sexta-feira, 26 de maio de 2023

Direitos Humanos: o princípio da legalidade restringindo o poder de intervenção do Estado na liberdade do indivíduo

O direito à liberdade consiste na possibilidade de o ser humano atuar com autonomia e livre-arbítrio, salvo se existir lei obrigando-o a fazer ou deixar de fazer algo. Cabe-lhe liberdade de escolha até a edição de lei em sentido contrário. Com isso, uma conduta que interfira com a liberdade e bens de uma pessoa exige lei prévia que a autorize. Essa sintonia entre liberdade e legalidade ( * vide nota de rodapé ) é fruto da consagração do Estado de Direito. Fica superada a antiga submissão de todos à vontade do monarca, substituída pela vontade da lei. Nesse sentido, entre o governo dos homens ou o governo das leis, o Estado de Direito optou pelo segundo.


A liberdade tem seus contornos definidos pela vontade da lei, que expressa o desejo social. O Artigo Quinto, Inciso Segundo, da Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ), trata do princípio da legalidade, que engloba a lei em sentido amplo, abrangendo todas as espécies normativas do Artigo Cinquenta e nove da CF - 88, a saber:


1) emendas à CF - 88 ( EC );

2) leis complementares ( LC );

3) leis ordinárias;

4) leis delegadas;

5) medidas provisórias ( MP );

6) decretos legislativos ( DL );

7) resoluções.


A internacionalização do Direito também não pode ser esquecida: os tratados ( *2 vide nota de rodapé ) celebrados pelo Brasil podem impor restrições à liberdade ( *3 vide nota de rodapé ).


Atualmente, o Estado Democrático de Direito ( EDD ) admite várias dimensões do princípio da legalidade, refletindo em especial os novos papéis do Poder Executivo, chamado a participar direta e indiretamente da atividade legislativa. Nesse sentido, são consagrados na doutrina e jurisprudência os seguintes princípios decorrentes da legalidade:


1) princípio da reserva absoluta de lei;

2) princípio da reserva relativa de lei;

3) princípio da reserva de lei formal;

4) princípio da reserva de lei material.


O princípio da reserva absoluta de lei consiste na exigência de que o tratamento de determinada matéria seja, em sua integralidade, regido pela lei. Não há espaço para a atuação regulamentar discricionária dos agentes públicos executores da lei. por sua vez, o princípio da reserva relativa de lei admite que determinada matéria seja regrada pela lei com espeço para a atuação discricionária do agente.


Por outro lado, o princípio da reserva de lei formal consiste na exigência de regência de matéria por ato emanado do Poder Legislativo, fruto do processo legislativo tradicional ( iniciativa, deliberação, sanção / veto e promulgação e publicação ). A definição do que está incluído nas matérias de reserva de lei formal tem de ser obtida do próprio texto constitucional ( habeas Corpus número Oitenta e cinco mil e sessenta, relator Ministro Eros Grau, julgado em Vinte e três de setembro de Dois mil e oito, Primeira Turma, Diário da Justiça eletrônico de treze de fevereiro de Dois mil e nove ).


No Brasil, o Direito Penal é submetido ao princípio da reserva de lei formal ( também denominado simplesmente "reserva legal" ), para dar sentido ao disposto no Artigo Quinto, Inciso Trinta e nove da CF - 88 ( "Não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal" ). Essa interpretação impede eventual redundância deste Inciso com o disposto no Artigo Quinto, Inciso Segundo da CF - 88. Há, assim, uma faceta negativa e uma faceta positiva do princípio da reserva de lei formal. A faceta negativa implica vedar, "nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não legislativos". A faceta positiva "impõe à administração e à jurisdição a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador". A violação dessas facetas resulta "transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes ( *4 vide nota de rodapé )" ( Ação Declaratória de Inconstitucionalidade - ADI número Dois mil e setenta e cinco - Medida Cautelar - MC, relator Ministro Celso de Mello, julgado em Sete de fevereiro de Dois mil e um, Plenário, Diário da Justiça de Vinte e sete de junho de Dois mil e três, passagens do voto do Relator ).


Já o princípio da reserva de lei material, consiste na exigência de matéria regrada por atos normativos equiparados á lei, mesmo que não oriundos do Poder Legislativo. Trata-se do reconhecimento de atos normativos com força de lei oriundos do Poder Executivo na função de legislar, em especial no que tange:


1) á edição de Medida Provisória ( MP ) ( Artigo Sessenta e dois ), que tem força de lei sem autorização prévia do Congresso Nacional ( CN );

2) à edição de lei delegada ( LD ) ( Artigo Sessenta e oito ); e por fim

3) pela edição de decretos mesmo sem lei anterior, sobre organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos ou ainda sobre extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos ( Artigo Oitenta e quatro, Inciso Sexto ).


A própria CF - 88 limita as matérias que podem ser tratadas sem apoio em lei aprovada pelo CN. No caso das MP, estas não podem abarcar regras sobre:


1) nacionalidade ( *5 vide nota de rodapé ),

2) cidadania ( *6 vide nota de rodapé ),

3) direitos políticos ( *7 vide nota de rodapé ),

4) partidos políticos ( *8 vide nota de rodapé ),

5) direito eleitoral ( *9 vide nota de rodapé ),

6) direito penal ( *10 vide nota de rodapé ),

7) direito processual penal ( *11 vide nota de rodapé ),

8) direito processual civil ( *12 vide nota de rodapé ),

9) organização do Poder Judiciário ( *13 vide nota de rodapé ),

10) organização do Ministério Público ( MP ) ( *14 vide nota de rodapé );

11) careira e garantia dos membros do Poder Judiciário ( *15 vide nota de rodapé ),

12) carreira e garantia dos membros do Ministério Público ( *16 vide nota de rodapé ),

13) planos plurianuais ( PPA ),

14) diretrizes orçamentárias ( LDO ) ( *17 vide nota de rodapé ),

15) orçamento anual ( LOA ) ( *18 vide nota de rodapé ),

16) créditos adicionais ( *19 vide nota de rodapé ),

17) créditos suplementares ( *20 vide nota de rodapé ), ressalvado o previsto no Artigo Cento e sessenta e sete, Parágrafo Terceiro,

18) que visem a detenção e sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro ( *21 vide nota de rodapé ),

19 ) as matérias reservadas à lei complementar ( LC ),

20) já disciplinadas em projeto de lei aprovado pelo CN e pendente de sanção ou veto do Presidente da República;

21) Além disso, não cabe reedição de Medida Provisória que tenha sido rejeitada ou tenha perdido a sua eficácia por decurso de prazo na mesma sessão legislativa ( Artigo Sessenta e dois, Parágrafo Dez da CF - 88 );


Por isso, o Supremo Tribunal Federal ( STF ) suspendeu parte da Medida Provisória ( MP ) número Oitocentos e oitenta e seis / Dois mil e dezenove, que transferia a competência para a demarcação de terras indígenas da Fundação Nacional do Índio ( FUNAI ) para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ( MAPA ). Ficou incontroverso que a citada transferência constava da MP Oitocentos e setenta, editada em Primeiro de janeiro de Dois mil e dezenove que foi convertida na Lei número Treze mil oitocentos e quarenta e quatro / Dois mil e dezenove, ausente tal modificação ( rejeitada pelo CN ). Foi provada a seguinte tese: "Nos termos expressos na CF - 88, é vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de Medida Provisória ( MP ) que tenha sido rejeitada. Com a concessão da presente Medica Cautelar ( MC ) , subsiste o tratamento normativo anterior, com a vinculação da FUNAI ao Ministério da Justiça ( MJ ) ( STF, Ações Direitas de Inconstitucionalidade ( ADIns ) números Seis mil cento e setenta e dois, Seis mil cento e setenta e três e Seis mil cento e setenta e quatro,. relator Ministro Barroso, julgamento da MC em Primeiro de agosto de Dois mil e dezenove ).


Após, foi aprovada a Lei número Treze mil novecentos e um, de Onze de novembro de Dois mil e dezenove, que reintroduziu a matéria indígena na atribuição do MJ.


Quanto à lei delegada ( LD ), a CF - 88 dispõe  que não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do CN, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ( CD ) ou do Senado Federal ( SF ), a matéria reservada á lei complementar, nem a legislação sobre organização do Poder Judiciário ( PJ ) e do Ministério Público ( MP ), a carreira e a garantia de seus membros;. nacionalidade, cidadania, direitos individuais, po0líticos, e eleitorais; planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.


Diferentemente dos particulares, o Poder Público é regido pelo princípio da legalidade estrita, exposto no Artigo Trinta e sete, Caput, da CF - 88, que exige que o Poder público só possa fazer ou deixar de fazer o que está previsto na lei. Logo, o particular pode fazer aquilo que a lei não proíbe e o Poder Público só pode fazer o que autorizado pela lei.


P.S.:


Notas de rodapé:


* O princípio da legalidade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/06/direitos-humanos-doutrinas-e_7.html .


*2 A diversidade terminológica referente aos tratados internacionais, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/02/direitos-humanos-os-tratados-e.html .


*3 A imposição de restrições ao exercício dos Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-as-restricoes.html .


*4 A separação dos poderes, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/02/direitos-humanos-doutrinas-e_22.html .


*5 O direito à nacionalidade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-o-direito.html .


*6 O direito à cidadania, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/03/direitos-humanos-os-programas-nacionais.html .


*7 Os direitos políticos, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-pacto-obriga-estados.html .


*8 Os Direitos Humanos dos partidos políticos são melhor detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-os-direitos_4.html .


*9 O direito eleitoral, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/04/direitos-humanos-doutrinas-e_42.html .


*10 O direito penal, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/07/direitos-humanos-doutrinas-e_7.html .


*11 O direito processual penal, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/07/direitos-humanos-doutrinas-e_1.html .


*12 O direito processual civil, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/07/direitos-humanos-doutrinas-e_93.html .


*13 A organização do Poder Judiciário, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/06/direitos-humanos-independencia-do-poder.html .


*14 A organização do Ministério Público, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/07/direitos-humanos-doutrinas-e_1.html .


*15 As garantias dos membros do Poder Judiciário, no contexto dos Direitos Humanos, são melhor detalhadas em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/02/direitos-humanos-doutrinas-e_22.html .


*16 As garantias dos membros do Ministério Público, no contexto dos Direitos Humanos, são melhor detalhadas em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/04/direitos-humanos-guardiao-da-lei.html .


*17 A Lei de Diretrizes Orçamentárias, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2019/02/tributacao-secretaria-da-fazenda.html .


*18 A Lei Orçamentária Anual, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2020/11/administracao-publica-administracao.html .


*19 Os créditos adicionais, no contexto dos Direitos Humanos, são melhora detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2020/11/administracao-publica-administracao.html .


*20 Os créditos suplementares, no contexto dos Direitos Humanos, são melhor detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2020/11/administracao-publica-administracao.html .


*21) O direito à propriedade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/09/direitos-humanos-funcao-social-da.html .


*22 As matérias reservada à Lei Complementar, no contexto dos Direitos Humanos, são melhor exemplificadas em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/02/reforma-administrativa-governo-de-sc.html

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