A população LGBTQIA+ detida no sistema prisional do Estado de Santa Catarina ( SC ) estaria submetida à violência institucional e também à hostilidade de outros presos, ameaçada por facções criminosas. O cenário é denunciado por um relatório divulgado nesta terça - feira ( Dezenove de setembro de Dois mil e vinte e três ) pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura ( MNPCT ) , órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania ( MDHC ) que trouxe em agosto de Dois mil e vinte e três relatos de tortura do sistema socioeducativo do Estado.
O MNPCT visitou Vinte e quatro unidades prisionais de Doze Estados para elaborar o relatório dedicado aos grupos LGBTAIA+ entre janeiro e outubro de Dois mil e vinte e um, com o apoio da Organização Não Governamental ( ONG ) Somos. Em SC, foram vistoriadas a Penitenciária Masculina de Florianópolis ( PMF ) e o Presídio Feminino Regional de Itajaí ( PFRI ).
No primeiro deles foi identificado, a partir dos relatos dos próprios apenados LGBTQIA+, a existência de violência física ou psicológica praticada por outros presos, servidores de segurança e / ou policiais penais e também pelas equipes técnicas, o que se repetiu na maior parte das outras unidades do país.
O PFRI foi um dos únicos visitados pelo MNPCT em que não houve relato de hostilidade institucional. No entanto, foi descrito haver violência por parte de outras custodiadas. As internas do estabelecimento informaram ao MNPCT que grupos ligados a organizações criminosas não aceitam as pessoas LGBTQIA+, o que faz elas viverem “ sob ameaça e tensão no cárcere ” .
“ Em todas as unidades inspecionadas, sem exceção, as pessoas relataram que sofreram algum episódio relacionado a preconceito e discriminação. Este cenário reafirma o lugar que o Brasil tem ocupado de liderança entre os países que mais matam a população LGBTQIA+ no mundo e ainda impõe a reflexão de que a população LGBTQIA+ aprisionada sofre com uma vulnerabilidade extremada na prisão ”, diz o MNPCT.
Ainda em relação ao preconceito, o relatório menciona que, no PMF, há dificuldade para a população LGBTQIA+ conseguir trabalho e oportunidades de estudo.
“ Segundo as pessoas presas entrevistadas, isso se dá por três motivos : são minoria da unidade prisional, não são aceitos pela massa carcerária e há um nítido preconceito de incluí - los em tais atividades”, aponta.
Nome social e prevenção a IST
No levantamento, o MNPCT cita ainda que não havia uma ala específica para a população LGBTQIA+ nas unidades visitadas em SC e que o grupo ficava acolhido nas alas chamadas de “ seguro ”, onde costumam estar as pessoas ameaçadas por outros detentos e privadas do convívio geral.
O relatório aponta também que o uso de nome social por pessoas LGBTAIA+ é desrespeitado nas unidades visitadas em SC. Além disso, apenas as pessoas com nome social feminino oficializado teriam direito de manter os cabelos compridos. Isso contraria resoluções do Conselho Nacional de Justiça ( CNJ ) .
O MNPCT ouviu relatos de que, no PMF, as pessoas LGBTQIA+ recebem kits de higiene, mas insuficientes, e têm acesso a hormonização. Outras demandas de saúde, no entanto, são demoradas. É o caso de exames de HPV, que não teriam resultados entregues às custodiadas.
As pessoas LGBTQIA+ ainda ouviriam piadas de cunho ofensivo ao pedir preservativos contra Infecções Sexualmente Transmissíveis ( IST ). No PMF, isso não seria dado de forma geral, mas em um kit feminino apenas às mulheres LGBTQIA+, mediante insinuações humilhantes.
“ Esse relato nos evidencia que além das prisões não manifestarem preocupação com a prevenção de IST, reforçam um paradigma antiquado e equivocado de ‘ papel ’ de gênero, como se a utilização do preservativo coubesse apenas às mulheres ”, aponta o documento do MNPCT .
O Portal NSC Total buscou contato com a Secretaria de Estado da Administração Prisional e Socioeducativa de SC ( SAP ) para entender se o cenário verificado pelo MNPCT nas unidades há mais de dois anos se mantém, mas ainda não obteve retorno. O espaço segue aberto para eventual manifestação.
Projeto de ressocialização em SC ganha destaque
O relatório do MNPCT também traz, em contrapartida, uma iniciativa elogiosa do sistema prisional de SC frente à população LGBTQIA+ : o projeto de ressocialização ReabilitaCão.
Trata - se de um programa de uma policial penal do PFRI para que apenados aprendam práticas de cuidado animal ao acolher pets resgatados de maus - tratos .
A iniciativa é focada, segundo o relatório, na ressocialização de grupos com experiências específicas de vulnerabilidade no sistema prisional ( pessoas LGBTQIA+ , com deficiências físicas ( Pessoas com Deficiência - PcD ) e diagnosticadas com sofrimentos psíquicos ). Ela também visa à reinserção futura dessas pessoas no mercado de trabalho, através de cursos de auxiliar de veterinário, com técnicas de banho e tosa.
“ É essencial pensar ações que contemplem as populações mais vulneráveis para combater a dupla segregação, discriminação e cerceamento de direitos que estas vivem no cárcere ” , destaca o relatório.
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