A audiência de apresentação ou custódia consiste em direito do indivíduo preso ( * vide nota de rodapé ) pela autoridade policial de
1) ser conduzido à presença de um juiz ( *2 vide nota de rodapé ) ou autoridade com os predicamentos da magistratura ( independência, imparcialidade ) e
2) ter a legalidade ( *3 vide nota de rodapé ) da detenção e demais consequências examinadas, como a manutenção da prisão, concessão da liberdade, adoção de medida alternativa à prisão, verificação de agressão ou tortura ( *4 vide nota de rodapé ), entre outras.
Trata-se de um direito relacionado à proteção da liberdade e da integridade ( *5 vide nota de rodapé ) de pessoal, uma vez que evita tanto o abuso nas decretações das prisões quanto a violência camuflada. Tem como elemento central a apresentação imediata do detido pela autoridade administrativa realizadora da prisão ( policial ) a uma autoridade com independência e garantias ( juiz ). Não tem como finalidade a antecipação do interrogatório do suposto autor do delito, mas sim a verificação do estado do preso e da legalidade a prisão. Também não basta, então, o mero envio formal da documentação da prisão ao juiz, como era feito à luz do Artigo Trezentos e seis, Parágrafo Primeiro, do Código de Processo Penal ( CPP ) ( *6 vide nota de rodapé ): a audiência de apresentação ou custódia exige a presença diante do juiz do preso em flagrante pela autoridade policial, para que os dois objetivos sejam cumpridos: verificação da legalidade da prisão ( e tomada de decisão sobre o seu prosseguimento ) e promoção da integridade pessoal ( evitando agressões policiais na detenção, que são estimuladas pela impunidade ).
A audiência de custódia ou apresentação da Convenção Americana de Direitos Humanos ( CADH ) ( *7 vide nota de rodapé ), cujo Artigo Sete ponto Cinco prevê que "toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, em demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo". No mesmo sentido, o Artigo Nove ponto Três do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos ( PIDCP ) ( *8 vide nota de rodapé ) dispõe que "qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, á presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade".
Esses dois tratados forma omissos quanto ao sentido da expressão "sem demora", mas a legislação dos países americanos ( com realidades próximas a do Brasil ) utilizaram prazos se até Quarenta e oito horas, a saber:
1) Argentina, prazo de seis horas após a prisão em caso de prisão sem ordem judicial;
2) Chile, em casos de prisão em flagrante, o suspeito seja apresentado dentro de Doze horas a um promotor e, caso não seja solto, a um juiz no prazo de Vinte e quatro horas da prisão;
3) Peru, Vinte e quatro horas ( o Peru foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos - Corte IDH - por não ter cumprido esse prazo constitucional no Caso Castillo Páez );
4) Colômbia, trinta e seis horas; e
5) México, Quarenta e oito horas ( *9 vide nota de rodapé ).
Assim, em que pese a indeterminação do conceito "sem demora", fica evidente que o lapso temporal da apresentação do preso ao magistrado deve ser diminuto, para que seja cumprido o comando dos tratados de Direitos Humanos ( DH ) acima expostos.
Quanto à definição do que vem a ser "juiz" ou "autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais", a jurisprudência da Corte IDH exige que seja autoridade com os predicamentos tradicionais da magistratura, como a independência funcional, imparcialidade e competência previamente estabelecida ( juiz natural ) ( *10 vide nota de rodapé ). No Brasil, a apresentação do preso em flagrante ao delegado de polícia ( DP ) não preenchia tais requisitos.
Quanto à finalidade da audiência de apresentação, trata-se, como visto acima, da proteção da liberdade e da integridade pessoal do preso, não sendo um ato instrutório processual.
No Brasil, a regulamentação foi feita inicialmente pela via administrativa por intermédio de provimentos de Tribunais de Justiça ( TJ ), com apoio do Conselho Nacional de Justiça ( CNJ ). A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil ( ADEPOL ) ingressou com ação direita de inconstitucionalidade atacando a implementação das "audiências de custódia" por provimento administrativo ( *11 vide nota de rodapé ), o que ofenderia a separação de poderes e a competência legislativa da União. O Supremo Tribunal Federal ( STF ) julgou a ação improcedente, considerando que
1) há a previsão da audiência no Artigo Sete ponto Cinco da CADH, diploma de hierarquia supralegal e
2) que a apresentação do preso ao juiz no Brasil é novidade como se vê no regramento da ação de habeas corpus.
Assim, não houve inovação legislativa proibida ao ato administrativo, mas sim a operacionalização daquilo que já estava na CADH e no PIDCP ( STF, Ação Declaratória de Inconstitucionalidade - ADI - número Cinco mil duzentos e quarenta / São Paulo, Relator Ministro Luiz Fux, julgada em Vinte de agosto de Dois mil e Quinze ). Em Nove de setembro de Dois mil e quinze, o STF, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ( ADPF ) número Trezentos e quarenta e sete, deferiu medida cautelar exigindo a realização da audiência de apresentação no prazo de Vinte e quatro horas ( *12 vide nota de rodapé ).
Após a Lei Anticrime, a audiência de apresentação ou custódia foi finalmente introduzida no Código de Processo Penal ( CPP ). De acordo com a alei, há dois tipos de audiência de custódia relativa, respectivamente ao
1) preso em flagrante e
2) ao preso por ordem judicial a título de prisão temporária ou preventiva.
Em linhas gerais, a audiência de apresentação ou custódia segue a seguinte forma:
1) A autoridade policial providenciará a apresentação da pessoa detida, até Vinte e quatro horas após sua prisão, ao juiz competente, para participar da audiência de custódia. No caso de prisão em flagrante, o auto será encaminhado juntamente com a pessoa detida.
2) Previsão de contato prévio e por tempo razoável do preso com advogado ou com defensor público.
3) Restrição das perguntas às circunstâncias objetivas da prisão e pessoais do preso. Não devem ser feitas ou admitidas perguntas que antecipem instrução própria de eventual processo de conhecimento.
4) O ministério Público ( MP ) e a Defensoria ( ou advogado constituído ) devem participar da audiência.
5) No caso de prisão em flagrante, o MP deve ser manifestar pelo
a) relaxamento da prisão em flagrante,
b) conversão em prisão preventiva,
c) concessão de liberdade provisória com imposição, se for o caso, das medidas cautelares ( previstas no Artigo Trezentos e dezenove do CPP ).
6) Após o MP, devem se manifestar o autuado e a defesa.
7) O juiz deve decidir, na audiência, sobre
a) relaxamento da prisão ilegal;
b) concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança;
c) adoção de medidas cautelares diversas substitutivas da prisão e
d) conversão de prisão em flagrante em prisão preventiva, caso haja pedido da autoridade policial ou do MP ( ver acima as correntes dobre a "conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva" de ofício ).
8) No caso da prisão temporária ou preventiva com mandado cumprido fora do âmbito territorial da jurisdição do Juízo que a determinou, a audiência de custódia deve ser efetivada por meio da condução do preso à autoridade judicial competente na localidade em que ocorreu a prisão. Não se admite, por ausência de previsão legal, a sua realização por meio de videoconferência, ainda que pelo Juízo que decretou a custódia cautelar ( Superior Tribunal de Justiça - STJ - Conflito de competência número cento e sessenta e oito mil quinhentos e vinte e dois, Relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em Onze de dezembro de Dois mil e dezenove ).
9) O juiz deve tomar medidas para que sejam apurados abusos ocorridos durante a prisão em flagrante ou lavratura do ato, especialmente o exame clínico e de corpo de delito do autuado.
Cabe ainda a realização da audiência de apresentação no caso de crianças e adolescentes apreendidos, conforme já decidido pela corte Interamericana de DH ( Corte IDH ) ( Caso Hermanos Landaeta Mejías y otros versus Venezuela, sentença de Vinte e sete de agosto de Dois mil e quatorze, em especial Parágrafo Cento e Setenta e oito ). A Corte IDH ( *13 vide nota de rodapé ) fez referência, neste caso ( no Parágrafo Cento e setenta e sete ), ao Comentário Geral número Dez do Comitê dos Direitos das Crianças ( Comitê DC ) ( *14 vide nota de rodapé ), que, interpretando a Convenção dos Direitos das Crianças ( Convenção DC ) ( *15 vide nota de rodapé ), estabeleceu o prazo de Vinte e quatro horas para a apresentação do menor á autoridade competente que deve decidir sobre a soltura ou manutenção da prisão. Em relação a qual seria a autoridade competente para a apresentação do adolescente, Ramos ( *16 vide nota de rodapé ) entende que, apesar dos diferentes encargos do MP perante o Estatuto da Criança e do Adolescente ( ECA ) ( inclusive na concessão de remissão ), o comando da CADH exige que a apresentação0 seja feita a juiz ou à autoridade judicial. No Brasil, a louvável separação entre as carreiras da Magistratura e do MP exige que o adolescente apreendido seja apresentado à autoridade judicial.
P.S.:
Notas de rodapé:
* O direito à liberdade e as exceções que resultam em prisão, no contexto dos Direitos Humanos, são melhora detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/08/direitos-humanos-o-direito-liberdade-e.html .
*2 O direito à reserva de jurisdição, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-classificacao-dos-dh.html .
*3 O princípio da legalidade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/04/direitos-humanos-doutrinas-e_13.html .
*4 A vedação à tortura, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-convencao-previne-e.html .
*5 O direito à integridade física e moral, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/06/direitos-humanos-o-direito-integridade.html .
*6 "Em até Vinte e quatro horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.".
*7 A Convenção Americana de Direitos Humanos, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-convencao-americana.html .
*8 O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-pacto-obriga-estados.html .
*9 Canineu, Maria Luisa. O direito à 'audiência de custódia' de acordo com o direito internacional. Disponível em < https://redejusticacriminal.files.wordpress.com/2013/07/rjc-boletim05-aud-custodia-2013.pdf > . Acesso em Quinze de setembro de Dois mil e vinte.
*10 Ver, em especial, Corte IDH, Caso Chaparro Álvarez e Lapo Íñguez versus Equador, sentença de Vinte e um de novembro de Dois mil e sete, Parágrafo Oitenta e quatro.
*11 Questionou-se o Provimento Conjunto número três, de Vinte e dois de janeiro de Dois mil e quinze, da Presidência e da Corregedoria Geral da Justiça ( CGJ ) do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ( TJSP ).
*12 Sobre audiência de custódia, ver Paiva, Caio. Audiência de custódia e o processo penal brasileiro. São Paulo: Empório do Direito, Dois mil e quinze.
*13 A Corte Interamericana de Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-corte-interamericana.html .
*14 O Comitê dos Direitos das Crianças ( Comitê DC ) é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/01/direitos-humanos-comite-examina.html .
*15 A Convenção dos Direitos das Crianças ( Convenção DC ) é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/06/direitos-humanos-os-direitos-da-crianca.html .
*16 Ramos, André de Carvalho. Curso de direitos humanos / Oitava edição - São Paulo : Saraiva Educação, Dois mil e um. Mil cento e quarenta e quatro Páginas. Página Oitocentos e trinta e seis.
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