terça-feira, 2 de maio de 2023

Direitos Humanos: Programa expressa interesse estatal e social em criar um Conselho; Brasil continua sem um credenciado na ONU

O Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos ( DH ) ( PNDH-3 ) aprovado pelo Decreto número Sete mil e trinta e sete / Dois mil e nove ( * vide nota de rodapé ) assumiu o interesse do Estado brasileiro e da sociedade civil organizada na criação de um "Conselho Nacional dos DH ( CNDH )" ( *2 vide nota de rodapé ), informado pelos Princípios de Paris, a fim de ser credenciado junto ao Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas ( ONU ) para os DH ( ACONUDH ), como "instituição nacional brasileira" ( PNDH-3. Eixo: Interação democrática e sociedade civil. Ação programática "a" do Objetivo estratégico número Um ).


No PNDH-2, o foco era diferente, tendo sido estabelecido, no item "Garantia do direito à Justiça", entre outras tantas estratégias, as seguintes:


1) ( 3. Apoiar a criação de promotorias de DH no âmbito do Ministério Público ( MP ) ( *3 vide nota de rodapé ). 4. Apoiar atuação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão ( PFDC ) no âmbito da União e dos Estados".


Esse apoio ao fortalecimento do MP na área dos DH tinha razão de ser:


1) a configuração constitucional do MP brasileiro ( por não ser vinculado ao Poder Executivo ) e sua autonomia financeira e orçamentária aproximavam sua atuação do modelo estabelecido pelos Princípios de Paris.


Com o PNDH-3, buscou-se o caminho da criação de um "CNDH" que deveria substituir o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana ( CDDPH ), uma vez que este não atendia aos comandos dos Princípios de Paris, em especial quanto à atuação livre e independente: o Presidente do CDDPH era o próprio Secretário de DH ( SDH ), que possui status de Ministro de Estado, ou seja, é cargo de confiança do Presidente, podendo ser destituído a qualquer momento e sem qualquer motivação.


Um passo para a criação de uma verdadeira Instituição Nacional de DH ( INDH ) no Brasil foi dado com a transformação do CDDPH em um CNDH. O Projeto de Lei ( PLC ) número Quatro mil setecentos e quinze, de Mil novecentos e noventa e quatro, da Câmara dos Deputados ( CD ) tal intento. Esse PLC sofreu alteração no Senado Federal ( SF ), e, em junho de Dois mil e quatorze, foi promulgada a Lei número Doze mil novecentos e oitenta e seis, criando o CNDH. Todavia, o maior desafio para a aprovação deste CNDH como INDH é a presença de vários representantes do Poder Executivo Federal ( PEF ) e Poder Legislativo Federal ( PLF ) 9 inclusive da maioria governamental ) com direito a voto, o que contraria a exigência de "autonomia" e "independência funcional" dos conselheiros. Note-se que, ao menos, não foi dada ao titular do MDH ( em Dois mil e dezenove tornou-se Ministério da Mulher, da Família e dos DH ) a presidência nata do CNDH .


Um novo CNDH que atenda aos Princípios de Paris terá um papel diferente dos atuais "Conselhos e Comissões de DH" existentes hoje.


Os mais diversos Conselhos são exemplos de Conselhos de Políticas Públicas de DH, com representação aberta á sociedade civil e voltados á elaboração e coordenação das políticas de DH. Nesses Conselhos, o governo participa, ativamente, do processo decisório, pois seu envolvimento é indispensável para fazer valer a posição dos referidos conselhos no cotidiano da Administração Pública ( AP ). representam um modo de participação social e cogestão, tendo em comum o exercício do controle social da implementação dos direitos em sua área de preocupação ( mulheres, pessoas com deficiência - PcD - população lésbica, gay, bissexual, transgênero - LGBTQIA+, etc ).


O formato pretendido pelos Princípios de Paris é distinto: o governo é mero observador da atuação independente e imparcial da INDH. Os Ministros de Estado e demais órgãos submetidos ao poder hierárquico do PEF podem ter direito a voz, mas não teriam direito a voto na INDH. O papel de uma INDH é fiscalizar, cobrar e, com base na sua imparcialidade e representatividade social, exigir a reparação das violações de direitos identificadas e correção das políticas públicas em prol dos DH.


Em Dois mil e dezoito, foi sugerida a candidatura da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão ( PFDC ) ( órgão do Ministério Público Federal - MPF - ao GANHRI ( Global Aliance of National Human Rights Institutions ) para que o Brasil, finalmente tenha uma INDH, após a incapacidade do CNDH de se desvincular do PEF. A PFDC surgiu como candidata forte aos posto de Primeira INDH, em face de ser instituição pública, autônoma perante os Poderes de Estado ( pela sua localização no MPF, instituição extrapoder no Brasil ), tendo historicamente atuação independente 9 inclusive com críticas à atuação do próprio MPF ), com forte porosidade aos movimentos sociais e com capilaridade nacional, tendo ainda a possibilidade de provocar a atuação dos Procuradores da República com atuação em DH em todo o Brasil. A Lei Complementar ( LC ) número Setenta e cinco concebeu a PFDC nos moldes do defensor del  pueblo, defensor do povo ou do ombudsman nórdico, que são figuras já aceitas como INDH. Em Dois mil e dezenove, a PFDH foi considerada para ser credenciada junto ao GANHRI como a primeira INDH brasileira. Em uma pré-avaliação, o Subcomitê de Acreditação do GANHRI entendeu que as peculiaridades do modelo heterodoxo da PFDC ( órgão autônomo do MPF ) demandariam mais estudos quanto ao seu enquadramento nos requisitos dos Princípios de Paris ( *4 vide nota de rodapé ). Assim, em plena segunda década do Século Vinte e um, o Brasil continua sem ter uma INDH credenciada perante o ACONUDH.


Para que a PFDC seja aceita no futuro como INDH, será necessária uma nova arquitetura institucional que assegure sua atuação independente diante dos poderes públicos. Por exemplo, o modo de nomeação do PFDC ( atualmente, de escolha discricionária pelo Procurador-Geral da República ( PGR ) entre os Subprocuradores-Gerais da República ( SPGR ), com a aprovação do Conselho Superior do MPF - CSMPF ) deve ser condicionada a um passado reconhecido de defesa dos DH, com oitiva da sociedade civil organizada, bem como é salutar que, ao escolhido, sejam impostas restrições como, por exemplo, proibição de recondução e vedação á futura candidatura a postos de poder no MPF ou fora dele ( "quarentena" ), assegurando uma atuação livre e independente.


Quadro sinótico


O futuro: a criação de uma INDH, com a observância dos Princípios de Paris


O conceito de INDH e os Princípios de Paris


1) INDH: 

a) órgãos públicos que agem com independência, com a missão específica de proteger os DH, recebendo notícias de violações, recomendando ações e políticas de implementação de direitos.

b) A INDH deve ser uma instituição pública 9 não é uma organização não governamental - ONG - ), de alcance nacional, com mandato claro e independente, com forte representatividade social e autonomia política, dotada de orçamento próprio, apta a atuar nos casos de violação de DH sem ser constrangida, impedida ou ameaçada nessa atuação.

3) Origem:

a) Mil novecentos e quarenta e seis: as INDH foram discutidas pela primeira vez pelo Conselho Econômico e Social, e os Estados-membros foram convidados a estabelecer grupos de informação ou comitês locais para colaborarem no reforço da atividade da então existente CDH;

b) Mil novecentos e noventa e um ( Paris ): primeiro Workshop Internacional de Instituições Nacionais para a Promoção e Proteção dos DH. Conclusões foram aprovadas pela Comissão de DH na Resolução número Mil novecentos e noventa e três / Cinquenta e quatro, contendo os Princípios de Paris;

c) Mil novecentos e noventa e três: Assembleia Geral da ONU aprovou tais princípios na Resolução número Quarenta e oito / Cento e trinta e quatro, também recomendando a criação em cada Estado, de INDH;

d) Mil novecentos e noventa e três: Conferência Mundial de DH de Viena de Mil novecentos e noventa e três: houve expressa recomendação aos Estados para que criassem uma INDH;

4) Princípios de Paris: determinam que uma INDH deva ser um órgão público competente para promover e proteger os DH, estando previsto na Constituição ou em lei, agindo com independência nas seguintes atribuições:

a) apresentar ao Governo, parlamento, ou outro órgão competente, em caráter consultivo, opiniões, recomendações, propostas e relatórios;

b) promover e assegurar a harmonização entre preceitos nacionais e internacionais de DH, e sua efetiva implementação;

c) encorajar a ratificação de instrumentos internacionais de DH e assegurar sua implementação;

d) contribuir para os relatórios que os Estados têm de elaborar de acordo com os tratados de DH;

e) cooperar com a ONU e seus órgãos, bem assim com instituições regionais e nacionais, com atuação em DH;

f) assistir no formulação de programas para o ensino e a pesquisa em DH, e participar de sua execução em escolas, universidades e círculos profissionais;

g) dar publicidade aos DH e aos esforços de combater todas as formas de discriminação, em particular de discriminação racial, aumentando a conscientização pública, especialmente por meio da educação e de órgãos de imprensa.

4) Cumpridos os requisitos de ser órgão público, independente, plural e de atuação livre, a instituição nacional pode pleitear seu credenciamento perante a ONU.

5) O GANHRI patrocina as atividades de interação e diálogo entre as INDH.

6) Para que as INDH participem dessa parceria, devem ser aprovadas pelo Subcomitê de Credenciamento, que analisará o cumprimento dos Princípios de Paris.

7) Os Princípios de Paris não são invocados de modo absoluto sem levar em consideração as peculiaridades de cada Estado.


O Brasil e a INDH


1) PNDH-3 ( aprovado pelo Decreto número Sete mil e trinta e sete / Dois mil e nove ): assumiu o interesse do Estado brasileiro e da sociedade civil organizada na criação de um CNDH, informado pelos Princípios de Paris, afim de ser credenciado junto ao ACONUDH, como INDH brasileira.

2) O CDDPH não atendia aos comandos dos Princípios de Paris, em especial quanto à atuação livre e independente. No formato pretendido pelos Princípios de Paris, o governo é mero observador da atuação independente e imparcial da INDH, já que o papel de uma INDH é fiscalizar, cobrar e, com base na sua imparcialidade e representatividade social, exigir a reparação das violações de direitos identificados e correção das políticas públicas em prol dos DH.

3) A Lei número Doze mil novecentos e oitenta e seis criou o CNDH, mas manteve forte presença de conselheiros vinculados ao Poder Executivo, com direito a voto.

4) A PFDC teve sua candidatura apresentada em Dois mil e dezenove, mas o pleito foi indeferido. O Brasil continua sem ter uma INDH.        


P.S.:


Notas de rodapé:


* O Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/03/direitos-humanos-os-programas-nacionais.html .


*2 O Conselho Nacional de Direitos Humanos é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/03/direitos-humanos-as-atribuicoes-e-as.html .


*3 A competência do Ministério Público na promoção e defesa dos Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/07/direitos-humanos-doutrinas-e_1.html .


*4 Avaliação feita na sessão de Genebra 9 Suíça ), de Quatorze a Dezoito de outubro de Dois mil e dezenove. 

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