quarta-feira, 17 de maio de 2023

Direitos Humanos: o direito à igualdade, sua promoção e o dever de inclusão

Em diversas passagens, a Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) demonstra o apego à igualdade ( * vide nota de rodapé ), na perspectiva formal e material. O direito à igualdade implica dever de promoção da igualdade, o que traz como consequência um dever de inclusão ( *2 vide nota de rodapé ), não se aceitando a continuidade de situações fáticas desiguais.


Esse dever de inclusão leva a tratamentos desiguais aos desiguais. A própria CF  - 88 lista hipóteses de tratamento diferenciado para que se obtenha a igualdade material, como por exemplo:


1) reserva de vagas às Pessoas com Deficiência ( PcD ) ( *4 vide nota de rodapé ) nos concursos públicos ( Artigo Trinta e sete, Inciso Oitavo da CF - 88 );

2) tratamento previdenciário privilegiado às mulheres ( *5 vide nota de rodapé ) ( Artigo Quarenta, Parágrafo Primeiro, Inciso Terceiro e Artigo Duzentos e um, parágrafo Sétimo, Inciso Primeiro );

3) isenção das mulheres e eclesiásticos ( *6 vide nota de rodapé ) do serviço militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir ( Artigo Cento e quarenta e três, Parágrafo Segundo );

4) garantia de um salário mínimo de benefício mensal à PcD e ao idoso ( *7 vide nota de rodapé ) que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provido por sua família, conforme dispuser a lei ( Artigo Duzentos e três, Inciso Quinto );

5) previsão de que a lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos ( *8 vide nota de rodapé ) nacionais ( Artigo Duzentos e quinze, Parágrafo Segundo ), entre outras.


Esse tratamento diferenciado explícito não elimina a possibilidade de outros tratamentos diferenciados implícitos aceitos pela CF - 88, a serem impostos futuramente por lei. Pelo contrário, o objetivo de construção de uma sociedade justa e solidária exige que o Estado indague se há uma razão suficiente para impor um novo tratamento desigual. Caso exista, esse tratamento desigual deve ser aplicado.


Porém, esse tratamento diferenciado implicitamente aceito pela CF  - 88 deve levar em consideração determinados requisitos para ser legítimo.


Assim, a CF - 88 adotou a teoria da desigualdade justificada, cujos requisitos, baseados na lição de Bandeira de Mello ( *9 vide nota de rodapé ), são as seguintes:


1) existência de vínculo de pertinência lógica entre o elemento de diferenciação ( discriminen ) escolhido pela lei e a situação objetiva analisada;

2) a diferenciação atende aos objetivos do Estado Democrático de Direito ( EDD ) ( consonância da discriminação com o valores protegidos pela CF - 88 e tratados internacionais de Direitos Humanos ( DH ); e

3) a diferenciação realizada pela lei atende ao princípio da proporcionalidade ( descrito na Parte Primeira, Capítulo Terceiro, Item Sete ponto Quatro ).


Quanto ao elemento ou critério de discriminação ( discrímenen ), a escolha do legislador é ampla, desde que haja pertinência lógica com a situação objetiva analisada. Os critérios usualmente utilizados para impor preconceitos e situações inferiorizantes, descritos no Artigo Terceiro, Inciso Quarto, da CF - 88, tais como raça ( *8 vide nota de rodapé ), gênero ( *5 vide nota de rodapé ), cor, idade ( *7 vide nota de rodapé ), origem ( *10 vide nota de rodapé ), entre outros, podem ser utilizados para promover o direito à igualdade, veiculando vantagens aos que foram alvo de discriminação negativa.


Em síntese, a igualdade exige que sejam evitadas discriminações injustificáveis, proibindo-se o tratamento desigual aos que estejam na mesma situação e, simultaneamente, exige que sejam promovidas distinções justificáveis que resultem em um tratamento mais favorável aos que estão em situação desigual injusta. Com isso, há dois requisitos para comprovar-se a existência de uma discriminação injusta:


1) a existência de uma conduta ( ativa, ou comissiva ) de discriminação e

2) a ausência de uma justificativa adequada para tanto.


Assim, conforme já exposto, a discriminação injusta ou odiosa consiste em qualquer:


1) distinção,

2) exclusão ( *11 vide nota de rodapé ),

3) restrição ( *12 vide nota de rodapé ) ou

4) preferência em qualquer esfera pública ou privada, 


que tenha como objetivo ou efeito anular ou limitar o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de DH consagrados em instrumentos nacionais ou internacionais. Assim, a discriminação é todo tratamento de diferenciação, restrição ou mesmo exclusão sem justificativa racional e proporcional, realizado por agentes públicos ou privados, visando à privação ou prejuízo a direito de outrem. Por sua vez, a discriminação injusta ( que é combatida ) pode ser:


1) direta ou 

2) indireta ( também chamada de invisível ). 


A discriminação direta consiste na adoção de prática intencional e consciente que adote critério injustificável, discriminando determinado grupo e resultando em prejuízo ou desvantagem.


A discriminação indireta é mais sutil: consiste na adoção de critério aparentemente neutro ( e, então, justificável ), mas que, na situação analisada, possui impacto negativo desproporcional em relação a determinado segmento vulnerável. A discriminação indireta levou à consolidação da teoria do impacto desproporcional, pela qual é vedada toda e qualquer conduta ( inclusive legislativa ) que, ainda que não possua intenção de discriminação, gere, na prática, efeitos negativos sobre determinados grupos ou indivíduos ( *13 vide nota de rodapé ).


Na discussão sobre a Emenda Constituional ( EC ) número Vinte de Mil novecentos e noventa e oito, que limitou os benefícios previdenciários a Mil de duzentos reais, discutiu-se a quem caberia pagar a licença-maternidade no caso da mulher trabalhadora receber salário superior a tal valor. Caso a interpretação ( *14 vide nota de rodapé ) concluísse que o excedente seria pago pelo empregador, a regra aparentemente neutra ( limite a todos os benefícios ) teria um efeito discriminatório da mulher, pois aumentariam os custos para o patrão. Com isso, a regra teria um efeito discriminatório no mercado de trabalho e um impacto desproporcional sobre a empregabilidade da mulher, pois aumentariam os custos para o patrão.  Com isso, a regra teria um efeito de discriminação indireta, contrariando a regra constitucional proibitiva da discriminação indireta, contrariando a regra constitucional proibitiva da discriminação, em matéria de emprego, por motivo de gênero. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal ( STF ) decidiu que "na verdade, se se entender que a Previdência Social, doravante, responderá apenas por Mil de duzentos reais por mês, durante a licença da gestante, e que o empregador responderá, sozinho, pelo restante, ficará sobremaneira facilitada e estimulada a opção deste pelo trabalhador masculino, ao invés da mulher trabalhadora. Estará, então, propiciada a discriminação que  a CF - 88 buscou combater, quando proibiu diferença de salários, de exercício de funções e de critários de admissão, por motivo de gênero ( Artigo Sétimo, Inciso Trinta, da CF - 88 ), proibição que, em substância, é um desdobramento do princípio da igualdade de direitos entre homens e mulheres, previsto no Inciso Primeiro do Artigo Quinto da CF - 88" ( ... ) Ação Direta de Inconstitucionalidade ( ADI ) é julgada procedente, em parte, para se dar ao Artigo quatorze da EC Vinte ( ADI número Mil novecentos e quarenta e seis, relator Ministro Sydney Sanches, julgada em três de abril de Dois ml e três, Plenário, Diário da Justiça de Dezesseis de maio de Dois mil e três ).


Já na Ação de Descumprimento de Preceitos Fundamentais ( ADPF ) número Duzentos e noventa e um, referente ao crime militar de "pederastia ou outro ato de libidinagem", o voto do Ministro Barroso enfatizou que o dispositivo ( Artigo Duzentos e trinta e cinco do Código Penal Militar- CPM ), embora hipoteticamente fosse aplicável a relações homossexuais ou heterossexuais, era, na prática, empregado de forma discriminatória, produzindo maior impacto sobre militares gays, sendo típica hipótese de "discriminação indireta" com impacto desproporcional ( disparate impact ). Para o Ministro Barroso todo o Artigo Duzentos e trinta e cinco deveria ser julgado como não recepcionado, uma vez que " ( ... ) que a manutenção de um dispositivo que torna crime militar o gênero consensual entre adultos entre adultos, ainda que sem a carga pejorativa das expressões "pederastas" e "homossexual ou não", produz, apesar de sua aparente neutralidade e em razão do histórico e das características das Forças Armadas, um impacto desproporcional sobre homossexuais, o que é incompatível, o que é incompatível com o princípio da igualdade". Contudo, a maioria dos Ministros entendeu que a criminalização de atos libidinosos praticados pro militares em ambientes sujeitos à administração militar justifica-se, em tese, para a proteção da hierarquia e da disciplina castrenses ( Artigo Cento e quarenta e dois da CF - 88 ), mas, por outro lado, não foram recepcionadas pela CF - 88 as expressões "pederastia ou outro" e "homossexual ou não", contidas, respectivamente, no nomen iuris ( *15 vide nota de rodapé ) e no Caput do Artigo Duzentos e trinta e cinco do CPM, mantido o restante do dispositico ( STF, ADPF Duzentos e noventa e um, relator Ministro roberto Barroso ( que reajustou seu voto ), Tribunal Pleno, julgada em Vinte e oito de outubro de Dois mil e quinze, Diário da Justiça de Onze de maio de Dois mil e dezesseis ).


Há ainda a discriminação múltipla ou agravada, que consiste em qualquer preferência, distinção, exclusão ou restrição, baseada, concomitantemente, em dois ou mais fatores de diferenciação injustificada.   


P.S.:


Notas de rodapé:


* O direito à igualdade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/04/direitos-humanos-doutrinas-e_7.html .


*2 O dever de inclusão social, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/11/direitos-humanos-o-desenvolvimento.html .


*4 A proteção das Pessoas com Deficiência, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-protecao-das-pcd-no.html .


*5 A participação das mulheres nas esferas sociais, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-participacao-das.html .


*6 O tratamento desigual aos eclesiástico, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/04/direitos-humanos-doutrinas-e_31.html .


*7 A proteção ao idoso, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/03/direitos-humanos-conselho-elabora.html .


*8 A promoção da igualdade racial, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/06/direitos-humanos-doutrinas-e_9.html .


*9 Bandeira de Mello, Celso Antônio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. Terceira edição. São Paulo: Malheiros, Mil novecentos e noventa e três.


*10 O estrangeiro, como destinatário dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/03/direitos-humanos-doutrinas-e.html .


*11 O enfrentamento à exclusão, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-carta-estimula.html .


*12 As restrições excepcionais aos Direitos Humanos são melhor detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-as-restricoes.html .


*13 Gomes, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade. Rio de Janeiro: Renovar, Dois mil e um, Página Vinte e quatro.


*14 A efetividade (  ou  materialidade, impacto ) como critério de interpretação é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-efetividade-como.html .


*15 nomen iuris: nome de direito; título do crime. Dicionário latim-português: termos e expressões / supervisão editorial jait Lot Vieira - São Paulo : Edipro, Dois mil e dezesseis. Página Duzentos e setenta e dois.  

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