Um bolsonarista ligado à cúpula da extrema - direita norte - americana, seguidor ferrenho de Olavo de Carvalho e próximo de Donald Trump, está no centro das investigações sobre os ataques golpistas que culminaram no Oito de Janeiro. Ex - assessor especial para assuntos internacionais do ex - Presidente da República ( PR ) Jair Messias Bolsonaro ( do Partido Liberal - PL ), Filipe Garcia Martins foi citado em depoimento do Tenente - Coronel Mauro Cid, que fechou acordo de delação premiada com o Departamento da Polícia Federal ( DPF ).
Cid relatou ao DPF que Bolsonaro recebeu em mãos de Martins uma minuta de Decreto golpista de convocação de novas eleições, logo após o pleito de outubro do ano de Dois mil e vinte e dois, vencido pelo PR Luiz Inácio Lula da Silva ( do Partido dos Trabalhadores - PT ) . O conteúdo do depoimento foi antecipado pelo colunista Aguirre Talento, do Portal universo On Line ( UOL ) .
Segundo Talento, Cid contou ao DPF que Martins levou para o encontro com Bolsonaro, no fim do ano de Dois mil e vinte e três, um advogado constitucionalista e um padre. CID, entretanto, disse não se lembrar dos nomes desses dois personagens.
O DPF vai cruzar as informações de Cid com uma série de arquivos encontrados no celular do militar. Eles incluem uma minuta golpista e um roteiro para o golpe de Estado, além de um parecer emitido pelo jurista e advogado Ives Gandra Martins para embasar juridicamente a empreitada criminosa. A análise pode confirmar se foi Gandra quem participou da reunião com Bolsonaro e Martins.
A notícia do UOL acrescenta que a minuta entregue a Bolsonaro incluía a determinação da prisão de adversários. Outra informação é que, segundo o relato de Cid ao DPF, Bolsonaro, após receber o documento, consultou militares de alta patente sobre viabilidade de um golpe de Estado.
O DPF investiga se a minuta é a mesma que foi encontrada na residência do ex - Ministro da Justiça ( MJ ) Anderson Torres e que, da mesma forma, também autorizava prisão de adversários.
Ainda conforme Talento, Cid afirmou na delação que, durante a reunião de Bolsonaro com os militares, o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, foi favorável ao plano golpista. No entanto, não houve adesão do Alto Comando das Forças Armadas.
Aos investigadores, Cid, conforme a notícia, disse ter testemunhado tanto a reunião de Martins com Bolsonaro quanto a de Bolsonaro com militares.
As conexões do ex-assessor
Para se ter noção do peso das novas revelações de Cid é importante conhecer detalhes da ascensão meteórica de Martins nos subterrâneos da extrema - direita, dentro e fora do país.
Nascido em Sorocaba ( no Estado de São Paulo - SP ) e criado em Votorantim ( SP ), ele é bacharel em Relações Internacionais ( RI ). Foi nomeado, em três de janeiro de Dois mil e dezenove, com apenas Trinta e um anos de idade, assessor especial da PR para assuntos internacionais, após ter atuado com o ex - ministro das Relações Exteriores ( MRE ) Ernesto Araújo, outro devoto de Olavo de Carvalho, no governo de transição.
Na terra plana bolsonarista, o prestígio de Martins não vinha de experiência ou trabalhos de destaque na área de RI, mas da desenvoltura com que ele espalhava mentiras e discursos de ódio nas redes sociais.
Por essa razão, seu nome foi incluído entre os investigados no inquérito das fake news, do Supremo Tribunal Federal ( STF ), por suspeita de pertencer ao chamado “ gabinete do ódio ” , uma “ associação criminosa ” , como disse o ministro Alexandre de Moraes, formada por funcionários que utilizavam a estrutura do Palácio do Planalto ( sede do Poder Executivo Federal - PEF ) para difundir mentiras e ataques a adversários de Bolsonaro.
A inclusão do nome de Martins no inquérito veio após ele fazer declarações sobre um grotesco vídeo com leões e hienas postado no Twitter de Bolsonaro. O ex - assessor também entrou na mira das comissões parlamentares de inquérito ( CPI ) das Fake News e da Pandemia.
À época da nomeação de Martins no Planalto, seu perfil no Linkedin informava que ele havia trabalhado na Embaixada dos Estados Unidos da América ( EUA ) em Brasília ( no Distrito Federal - DF ) entre fevereiro de Dois mil e quinze e julho de Dois mil e dezesseis – época do ápice do movimento golpista que depôs a presidenta Dilma Rousseff.
Nesse período, segundo a plataforma, Martins desempenhou diversas funções na representação americana, entre as quais a de ser “ responsável pela elaboração de pesquisas, estudos e relatórios sobre a conjuntura política e econômica do Brasil, com ênfase na relação bilateral com os EUA ” . Outras tarefas incluíam “ auxílio na recepção de autoridades nacionais e internacionais, bem como no planejamento e organização de reuniões ” .
Antes de servir ao governo americano, Martins dava expediente na assessoria internacional do Tribunal Superior Eleitoral ( TSE ), a Corte contra a qual Bolsonaro e seus asseclas viriam a desferir uma série de ataques, com acusações infundadas sobre supostas irregularidades no processo eleitoral. Na minuta golpista encontrada na casa de Torres, havia a previsão de decretação de “ estado de defesa ” no TSE, o que abriria caminho para a anulação do resultado das eleições do ano de Dois mil e vinte e três.
Martins também atuou em consultorias privadas e deu aulas em cursos preparatórios para as carreiras diplomática e de oficial da Agência Brasileira de Inteligência ( ABIN ) .
Após o golpe contra Dilma, Martins deixou a embaixada dos EUA e passou a fazer parte do grupo em torno da pré - candidatura presidencial de Bolsonaro. Chegou a assumir a Secretaria de Assuntos Internacionais ( SAI ) do Partido Social Liberal ( PSL ), partido pelo qual Bolsonaro se elegeu naquele ano.
Relações com o Trump
Antes das eleições, Martins, ao lado do deputado Eduardo Bolsonaro, desfilava com desenvoltura pelos seletos ambientes da ultra - direita norte - americana.
Em seu twitter, postou fotos posando ao lado dos senadores Ted Cruz e Marco Rubio, de Steve Bannon e do genro e assessor do ex - PR Donald Trump ( do partido Republicanos ), Jared Kushner – em outubro de Dois mil e vinte e dois, Bannon, ex - assessor de Trump, foi condenado a quatro meses de prisão e multa por se recusar a atender a intimações do comitê que investiga o ataque golpista ao Capitólio, sede do Poder Legislativo Federal ( PLF ) dos EUA, ocorrido em Seis de janeiro de Dois mil e vinte e um.
Bannon foi apresentado a Bolsonaro por Martins, e o americano passou a assessorar Bolsonaro em seu projeto golpista de se manter no poder. Por sua vez, os republicanos Ted Cruz e Marco Rubio são os políticos que melhor personificam o influente e bilionário lobby armamentista, que viria a encontrar um terreno fértil no Brasil com Bolsonaro na PR.
Martins também tem fotos com Trump. Em agosto de Dois mil e dezenove, a Casa Branca ( sede do Poder Executivo Federal - PEF ) divulgou imagens do Salão Oval, nas quais o americano aparece reunido com seu então secretário de Estado, Mike Pompeu, com Martins, Ernesto Araújo e Eduardo Bolsonaro.
Padrinhos
Quando tomou posse como assessor no Palácio do Planalto, Martins foi efusivamente homenageado por Eduardo Bolsonaro e por Araújo, seus principais padrinhos políticos.
“ Realmente Bolsonaro estará muito bem assessorado! Sangue novo nas RI, nunca se preocupou em aparecer e sempre estudou e trabalhou no sentido correto, honesto e inteligente ” , celebrou o filho de Bolsonaro, nas redes socias.
“ Ninguém melhor talhado que Martins para Assessor Internacional do Planalto. Seu conhecimento, sensibilidade, determinação, visão estratégica e patriotismo raramente se reúnem nesse grau na mesma pessoa. Um privilégio trabalhar com ele na política externa de Bolsonaro! ” , festejou Araújo.
Na primeira semana do governo Bolsonaro, durante a qual Martins foi nomeado no Planalto, o então assessor já estava cumprindo uma missão internacional altamente relevante para o governo que se iniciava. Ele viajou ao Peru para participar de uma reunião do Grupo de Lima – bloco de países latino - americanos criado para monitorar a crise na Venezuela, à época sintonizado com os interesses de Washington ( Capital dos EUA ) contra o governo de Nicolás Maduro.
Durante o encontro, Araújo afirmou que Bolsonaro “ não exclui a possibilidade ” da instalação de uma base militar americana no Brasil. Segundo Araújo, caso isso acontecesse, faria parte de uma “ agenda mais ampla ” do país com os EUA.
Outro compromisso importante de Martins na nova função ocorreu em julho de Dois mil e dezenove. O bolsonarista se reuniu com o chefe do FBI no Brasil, David Brassanini, que estava acompanhado por William Popp, vice - chefe da missão da embaixada dos EUA. Brassanini era o principal supervisor da expansão do Federal Bureau of Investigation ( FBI - sigla em inglês - o equivalente ao DPF no Brasil ) no Brasil desde a posse presidencial de Bolsonaro e a nomeação de Sergio Moro como MJ.
Segundo reportagem da Agência Pública, baseada em documentos oficiais, Sergio Moro e o então Diretor - Geral do DPF, Maurício Valeixo, assinaram acordos com o FBI, ampliando a influência norte - americana em diferentes áreas de combate ao crime no Brasil, incluindo a presença dos agentes estrangeiros em um centro de inteligência na fronteira, investigações sobre corrupção e acesso a dados biométricos brasileiros.
Voo da Covid
Em março de Dois mil e vine, início da pandemia da Covid - Dezenove, Martins acompanhou Bolsonaro na primeira visita oficial aos EUA, para um encontro com Donald Trump. Naquela ocasião, foi iniciado um processo de aproximação entre os dois presidentes, baseado mais em princípios ideológicos comuns do que nos interesses estratégicos dos respectivos países. No Brasil, a missão foi batizada de “ voo da Covid ” , pois mais de Vinte integrantes da comitiva retornaram ao país com diagnóstico positivo para a doença, entre eles Martins e Cid.
Um outro episódio aconteceu em agosto de Dois mil e vinte, quando Eduardo Bolsonaro foi acusado pelo ex - deputado estadual de São Paulo Douglas Garcia, um ex - aliado, de ter entregue à embaixada americana no DF, onde Martins havia trabalhado, um dossiê sobre militantes antifascistas no Brasil.
O material de Cinquenta e seis laudas trazia dados pessoais, inclusive fotografias, de quase mil pessoas. Eduardo Bolsonaro negou à Justiça que tivesse participado da elaboração e da divulgação do dossiê, mas admitiu que o encaminhou para autoridades.
Apesar de uma forte atuação no aparelho bolsonarista, Martins, com um perfil discreto, só ficou nacionalmente conhecido em Vinte e quatro de março de Dois mil e vinte e um, quando foi flagrado por câmeras de segurança fazendo um gesto que pode ser associado a supremacistas brancos durante uma sessão no Senado Federal ( SF ). Na ocasião, Ernesto Araújo falava sobre a atuação do Palácio Itamaraty ( sede do MRE ) em relação à aquisição de vacinas contra a Covid.
O Ministério Público Federal ( MPF ) no DF denunciou Martins pelos gestos racistas. Os procuradores, que se baseiam em informações prestadas pela Polícia Legislativa do SF ( PLSF ), afirmaram que ele “ agiu de forma intencional e tinha consciência do conteúdo, do significado e da ilicitude do seu gesto ” .
No entanto, o juiz Marcus Vinicius Reis Bastos, da Justiça Federal do DF e Territórios ( JFDFT ), o absolveu da acusação, com o argumento de “ não haver um único elemento que indique tal crime, senão a própria narrativa da autoridade policial e do MPF, que, conquanto mereçam respeito, não possuem força probatória em si ” .
CPMI do Golpe
Na quinta - feira ( Vinte de setembro de Dois mil e vinte e três ) , as revelações de Cid sobre o envolvimento de Martins com a escalada antidemocrática repercutiram entre os parlamentares da CPMI do Golpe. Durante a sessão, estava presente o terrorista Souza, ex - assessor da senadora Damares Alves quando ela era ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos ( MMFDH ) de Bolsonaro.
Macedo foi preso nesta semana no Paraguai, acusado de participar da tentativa de explodira um caminhão - tanque nos arredores do aeroporto do DF em Vinte e quatro de dezembro do ano de Dois mil e vinte e dois, véspera de natal. Porém, amparado por um habeas corpus do STF, o golpista se manteve calado na CPMI.
O deputado federal Rogério Correia ( do PT do Estado de Minas Gerais - PT - MG ) afirmou, durante a sessão, que as revelações de CID reforçam ainda mais os já robustos indícios da participação de Bolsonaro na tentativa de golpe de Estado.
“ Isso não é, como se diz, narrativa. São fatos concretos que aconteceram e que nós viemos provando. Então, esse procedimento de golpe está absolutamente claro nessa questão que nós aqui levantamos. Mas tem mais: quem é que levou essa proposta de golpe, ou a minuta do golpe, ou o passo a passo do golpe? Martins, assessor de Bolsonaro, aquele que virou réu por racismo após o gesto supremacista que ele fez aqui no SF. Esse que levou a Bolsonaro, segundo Cid, a minuta do golpe ” , afirmou Correia.
A senadora Soraya Thronicke, por sua vez, anunciou que apresentará requerimento de convocação de Martins para depor na CPMI. Porém, o bolsonarista tem paradeiro desconhecido e mantém silêncio nas redes sociais.
Após a derrota de Bolsonaro nas eleições, Martins continuou como assessor até o final do governo. Porém, desde de janeiro de Dois mil e vinte e três ele evita dizer onde mora e trabalha, até mesmo para outros bolsonaristas.
Diferentemente de outros aliados de Bolsonaro que ganharam cargos em gabinetes no Congresso Nacional ( CN ) ou na estrutura de governos estaduais, Martins não foi nomeado para nenhum cargo público.
Nas redes sociais, a última postagem de Martins no Twitter, onde ele opinava com frequência sobre temas nacionais e internacionais, é de Trinta de outubro de Dois mil e vinte e três, dia do segundo turno das eleições presidenciais. O mesmo silêncio se dá no Facebook e no Instagram.
Com informações da:
Agência PT de Notícias
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