terça-feira, 28 de novembro de 2023

Direitos Humanos: o direito à presunção de inocência

A presunção da inocência ( * vide nota de rodapé ) consiste no direito de só ser considerado culpado de determinado delito após o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória, também denominada presunção de não culpabilidade. Há duas aplicações típicas da presunção de inocência no processo penal brasileiro:


1) no processo de conhecimento e

2) na execução da pena criminal definitiva.


No processo de conhecimento e até a decisão de Segundo grau, a presunção de inocência exige que toda prisão processual seja cautelar ( não pode ser antecipação da prisão definitiva ) e fundamentada .


Ainda no processo de conhecimento, a presunção de não culpabilidade exige que a culpa do indivíduo seja demonstrada por provas requeridas pelo acusador ( in dubio pro reo ), restando somente à defesa provar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor ( as chamadas exculpantes ) . Essa faceta da presunção de não culpabilidade é adotada pelo Supremo Tribunal Federal ( STF ), como se vê nesse precedente: " ( ... ) Não encontro justificativa alguma para que se inverta, em processo penal de condenação, o ônus da prova. Entendimento diverso, a meu ver, implicaria evidente ofensa à presunção constitucional de não culpabilidade ( artigo Quinto, Inciso Quarenta e dois da Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito - CF - 88 ) " ( Habeas Corpus número Noventa e cinco mil cento e quarenta e dois, voto do Relator Ministro Cezar Peluso, julgado em Dezoito de novembro de  Dois mil e oito, Segunda Truma, Diário da Juatiça eletrônico de Cinco de Dezembro de Dois mil e oito ) .


Ocorre que essa última faceta da presunção da inocência deveria, por coerência, implicar na limitação do poder do magistrado criminal de requerer, de ofício, a produção de uma prova qualquer, uma vez que seu resultado ( a prova em si ) auxilia o acusador, já que o réu nada precisa provar. Somente no que tange às exculpantes ( cujo ônus probatório é do réu ) é que se admitiria a produção probatória de ofício por parte do magistrado, uma vez que auxiliaria a defesa, como defende Denise Abade ( *2 vide nota de rodapé ) .


A Lei número Treze mil novecentos e sessenta e quatro / Dois mil e dezenove ( Lei Anticrime ) introduziu o novo Artigo terceiro - A no Código de Processo Penal ( CPP ), irradiando a estrutura constitucional acusatória a todo o processo penal, ao estabelecer duas vedações:


1) a proibição da iniciativa do julgador na fase de investigação e

2) a proibição de substituição da atuação probatória do órgão de acusação .


Assim, é compatível como o novo modelo acusatório o reconhecimento da revogação tácita dos dispositivos do CPP que permitem decretação de restrições a direitos sem provocação do Ministério Público ( MP ) ou querelante, e, na fase da investigação, da autoridade policial ( trechos dos Artigos números Cento e vinte e sete, Cento e cinquenta e seis, Cento e sessenta e oito, Cento e noventa e seis, Duzentos e nove, Duzentos e vinte e cinco, Duzentos e trinta e quatro, Duzentos e quarenta e dois, quatrocentos e quatro e quatrocentos e noventa e sete, Inciso Onze ) ( *3 vide nota de rodapé ) .


Esse desdobramento da presunção de não culpabilidade ( limitar os poderes instrutórios de ofício do magistrado criminal ) não é aceito pela doutrina processualista majoritária nem pela jurisprudência, sendo corriqueira  a aceitação dos poderes instrutórios de ofício ao magistrado no processo penal, mesmo em desfavor da defesa nos casos em que a prova só auxilia a tese da acusação ( esmagadora maioria dos casos ), o que é justificado em nomes do princípio da verdade real do processo penal ( *4 vide nota de rodapé )


Jurisprudência do STF


1) Presunção de inocência, inquéritos e ações penais em andamento. Maus antecedentes: impossibilidade. Prisão preventiva: possibilidade. " A periculosidade do agente pode ser aferida por intermédio de diversos elementos concretos, tal como o registro de inquéritos policiais e ações penais em andamento que, embora não possam ser fonte desfavorável da constatação de maus antecedentes, podem servir de respaldo da necessidade da imposição de custódia preventiva. Diante do disposto no Artigo número Cento e cinquenta e sies do CPP, não se reveste de ilegalidade a atuação de ofício do magistrado que, em pesquisa a banco de dados virtuais, verifica a presença de registros criminais em face do paciente " ( Habeas Corpus número cento e vinte e seis mil quinhentos e um, Relator para o Acórdão Ministro Edson Fachin, julgado em Quatorze de junho de Dois mil e dezesseis, Primeira Turma, Diário da Justiça eletrônico de Quatro de outubro de Dois mil e dezesseis ) .

2) Presunção de inocência e ato infracional. Aplicação . Natureza cautelar da internação provisória. " A presunção de inocência se aplica ao processo em que se apura a prática de ato infracional, uma vez que as medidas socioeducativas, ainda que primordialmente tenham natureza pedagógica e finalidade protetiva, podem importar na compreensão da liberdade do adolescente, e, portanto, revestem - se de caráter sancionatório - aflitivo . A internação provisória, antes do trânsito em julgado da sentença, assim como a prisão preventiva, tem natureza cautelar, e não satisfativa, uma vez que visa a resguardar os meios ou os fins do processo, a exigir, nos termos do Artigo número Cento e oito, Parágrafo Único, do Estatuto da Criança e do Adolescente ( ECA ) ( *5 vide nota de rodapé ), a demonstração da imperiosa necessidade da medida, como base em elementos fáticos concretos " ( habeas Corpus número Cento e vinte e dois mil e setenta e dois, Relator Ministro Dias Toffoli,  julgado em Dois de setembro de Dois mil e quatorze ) .

3) Presunção de inocência e  uso de condenações criminais extintas há mais de cinco anos . Em tema de repercussão geral, o STF decidiu que " não se aplica para o reconhecimento dos maus antecedentes o prazo quinquenal de prescrição da reincidência, previsto no Artigo número Sessenta e quatro, Inciso Primeiro do Código Penal ( CP ) " . Assim, não ofende a presunção de inocência nem a vedação da pena em caráter perpétuo o uso de condenações criminais extintas para fins de dosimetria da pena . Para o Relator Roberto Barroso, o uso de tais condenações como " maus antecedentes " na fixação da nova pena criminal obedece a igualdade e o princípio  da individualização da pena ( *6 vide nota de rodapé ), não podendo ser tratado igualmente aquele que nunca delinquiu com quem já delinquiu ( STF, Recurso Especial número Quinhentos e  noventa e três mil oitocentos e dezoito / Santa Catarina, com repercussão geral reconhecida ( Tema número Cento e cinquenta ), Relator Ministro Roberto Barroso, julgamento na sessão virtual de Sete de agosto de Dois mil e vinte a Dezessete de agosto de Dois mil e vinte ) .   


P.S.:


Notas de rodapé:


* O direito à presunção de inocência, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor exemplificado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2019/11/antecipacao-de-pena-habeas-corpus.html .


*2 A  favor da limitação dos poderes instrutórios penais do juiz, fundada no princípio acusatório e da presunção da inocência, afastando a aplicação da " verdade real " em um processo penal de partes, ver, por todos, Abade, Denise Neves. Garantias do processo penal acusatório: o novo papel do Ministério Público no processos penal de partes. Rio de Janeiro : Renovar, Dois mil e cinco. Em que pese ser esta a posição  minoritária - a qual este Autor se filia - já há precedentes que, ao menos inicialmente, buscam restringir a atuação de ofício do magistrado no processo penal. Em Dois mil e onze, o superior Tribunal de Justiça ( STJ ) manteve a anulação de sentença penal condenatória, por ter o juiz criminal, na ausência do promotor na ausência de oitiva de testemunha, inqurindo - a diretamente, sem observar seu papel de somente realizar perguntas para complementar o arguido pela acusação e defesa ( Artigo número Duzentos e doze do Código de Processo Penal - STJ, recurso Especial número Um milhão duzentos e cinquenta e nove mil quatrocentos e oitenta e dois - Rio Grande do Sul, quinta turma, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em Quatro de outubro de Dois mil e onze ) .


*3 Junqueira, Gustavo; Vanzolini, Patrícia; Fuller, Paulo Henrique e Pardal, Rodrigo. Lei anticrime comentada artigo por artigo. São Paulo: Saraiva, Dois mil e vinte, Páginas Noventa a noventa e um .


*4 Contra, defendendo os poderes instrutórios de ofício do juiz criminal, mesmo em desfavor da defesa, ver, por todos, Badaró, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo : Revista dos Tribunais, Dois mil e três, Páginas Cento e quarenta e oito e seguintes .


*5 O direito à proteção da criança e do adolescente, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/06/direitos-humanos-os-direitos-da-crianca.html .


*6 O princípio da individualização da pena, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/06/direitos-humanos-doutrinas-e_52.html .    

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