quarta-feira, 10 de maio de 2023

Direitos Humanos: o direito à vida versus a pena de morte

A pena de morte ( * vide nota de rodapé ) é expressamente vedada pela Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ), salvo em caso de guerra declarada ( " ArtigoQuinto, Inciso Quarenta e sete - não haverá penas:


1) de morte, salvo em caso de guerra declarada " ).


É necessária que o Código Penal Militar 9 CPM ) prescreva tal pena, existente hoje em vários crimes a partir do Artigo Trezentos e cinquenta e seis ( entre outros, os crimes de deserção, traição às pátria, dano especial, inobservância do dever militar, motim, espionagem, entre outros ). A pena de morte no Brasil é executada por fuzilamento ( Artigo Cinquenta e seis do CPM ). Caso a pena seja imposta em zonas de operações de guerra, pode ser imediatamente executada, quando o exigir o interesse da disciplina militares ( Artigo Cinquenta e sete ). mesmo emenda constitucional ( EC ) não poderá tornar possível a pena de morte em outros casos fora do contexto de guerra declarada, pois o direito à vida ( *2 vide nota de rodapé ) é cláusula pétrea.


No mundo, a pena de morte caminha para seu completo desaparecimento. De acordo com a Organização das Nações Unidas ( ONU ), há poucos países que preveem a pena capital para crimes comuns em situação regular. Há alguns Estados, como o Brasil, que a admitem em caso de guerra declarada, mas essa excepcionalidade reafirmou a proibição da pena de morte em geral. Mesmo para crimes gravíssimos a pena de morte não é prevista nos últimos tratados internacionais penais, como se vê no Estatuto ( *3 vide nota de rodapé ) do Tribunal Penal Internacional ( TPI ) ( Estatuto de Roma ) ( *4 vide nota de rodapé ), cuja pena máxima é a de prisão perpétua. Esta tendência é fruto dos inegáveis malefícios da pena de morte, uma vez que não admite a reparação do erro judiciário, como é óbvio, além de outras mazelas, como a assunção da impossibilidade de ressocialização, a banalização da vida em um "assassinato oficial", entre outras.


Há três fases da regulação jurídica da pena de morte.


1) A primeira fase é a da convivência tutelada, na qual a pena de morte era tolerada, porém com estrito regramento. A imposição ordinária da pena de morte em vários países e, em especial em alguns considerados berços da proteção aos Direitos Humanos ( DH ) , como a Inglaterra e Estados Unidos da América ( EUA ), não permitiu que fosse incluída nos textos iniciais de proteção internacional dos DH a completa proibição da tal pena.


Apesar disso, a proteção á vida exigiu, ao menos, que constasse dos textos dos primeiros tratados de DH explícita regulação restritiva da pena de morte. O Artigo Sexto do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos ( PIDCP ) ( *5 vide nota de rodapé ) possui Cinco Parágrafos que tratam exclusivamente da restrição à imposição da pena de morte. No mesmo sentido, devem ser mencionadas as Convenções Europeias e Americana de DH ( CADH ) ( *6 vide nota de rodapé ), que também possuem regulação impondo limites ao uso da pena capital pelos Estados.


Esses limites são os seguintes:


a) Natureza do crime. Só crimes graves e comuns podem ser puníveis com pena de morte, impedindo-se sua banalização e aplicação a crime político ou comuns conexos a delito político. Em Dois mil e cinco, a Comissão de DH ( *7 vide nota de rodapé ) da ONU ( extinta, substituída pelo Conselho de DH  - *8 vide nota de rodapé ) editou a Resolução número Cinquenta e nove, que conclamou os Estados a interpretarem o termo "crime grave" como sendo aqueles "letais" ou com "consequências extremamente graves". Atualmente, há vários países que ratificaram o PIDCP e que adotam a pena de morte para o tráfico ilícito de entorpecentes ( como a Indonésia, que, inclusive, executou dois presos brasileiros, em Dois mil e quinze ), gerando o questionamento se tal prática não violaria o PIDCP ( " crime grave " ).


b) Vedação da ampliação. os países contratantes não podem ampliar a aplicação da pena a outros delitos após a ratificação desses tratados.


c) Devido processo Legal penal ( *9 vide nota de rodapé ). Exige-se rigoroso crivo judiciário para sua aplicação, devendo o Estado prever o direito á solicitação de anistia ( *12 vide nota de rodapé ), idulto ( *10 vide nota de rodapé ) ou comutação da pena ( *11 vide nota de rodapé ), vedando-se a aplicação da pena enquanto pendente recurso ou solicitação de indulto, anistia ou comutação da pena.


d) Vedações circustanciais. As citadas normas vedam a aplicação da pena de morte a pessoas que, no momento da comissão do delito, tiverem menos de Dezoito anos de idade ou mais de Setenta anos de idade, ou ainda às mulheres grávidas.


2) A segunda fase do regramento da pena de morte é a do banimento ( *13 vide nota de rodapé ) com exceções, relacionadas a crimes militares ( distantes, então, do cotidiano ). o segundo Protocolo Facultativo ao PIDCP ( *5 vide nota de rodapé ) é reflexo desta segunda fase, pois vedou a pena de morte estabelecendo em seu Artigo Primeiro: " Um. Nenhum indivíduo sujeito á jurisdição de um Estado Parte no presente Protocolo será executado. Dois. Os Estados partes devem tomar as medidas adequadas para abolir a pena de morte no âmbito da sua jurisdição". Porém, o Artigo Segundo desse Protocolo admite que o Estado faça reserva formulada no momento da ratificação ou adesão prevendo a aplicação da pena de morte em tempo de guerra em virtude de condenação por infração penal de natureza militar de gravidade extrema cometida em tempo de guerra ( *14 vide nota de rodapé ). No plano americano, cite-se o Protocolo Adicional à CADH relativo à abolição da pena de morte ( *15 vide nota de rodapé ) que foi adotado em Mil novecentos e noventa, que também permite, excepcionalmente, a aplicação da pena de morte caso o Estado, no momento de ratificação ou adesão, declare que se reserva o direitos de aplicar a pena de morte em tempo de guerra, por delitos sumamente graves de caráter militar.


3) A terceira - e tão esperada - fase no regramento jurídico da pena de morte no plano internacional é a do banimento em qualquer circunstância. Contudo, o banimento - sem qualquer exceção  - da pena de morte, abarcando inclusive os crimes militares, foi somente obtido no plano europeu após a entrada em vigor do Protocolo número Treze à Convenção Europeia de DH ( CEDH ). Esse Protocolo veda sumariamente a imposição de pena de morte, sem exceções e sem permitir qualquer reserva ao seu texto ( *16 vide nota de rodapé ). O CEDH, organização internacional que gere a prática da Convenção Europeia de DH, instituiu o dia Dez de outubro como o "Dia Europeu contra a Pena de Morte". No plano europeu, há inda os esforços da união Europeia ( UE ), cuja Carta de Direitos Fundamentais estabelece, em seu Artigo Segundo, que "todas as pessoas têm direitos á vida. Dois. Ninguém pode ser condenado à pena de morte, nem executado", vedando a pena de morte em qualquer circunstância. A abolição da pena de morte é uma das condições de adesão de um Estado á União Europeia.


No atual momento, as organizações não governamentais de DH assinalam que Cinquenta e oito Estados possuem previsão de aplicação da pena de morte a crimes comuns e Vinte e cinco a utilizam regularmente nos últimos anos. Em Dois mil e quinze, a Anistia Internacional apontou que Vinte mil prisioneiros estavam condenados á morte em Dois mil e quatorze, sendo que as execuções estão concentradas ( Noventa por cento ) nos seguintes Estados: China, EUA, Egito, Tanzânia, Paquistão e Arábia Saudita. Nas Américas, desde Mil novecentos e noventa houve progressos e Canadá, México e Paraguai aboliram a pena de morte em situações ordinárias. De fato, nas Américas, somente os EUA utilizam, na prática, a pena de morte.      


P.S.:


Notas de rodapé:


* O Protocolo que restringe a pena de morte, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-protocolo-restringe.html .


*2 O direito à vida, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/04/direitos-humanos-doutrinas-e.html .


*3 O estatuto do Tribunal Penal Internacional, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/01/direitos-humanos-o-tribunal-penal_31.html .


*4 O tratado que cria o Tribunal Penal Internacional, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/01/direitos-humanos-tratado-cria-tribunal.html .


*5 o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-pacto-obriga-estados.html .


*6 A Convenção Americana sobre Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-convencao-americana.html


*7 A Comissão de Direitos Humanos da ONU é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-comissao-desenvolve.html .


*8 O Conselho de Direitos Humanos da ONU é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-mecanismo-monitora.html .


*9 O direito ao devido processo legal, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/06/direitos-humanos-doutrinas-e_28.html .


*10 o direito à solicitação de indulto, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/06/direitos-humanos-doutrinas-e_10.html .


*11 O direito à solicitação da comutação da pena, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/06/direitos-humanos-doutrinas-e_25.html .


*12 O direito à solicitação da anistia da pena, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/01/direitos-humanos-execucao-de-penas.html .

 

*13 A vedação à aplicação da pena de banimento é melhora detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/06/direitos-humanos-doutrinas-e_64.html .


*14 Este Protocolo entrou em vigor em Onze de julho de Mil novecentos e noventa e um.


*15 O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-o-sistema-americano.html .


*16 Este Protocolo entrou em vigor em primeiro de julho de Dois mil e três.

Nenhum comentário:

Postar um comentário