segunda-feira, 31 de julho de 2023

Direitos Humanos: o direito à privacidade e o sigilo fiscal

Os dados fiscais de uma pessoa ( física ou jurídica ) consistem no comjunto de informações sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo tributário ou de terceiros sobre a natureza e estado de seus negócios ou atividades, conforme dispõe o Artigo número Cento e noventa e oito do Código Tributário Nacional ( CTN ). que impõe o chamado forma, tais informações. O sigilo fiscal nada mais é que um desdobramento do direito à intimidade ( * vide nota de rodapé ) ( Habeas Corpus número Oitenta e sete mil seiscentos e cinquenta e quatro, voto da Relatora Ministra Ellen Gracie, julgado em Sete de março de Dois mil e seis, Segunda Turma, Diário da Justiça de Vinte de abril de Dois mil e seis ).


As informações que compõem os arquivos do Fisco são importantes para tutelar vários direitos fundamentais de terceiros. Como faceta do direito da intimidade, o sigilo fiscal não é absoluto, podendo ser afastado, devendo o Fisco fornecer tais informações e transferindo-se sigilo ao órgão que venha a receber tais informações. A chamada "quebra do sigilo fiscal" consiste tão somente na quebra do monopólio do Fisco sob tais informações, sendo mais apropriada a denominação de "transferência do sigilo fiscal" para ente que continua obrigado a não divulgar tais informações ao público.


Essa transferência do sigilo fiscal pode ocorrer para:


1) o Poder Judiciário ( PJ ) por ordem judicial, em ações penais ou cíveis, cuja tutela justa dependa das informações econômicas e financeiras em poder do fisco;

2) outros Fiscos ( por exemplo, do Fisco Federal para Fisco Estadual ), em face da necessária troca de informações para o cumprimento de suas funções ( Artigo número Cento e noventa e oito do CTN );

3) autoridades estrangeiras para permutar informações no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos;

4) o Tribunal de Contas da União ( TCU ) ( Lei número Oito mil setecentos e trinta / Mil novecentos e noventa e três ), para supervisão da moralidade e probidade dos agentes públicos;

5) demais autoridades administrativas, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa;

6) Comissão Parlamentar de Inquérito ( CPI ), federal ou estadual;

7) Ministério Público da União ( MPU ), de acordo com Lei Complementar número Setenta e cinco / Noventa e três.


Vê-se que a transferência de sigilo fiscal não é submetida a cláusula de reserva de jurisdição.


A transferência de sigilo para o MPU, sem a mediação do Poder Judiciário, foi tema controverso. A base normativa para tal transferência é o Artigo Oitavo, Parágrafo Segundo, da Lei Complementar número Setenta e cinco / Mil novecentos e noventa e três, que determina que "nenhuma autoridade poderá opor ao MP, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido". Em despacho de Vinte e sete de dezembro de Dois mil e sete, o advogado-Geral da União ( AGU ), Ministro José Dias Toffoli ( atualmente Ministro do Supremo Tribunal Federal  - STF ) adotou parecer normativo ( vinculante para a Receita Federal do Brasil - RFB ) no sentido de que não há que se opor reserva de sigilo fiscal ao MPU, dirimindo as controvérsias no seio dos órgãos da Administração Federal.


Contudo, há vários precedentes judiciais mais recentes que entendem que, mesmo para o MPU, é necessária ordem judicial para a transferência do sigilo fiscal ( Superior Tribunal de Justiça - STJ - Habeas Corpus número Cento e sessenta mil seiscentos e quarenta e seis - São Paulo, Relator Ministro Jorge Mussi, julgado em Primeiro de setembro de Dois mil e onze ).


No Tribunal Superior Eleitoral ( TSE ), o posicionamento pacificado também é pela impossibilidade do MP Eleitoral ( MPE ) requisitar, diretamente, a quebra do sigilo fiscal à Receita Federal do Brasil ( RFB ), devendo obter, antes, ordem judicial para tanto ( TSE, Agravo Regimental - Recurso Especial número Oitenta e dois mil quatrocentos e quatro / Rio de Janeiro, Relator Ministro Arnaldo Versiani, julgado em Quatro de novembro de Dois mil e dez ).


Por outro lado, caso identifique crime, a RFB pode voluntariamente encaminhar diretamente - sem ordem judicial - os dados necessários do contribuinte ao Ministério Público Federal ( MPF ) ( *2 vide nota de rodapé ) e MP estaduais. Em julho de Dois mil e dezenove, o Presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, em petição avulsa de Flávio Bolsonaro, decidiu suspender o processamento de todos os inquéritos e procedimentos de investigação criminal ( PIC ), atinentes aos Ministérios Públicos Federal ( MPF ) e estaduais, em trâmite no território nacional, que foram instaurados sem prévia autorização judicial sobre os dados compartilhados pelos órgãos de fiscalização e controle ( Fisco, COAF e Banco Central do Brasil - BACEN ), que vão além da identificação dos titulares das operações bancárias e dos montantes globais.


Contudo, no julgamento, foi considerada constitucional a transferência do sigilo de todos os dados apurados pela RFB diretamente ao MP ( sem autorização judicial prévia - inclusive houve retificação do voto e mudança podição do Ministro Dias Toffoli ), uma vez que o sigilo fiscal continua a ser mantido ( agora, sob a guarda do MP ). Foi fixada a seguinte tese:


"1) É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da RFB, que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional.

2) O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios". Com a tese fixada, o compartilhamento ao MP voltou a ser admitido, com a devida formalização e garantia de manutenção do sigilo ( STF, Recurso Extraordinário número Um milhão cinquenta e cinquenta e cinco mil novecentos e quarenta e um / São Paulo, Relator Ministro Dias Toffoli, Plenário, Quatro de dezembro de Dois mil e dezenove ).


A divulgação indevida desses dados sigilosos consiste no crime de "violação de sigilo funcional", que é punido de acordo com a previsão do Artigo Trezentos e vinte e cinco do Código Penal ( CP ) ( Violação de sigilo funcional: artigo Trezentos e vinte e cinco. Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segrego, ou facilitar-lhe a revelação: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave ).  


P.S.:


Notas de rodapé:


* O direito à intimidade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/07/direitos-humanos-o-direito-privacidade.html .


*2 Entre outros, cite-se o Artigo Oitenta e três da Lei número Nove mil quatrocentos e vinte / Mil novecentos e noventa e seis. "Artigo Oitenta e três. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos Artigos Primeiro e Segundo da Lei número Oito mil cento e trinta e sete, de Vinte e sete de dezembro de Mil novecentos e noventa, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos Artigos Cento e sessenta e oito - A e Trezentos e trinta e sete - A do Decreto-Lei número Dois mil oitocentos e quarenta e oito, de Sete de Dezembro de Mil novecentos e quarenta ( Código Penal - CP ), será encaminhada ao MP depois de proferida a decisão dinal, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente".

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