O Estado de Santa Catarina ( SC ) tem, a cada mil habitantes, ao menos um em situação de rua. Ao todo, são Nove mil e sessenta e cinco pessoas sem moradia: é a oitava pior condição entre os Estados do país, ainda que seja o décimo mais populoso. O cenário consta em um relatório publicado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania ( MDHC ) no última dia Quinze de setembro de dois mil e vinte e três, que ainda lista aparatos de atenção a esse público no país, melhores estruturados ou iguais à rede de apoio catarinense mesmo em localidades com menos pessoas nas ruas .
O MDHC considera no relatório apenas as pessoas em situação de rua que estavam identificadas em dezembro de Dois mil e vinte e dois pelo Cadastro Único ( CADÚNICO ), que monitora brasileiros sob vulnerabilidade e viabiliza a eles benefícios sociais, como o Programa Bolsa Família ( PBF ). O documento reforça que há no país, portanto, pessoas ainda mais fragilizadas, sem moradia e invisíveis até para os registros .
A quantidade de pessoas nas ruas em SC é maior do que a população de Cento e cinquenta e cinco municípios no Estado. A situação mais grave no país é a do Estado de São Paulo ( SP ), com Noventa e cinco mil cento e noventa e cinco habitantes sem moradia. Em todo o Brasil, são Duzentos e trinta e seis mil e quatrocentas pessoas em situação de rua.
SC conta atualmente, ainda de acordo com o relatório, com nove unidades do Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua, o Centro POP, número igual ao que existe no Estado de Pernambuco ( PE ), por exemplo, onde há, contudo, uma menor quantidade de pessoas sem moradia.
Há ainda cinco equipes catarinenses do Consultório na Rua, que fazem atendimento itinerante de saúde à população de rua. O número é menor que o do Estado de Goiás ( GO ) ( com Onze ), PE ( com Nove ), Espírito Santo ( ES ) ( com Oito ), Pará ( PA ) ( com Sete ) e Alagoas ( AL ) ( com Seis ), todos eles com menos pessoas na rua cadastradas pelo CADÚNICO que SC.
Florianópolis na rua
O desequilíbrio na comparação com outras localidades se repete em Florianópolis ( Capital do Estado de SC ) : é a décima cidade brasileira com mais gente na rua, ainda que seja apenas a Trigésima - nona mais populosa do país. O município tem Duas mil e vinte pessoas sem moradia registradas pelo CADÚNICO, segundo o relatório, o equivalente a quase quatro habitantes nessa condição para cada mil que vivem na capital de SC .
Florianópolis tem um Centro POP e um grupo do Consultório na Rua. Quanto à primeira estrutura, outras cinco capitais com menos pessoas na rua têm mais equipamentos iguais. Já sobre as equipes de saúde, há Onze capitais brasileiras melhor equipadas nesse sentido ainda que com menos habitantes sem moradia.
Natural de Florianópolis, Fábio Antônio Silveira, de Trinta e sete anos de idade, vive em situação de rua na cidade há pouco mais de um ano e diz contar com o apoio público que entende ser necessário. Ele afirma preferir dormir, no entanto, em uma barraca improvisada nos fundos de uma antiga sede do Tribunal de Contas do Estado ( TCE - SC ), no Centro, do que no abrigo municipal do Complexo Nego Quirido.
— Eu vim para rua porque eu quis mesmo, mas não passo fome. Pego sempre uma marmita ali [ no Restaurante Popular ], fome não passo. E prefiro ficar aqui porque ali [ na Passarela da Cidadania, no Complexo ] tem muita coisa de roubo, briga. Aqui tenho as minhas coisas, meu trabalho — diz Fábio.
A escolha por viver nessa condição se deu, segundo ele, por ser dependente químico, com altos e baixos em relação ao crack desde os Dezoito anos de idade. Silveira chegou a se ver livre da droga por seis anos, após uma segunda internação, mas acabou voltando mais uma vez ao vício e às ruas, nas quais levanta um dinheiro cuidando de carros e tem a companhia agora do Corajoso, um cachorro ainda filhote.
— Essa doença nossa é traiçoeira. Na primeira queda, na primeira tristeza, você volta para ela — diz.
Também em situação de rua em Florianópolis, o paulista Luís Anderson Souza, de Quarenta e quatro anos, tem familiares no Sul do Estado de SC, mas optou por seguir na Capital, onde diz encontrar o acolhimento que precisa.
Inscrito no CADÚNICO, ele recebe Seiscentos reais mensais do PBF e faz peças de artesanato. Além disso, ele diz contar com a rede de apoio da PMF para se alimentar e cuidar da higiene pessoal, com exceção também do abrigo para dormir, que prefere não utilizar.
— Deus sabe que a gente tem que viver com um trabalho, uma casa, uma higiene melhor, uma alimentação melhor, com mais dignidade. Mas a gente faz o que tem forças para fazer — relata Souza, sentado em um banco na Praça Quinze de Novembro ( Marco Zero da cidade ), sobre o motivo de seguir em situação de rua.
A PMF, sob gestão Topázio Neto ( do Partido Social Democrático - PSD ), afirma que a quantidade de pessoas em situação de rua identificada pelo MDHC não é o ideal, por considerar que ninguém deveria viver nessa condição. Ponderou ainda que esse número do relatório não é concreto, já que esse público está em constante movimento e transita entre as cidades da Grande Florianópolis.
A Secretaria Municipal de Assistência Social ( SMAS ) ainda listou as estruturas com as quais oferece serviços e oportunidades a essa população ( Restaurante Popular, a Passarela da Cidadania, Hotel Social e Centro POP ) e anunciou desenvolver novas ferramentas para reinserção das pessoas sem moradia no mercado de trabalho, a fim de que elas possam alcançar a emancipação financeira e social.
“ Hoje são ofertados nos equipamentos socioassistenciais cursos de costura e barbearia, e oficinas ligadas à alimentação, saúde, e mercado de trabalho. A PMF também oferece serviços como a Educação de Jovens, Adultos e Idosos ( EJA ), Instituto Geral de Oportunidades de Florianópolis ( IGEOF ), Floripa Mais Empregos ( FME ), e atendimento médico em Centros de Saúde e Consultório na Rua ” , escreveu, em nota.
Outras cidades catarinenses
O estudo do MDHC não traz dados de outros municípios catarinenses. Na maior cidade do Estado, contudo, a própria Prefeitura Municipal de Joinville ( PMJ ) estima ter entre Quatrocentos e Quinhentos habitantes em situação de rua. O número foi identificado a partir de uma pesquisa de diagnóstico social sobre essas pessoas de maio deste ano de Dois mil e vinte e três, solicitada por determinação do Ministério Público do Estado de SC ( MPSC ) em uma ação penal.
Para atender essa população, a PMJ tem ações em frentes como saúde, alimentação, higiene pessoal, educação profissional e trabalho, segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social ( SMAS).
Na cidade, há um Centro POP como referência para isso, onde a pessoa em situação de rua recebe lanche e roupas. Ela também passa no local pela escuta qualificada com uma equipe técnica de psicólogos e é encaminhada para a rede de serviços, com a qual pode buscar documentação e o restabelecimento do vínculo familiar. Ali também é feito o CADÚNICO para a acesso a benefícios.
Outra alternativa é o Restaurante Popular, que tem duas unidades em Joinville. Elas oferecem café-da-manhã, almoço e jantar gratuitos. O espaço ainda fornece alimentação para outros interessados, como estudantes, idosos e a população em geral, mas mediante uma taxa que varia entre cada perfil.
No inverno, a SMAS / Joinville oferece vagas para acolhimento às pessoas em situação de rua conforme a demanda, provendo também acesso a banho e produtos de higiene pessoal. Além dessas ocupações consideradas emergenciais pela gestão Adriano Silva ( do partido NOVO ), a PMJ dispõe de outras Cento e cinco vagas, conforme dados de junho de Dois mil e vinte e três, que, atualmente, já são utilizadas por pessoas acolhidas nas casas de passagem.
Já na maior cidade do Vale do Rio Itajaí, não há uma estimativa de quantas pessoas estejam em situação de rua, embora a Prefeitura Municipal de Blumenau ( PMB ) mantenha um serviço especializado em abordagem social.
Esse atendimento é feito de segunda a sexta - feira, das Cinco horas e trinta minutos da manhã à Uma hora da tarde, e aos finais de semana, das Oito horas da manhã às Oito horas da noite. Os profissionais atuam mediante busca ativa e também se pautam pelas solicitações que chegam pelo telefone — número Cento e cinquenta e seis na opção Dois, ( Código de Discagem Direta à Distância - número Quarenta e sete ) 99945 - 9630 e ( 47 ) 3381-6510 .
Em cumprimento à legislação brasileira, o serviço não faz a retirada compulsória de pessoas em situação de rua. A equipe identifica, cadastra e incentiva a aceitação dos serviços disponíveis.
Caso a pessoa abordada aceite o acolhimento, os assistentes sociais elencam as necessidades mais urgentes, como solicitação de novos documentos ou atendimento médico. Ela pode ser também encaminhada para outros serviços disponíveis na cidade: o Abrigo da PMB ( AMBLU ), a Casa Elisa ( abrigo para mulheres com medidas protetivas ) e um Centro POP.
A unidade de referência funciona de segunda a sexta - feira, das Sete horas da manhã às Quatro horas da tarde. Já o AMBLU fica aberto Vinte e quatro horas por dia. Os dois locais oferecem refeições, local para higiene pessoal, roupas e apoio técnico com psicólogos, educadores e assistentes sociais. Paralelamente ao serviço de acolhimento, a equipe técnica também faz contato telefônico com familiares para tentar reconstruir o vínculo.
Governo de SC diz se preocupar
Também ao Portal NSC Total, a Secretaria de Estado de Assistência Social de SC ( SAS - SC ), vinculada à gestão do governador do Estado de SC Jorginho dos Santos Mello ( do Partido Liberal - PL ), comunicou avaliar que a quantidade de pessoas nas ruas do Estado é preocupante.
— É um número, sim, com o qual a gente deve se preocupar. A população em situação de rua é uma das pautas principais aqui da nossa SAS. Este ano de Dois mil e vinte e três, em especial, a gente tem se dedicado ao olhar sobre essa população, inclusive restituindo o nosso comitê integrado da população em situação de rua ( CIPSR ), que vai contar com os demais atores que atendem essa população, como a saúde, segurança e educação — diz a Diretora de Assistência Social ( DAS ) da SAS, Gabriela Dornelles, conforme divulgado via assessoria.
Gabriela argumenta que o menor aparato de apoio em relação a outras localidades se deve ao perfil dos municípios catarinenses, que, por serem em sua maioria pequenos, não teriam recursos nem população de rua o bastante para se viabilizar um centro especializado a essas pessoas.
— Quando a gente pensa na necessidade de equipamentos especializados, que é o Centro POP, eles são característicos de municípios de grande porte. Com o novo Censo, SC deve ter Dezenove municípios assim. Se a gente considerar esse número, estamos falando de Cinquenta por cento desses municípios com um Centro POP. Nos demais municípios, se desenvolve mais o serviço de abordagem social — explica Gabriela.
Ela avalia ainda que o problema é consequência da promessa de oportunidades colocada sobre SC, que atrai a cada ano mais pessoas diante de bons índices de emprego. Também diz que, associado a isso, o perfil de pessoas nas ruas tem mudado no Estado, com mais famílias.
— Estamos buscando fortalecer esse enfrentamento para que a gente possa oferecer oportunidade e dignidade, que é o que essa população precisa — afirma Gabriela.
Censo de População de Rua
Representante catarinense do Movimento Nacional da População em Situação de Rua ( MNPR ), Daniel Paz dos Santos diz concordar sobre a mudança no perfil das pessoas nas ruas, cada vez com mais mulheres e idosos. Ele avalia que a pandemia de Covid - Dezenove foi crucial para isso ao despejar famílias inteiras.
— A pandemia trouxe o dobro de pessoas que estavam em situação de rua. No nosso Estado, eram pouco mais de Duas mil pessoas na rua cadastradas no CADÚNICO. A pessoa não arruma trabalho e vai para rua. São famílias inteiras, muitos idosos na rua. É triste demais ver as pessoas acima de Sessenta anos de idade na rua, sem amparo algum, ver a violência contra as mulheres, a institucional e a das ruas — diz Santos.
Santos pondera, contudo, entender que há mais esforço público em reprimir essas pessoas, com obras de arquitetura hostil ( como pedras bicudas embaixo de viadutos ) e abordagens ostensivas de forças de segurança, do que em acolhê - las, o que poderia ser feito com maiores redes de apoio.
— Eu acho que, no nosso Estado, falta muito para se dizer que é feita alguma coisa na política pública de situação de rua. Na Grande Florianópolis, por exemplo, não temos nada : não temos consultório de rua, cozinha popular, Centro POP — diz Santos, citando as cidades vizinhas à Capital.
Ele defende que, em resposta a isso, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE ) faça um Censo específico sobre a população de rua, uma vez que, ao negarem investimentos em redes de apoio, muitos municípios teriam como argumento a invisibilidade dessas pessoas nos registros.
— Se a gente não existe para o IBGE, a gente não existe para a política pública. Agora se tem essa pesquisa, esses dados, a gente começa a dar atenção a isso — diz Santos.
A proposta de Santos é repetida também pelo relatório do MDHC. Na avaliação do MDHC, um recenseamento serviria tanto para se chegar a número fiel de pessoas nas ruas quanto para se ter um retrato mais detalhado delas, que explicasse, por exemplo, as razões pelas quais estão nas ruas, o que viabilizaria políticas públicas de resposta mais certeiras.
“ A realização de um Censo da População em Situação de Rua auxiliará nesse diagnóstico referente à proporção das pessoas em situação de rua que, de fato, está cadastrada e recebendo benefícios da assistência social. Além disso, o fortalecimento da busca ativa e a ampliação de serviços voltados à população em situação de rua será primordial ” , escreve o relatório.
Com informações de:
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