quinta-feira, 6 de julho de 2023

Direitos Humanos: o direito à liberdade de expressão dos juízes e promotores

A liberdade de expressão ( * vide nota de rodapé ) na vida privada ( *2 vide nota de rodapé ) por parte dos membros do Poder Judiciário ( PJ ) e do Ministério Público ( MP ) tem sido objeto de atenção por parte dos respectivos conselho de controle, o Conselho Nacional de Justiça ( CNJ ) e o Conselho Nacional do MP ( CNMP ), em especial pelo potencial de disseminação dos pontos de vista expressados nas redes sociais e demais meios de comunicação da era digital.


Inicialmente, a Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) proíbe a atividade político-partidária a ambos ( respectivamente Artigo Noventa e cinco, Parágrafo Único, Inciso Terceiro - *3 vide nota de rodapé -  , e Artigo Cento e vinte e oito, Parágrafo Quinto, Inciso Segundo, Alínea e - *4 vide nota de rodapé ).


No plano infraconstitucional, a Lei Orgânica da magistratura Nacional ( LOMN ) ( Lei Complementar número Trinta e cinco / Mil novecentos e setenta e nove ), em seu Artigo trinta e seis, Inciso Terceiro, proíbe:


1) manifestação sobre processo pendente de julgamento seu ou de outrem, por qualquer meio de comunicação;

2) emitir juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou  no exercício do magistério ( Artigo Trinta e seis, Inciso Terceiro ).


No que tange ao MP, as vedações estão no Artigo Duzentos e trinta e sete, Inciso quinto, da Lei Complementar Federal número Setenta e cinco / Mil novecentos e noventa e três, e no Artigo Quarenta e quatro, Inciso Quinto, da Lei Orgânica Nacional do MP ( LONMP ) ( Lei número Oito mil seiscentos e vinte e cinco / Mil novecentos e noventa e três ).


O CNJ editou a Resolução número Trezentos e cinco, de Dezessete de dezembro de Dois mil e dezenove, que estabelece parâmetros para o uso das redes sociais por membros do Poder Judiciário. A abrangência da resolução é evidente para o CNJ consideram-se rede social todos os sítios da internet, plataformas digitais e aplicativos de computador ou dispositivo eletrônico móvel voltados à interação pública e social, que possibilitem a comunicação a criação ou o compartilhamento de mensagens, de arquivos ou de informações de qualquer natureza.


Nos "considerandos" da resolução, consta que


1) é dever do Estado zelar pela independência e imparcialidade dos julgadores, de acordo com os "Princípios Básicos Relativos à Independência da Magistratura ( PBRIM ) e ainda com os "Princípios de Conduta Judicial de Bangalore ( PCJB )" ( *5 vide nota de rodapé );

2) que a liberdade de manifestação de pensamento e a liberdade de expressão dos magistrados devem se compatibilizar com o direito de qualquer indivíduo ser julgado perante um PJ imparcial, independente, isento e íntegro e

3) Os impactos que a conduta dos magistrados na vida privada pode ter sobre a "percepção da sociedade em relação à credibilidade, á legitimidade e à respeitabilidade da atuação da Justiça".


Entre as diretrizes, estão:


1) observar que a moderação, o decoro e a conduta respeitosa devem orientar todas as formas de atuação nas redes sociais;

2) evitar expressar opiniões ou compartilhar informações que possam prejudicar o conceito da sociedade em relação à independência, à imparcialidade, á integridade e à idoneidade do magistrado ou que possam afetar a confiança do público no PJ;

3) evitar manifestações cujo conteúdo, por impróprio ou inadequado, possa repercutir negativamente ou atente contra a moralidade administrativa, observada sempre a prudência da linguagem;

4) evitar expressar opiniões ou aconselhamento em temas jurídicos concretos ou abstrato que, mesmo eventualmente, possam ser de sua atribuição ou competência jurisdicional, ressalvadas manifestações em obras técnicas ou  no exercício do magistério.


Quanto às condutas vedadas, citem-se:


1) é proibido emitir opinião que demonstre atuação em atividade político-partidária ou manifestar-se em apoio ou crítica públicos a candidato, lideranças políticas ou partidos políticos;

2) é proibido emitir ou compartilhar opinião que caracterize discurso discriminatório ( *6 vide nota de rodapé ) ou de ódio ( *7 vide nota de rodapé ), especialmente os que revelem racismo, antissemitismo ( *8 vide nota de rodapé ), LGBTQIAP+fobia, misoginia, concernentes a orientação de gênero  ( *9 vide nota de rodapé ), intolerância religiosa ( *10 vide nota de rodapé ) ou ideológica ( *11 vide nota de rodapé ), entre outras manifestações de preconceitos concernentes a condição física ( *12 vide nota de rodapé ), de idade ( *13 vide nota de rodapé ), de origem social ou cultural ( *14 vide nota de rodapé ).


Unindo a abrangência da resolução ( conceito amplo de "redes sociais" ) com as diretrizes proibições, a Resolução número Trezentos e cinco ampliou fortemente o comando constitucional de proibição de "atividade político-partidária". bem como comando infra constitucional referente a emitir juízos ou opiniões sobre decisões judiciais ( suas ou de terceiros ). Para o CNJ toda manifestação de apoio ou crítica a agentes públicos pode ser considerado uma violação dos deveres do magistrado. As diretrizes também são extremamente amplas e vagas, como, por exemplo, evitar expressar "opiniões ou compartilhar informações" que possam afetar a "confiança do público" no PJ.


Quanto à supervisão do eventual conteúdo da manifestação que pode "repercutir negativamente", vê-se, novamente, o uso de categorias extremamente abertas e impõe uma adesão do magistrado em sua vida privada a padrões considerados "majoritários". Se o magistrado veicula charges ( que por definição são ácidas ) em seu perfil particular, não cabe ao Estado verificar se isso tem ou não tem "repercussão" do ponto de vista moral. Além disso, as demais limitações à liberdade de expressão ( como, por exemplo, a proibição do "discurso de ódio" ) também servem para balizar o comportamento dos magistrados e dos membros do MP.


Não se nega que os "PBRIM" e ainda com os "PCJB" exigem que o magistrado mantenha postura na qual seja clara sua independência objetiva. Porém, a vedação de atividade político-partidária não afeta a liberdade de opinião, o que é salutar, pois estimula a contínua reflexão do magistrado sobre seu entorno e sobre os desafios sociais contemporâneos. Claro que, em um caso concreto, suas opiniões exaradas podem levar à sua parcialidade, como, por exemplo, ocorrerá caso atue em ação envolvendo oolítico por ele criticado.


Mas essa restrição ab initio com conteúdo tão vago gera um efeito inibidor sobre liberdade de expressão, sem que haja um ganho no que tange à garantia de imparcialidade. Pelo contrário, a transparência e a exposição das ideias do magistrado nas redes sociais pode facilitar eventual detecção de parcialidade subjetiva.


mesmo raciocínio se aplica ao membro do MP. Contudo, ao contrário do CNJ, houve apenas a adoção de uma "Recomendação de caráter geral" ( número Um / Dois mil e dezesseis ) pelo CNMP, que expressamente apontou:


1) não configura atividade político-partidária, vedada constitucionalmente, o exercício da liberdade de expressão na defesa pelo membro do MP de valores constitucionais e legais em discussões públicas sobre causas sociais, em debates ou outras participações ou manifestações públicas que envolvam a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis;

2) não configura atividade político-partidária a crítica pública por parte do membro do MP dirigida, entre outros, a ideias, a a ideologias, a projetos legislativos e a programas de governo;

3) são vedados atos discriminatórios em relação à raça, Gênero, orientação de gênero, religião, e a outros valores ou direitos protegidos, e que possam comprometer os ideais defendidos pela Instituição;

4) são vedados ataques de cunho pessoal, que possam configurar violação do dever de manter conduta ilibada e de guardar decoro pessoal, direcionados a candidato, a liderança política ou a partido político, com a finalidade de descredenciá-los perante a opinião pública em razão de ideias ou ideologias de que discorde o membro do MP.


Apesar da menor restrição, a Recomendação número Um / Dois mil e dezesseis também gera dúvida, em especial quanto à vagueza do "ataque de cunho pessoal". De todo modo, segue a orientação de restringir a liberdade de expressão em casos nos quais já há limitação aceita no Brasil ( como é que o caso das mensagens discriminatórias e odiosas ).


A Resolução número Trezentos e cinco foi impugnada pelas Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade ( ADI ) números Seis mil trezentos e dez e Seis mil duzentos e noventa e três, sob relatoria do Ministro Alexandre de Moraes ( em trâmite ). No Mandado de Segurança número trinta e sete mil cento e setenta e oito, por maioria, o Supremo Tribunal Federal ( STF ) denegou a ordem em caso no qual se questionava sanção disciplinar imposta pelo CNMP a membro do MP por publicação em rede social. Destaca-se que o voto do relator Ministro Fux, pelo qual identificou - em abastrato, por não ser possível dilação probatória no mandado de segurança - vínculo do conteúdo da mensagem com a violação do pluralismo político e defesa de minorias políticas. Mas, ressaltou o Ministro Fux que "a liberdade de expressão pode sofrer limitações pontuais, desde que absolutamente proporcionais, sem recair em falso moralismo que intenta censurar palavras e atos" ( STF mandado de Segurança número Trinta e sete mil cento e setenta e oito, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, Sessão Virtual de Sete de agosto de Dois mil e vinte a Dezessete de agosto de Dois mil e vinte )     


P.S.:


Notas de rodapé:


* O direito à liberdade de expressão, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/06/direitos-humanos-o-direito-liberdade-de.html .


*2 O direito à privacidade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/04/direitos-humanos-doutrinas-e_30.html .


*3 Artigo Noventa e cinco ( ... ) Parágrafo Único. Aos juízes é vedado: ( ... ) Inciso Terceiro - dedicar-se à atividade político-partidária..


*4 Artigo Cento e vinte e oito, Parágrafo Quinto Leis complementares da União e dos Estados cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros: ( ... ) Inciso Segundo - as seguintes vedações ( ... ) e) exercer atividade político-partidária;


*5 Os Princípios Básicos Relativos à Independência da Magistratura e os Princípios de Conduta Judicial de Bangalore, no contexto dos Direitos Humanos, são melhora detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/06/direitos-humanos-independencia-do-poder.html .


*6 A vedação à discriminação ou discurso discriminatório, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-discriminacao-e.html .


*7 A vedação ao discurso de ódio, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/06/direitos-humanos-o-direito-liberdade-de_28.html .


*8 A vedação ao discurso que revele racismo, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/06/direitos-humanos-doutrinas-e_9.html .


*9 A vedação à discriminação por motivo de gênero, no contexto dos Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/06/direitos-humanos-aplicacao-do-direito.html .


*10 A vedação à intolerância religiosa, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/04/direitos-humanos-doutrinas-e_88.html .


*11 A vedação à intolerância ideológica, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/11/direitos-humanos-o-direito-de-objecao.html .


*12 A vedação à discriminação a pessoas, independentemente de sua condição física, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-protecao-das-pcd-no.html .


*13 A vedação à discriminação a pessoa, independentemente de sua idade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/03/direitos-humanos-conselho-elabora.html .


*14 A vedação à discriminação a pessoa, independentemente de sua origem social ou cultural, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-discriminacao-e.html . .     

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