, o Superior Tribunal de Justiça ( STJ ) determinou que a injúria racial é modalidade de racismo e, por isso, imprescritível ( Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial número Seiscentos e oitenta e seis mil novecentos e sessenta e cinco, relator ministro Ericson maranho - Desembargador convocado, julgamento em Dezoito de agosto de Dois mil e quinze ) . Esse precedente reforça o regime jurídico de repúdio ao racismo, uma vez que aquele que pratica a injúria racial adota e promove estereótipos inferiorizantes, aprofundando o tratamento discriminatório típico da narrativa racista, o que faz por merecer o severo tratamento constitucional e internacional repressivo.
P.S.:
Notas de rodapé:
* O crime de racismo, no contexto dos direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-racismo-e-formas.html .
*2 O direito à igualdade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/05/direitos-humanos-o-direito-igualdade-e_16.html .
*3 O direito à liberdade de expressão, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/06/direitos-humanos-o-direito-liberdade-de_30.html .
*4 O direito à igualdade de gênero, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/06/direitos-humanos-aplicacao-do-direito.html .
*5 A proteção da criança, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/01/direitos-humanos-protecao-da-crianca.html .
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