terça-feira, 15 de agosto de 2023

Direitos Humanos: o direito à privacidade, a interceptação telefônica e o encontro fortuito de crime

No decorrer da interceptação ( * vide nota de rodapé ) ou qualquer outra atividade investigativa submetida à cláusula da reserva de jurisdição ( *2 vide nota de rodapé ), é possível que seja provado crime não previsto no pedido ( " encontro fortuito de crime" ou também "crime achado" ), sendo tal prova lícita, mesmo se a infração penal nova for punida com detenção ou for mera contravenção penal, desde que conexo com a infração constante do pedido ( nesse sentido, o Superior tribunal Federal, Habeas Corpus número Oitenta e três mil quinhentos e quinze, Relator Ministro Nelson Jobim, julgado em Dezesseis de novembro de Dois mil e quatro, Plenário, Diário da Justiça de Quatro de março de Dois mil e cinco ).


Caso seja totalmente desvinculado do crime investigado originalmente, há duas posições. A primeira defende que essa gravação pode servir como notitia criminis ( *3 vide nota de rodapé ) a fundamentar novo pedido próprio de interceptação ( Streck, entre outros ) ( *4 vide nota de rodapé ). de um suposto crime sujeito à pena de reclusão só para obter prova do real crime perseguido, sujeito à pena de detenção - exemplo de Moraes - *5 vide nota de rodapé ).


Na linha da segunda posição, decidiu o STF que o Conselho Nacional de Justiça ( CNJ ) ( *6 vide nota de rodapé ) pode usar prova emprestada de interceptação telefônica ( *7 vide nota de rodapé ) criminal em seu procedimento administrativo contra juiz, mesmo que o possível crime do magistrado tenha sido fortuitamente detectado, pois era diverso do que era objeto de investigação no monitoramento em curso ( Mandado de Segurança número Vinte o oito mil e três / Distrito Federal, Relatora originária Ministra Ellen Gracie, Relator para o Acórdão Ministro Luiz Fux, julgado em Oito de fevereiro de Dois mil e doze - Informativo do STF número Seiscentos e cinquenta e quatro, de Seis a Dez de fevereiro de Dois mil e doze ). Ainda, decidiu o STF que " [ o ] 'crime achado', ou seja, a infração penal desconhecida e, portanto, até aquele momento não investigada, sempre deve ser cuidadosamente analisada para que não se relativize em excesso o Inciso Doze do Artigo Quinto da Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ). A prova obtida mediante interceptação telefônica, quando referente a infração penal diversa da investigação, deve ser considerada lícita se presentes os requisitos constitucionais legais" ( Habeas Corpus número Cento e vinte e nove mil seiscentos e setenta e oito, Relator para o Acórdão Ministro Alexandre de Moraes, julgado em treze de junho de Dois mil e dezessete, Primeira Turma, Diário da Justiça eletrônico de Dezoito de agosto de Dois mil e dezessete ).


Também é possível que coautores e partícipes desconhecidos surjam no decorrer da interceptação, autorizada inicialmente apenas para determinadas pessoas. A prova contra esses novos indivíduos será lícita, uma vez que a própria Lei número Nove mil duzentos e noventa e seis / Mil novecentos e noventa e seis permite que a interceptação ocorra sem identificação precisa quanto ao investigado. Nesse sentido, decidiu o STF: "Interceptação realizada em linha telefônica do corréu que captou o diálogo entre este e o ora paciente, mediante autorização judicial. Prova lícita que pode ser utilizada para subsidiar ação penal, sem contrariedade ao Artigo Quinto, Incisos Doze, Cinquenta e quatro, Cinquenta e cinco e Cinquenta e seis, da CF - 88" ( Habeas Corpus número Cento e dois mil trezentos e quatro, Relatora Ministra Cármen Lúcia, julgado em Vinte e cinco de maio de Dois mil e dez, Primeira Turma, Diário da Justiça eletrônico de Vinte e cinco de maio de Dois mil e onze ).


Finalmente, admite-se o uso da chamada prova contestada, no qual o conteúdo da conversa interceptada em seara criminal é utilizada no âmbito cível ( por exemplo, em ação de improbidade ) ou disciplinar  ( processo administrativo ). Ramos ( *8 vide nota de rodapé ) entende que esse uso é regular, uma vez que o direito à privacidade já foi afastado, de maneira legítima, no âmbito criminal, o que pode resultar inclusive na perda da liberdade do réu. Logo, impedir o uso da degravação da conversa interceptada no bojo de outro processo, mesmo que não criminal, não teria o condão de restaurar a privacidade do indivíduo-alvo ou mesmo de terceiros, podendo, porém, assegurar a tutela jurídica justa.


Nesse sentido, decidiu o STF que "dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usadas em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado á colheita dessa prova" ( Inquérito número Dois mil quatrocentos e vinte e quatro - Questão de Ordem, relator Ministro Cezar Peluso, julgado em Vinte de junho de Dois mil e sete, Plenarinho, Diário da Justiça de Vinte e quatro de agosto de Dois mil e sete ).


P.S.:


Vide nota de rodapé:


* A interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/08/direitos-humanos-o-direito-privacidade_14.html .


*2 O princípio da reserva de jurisdição, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-classificacao-dos-dh.html .


*3 Vieira, Jair Lot. notitia criminis: notificação do crime. Dicionário latim-português : termos e expressões / supervisão editorial - São Paulo : Edipro, Dois mil e dezesseis, Página Duzentos e setenta e quatro.


*4 Streck, Lenio Luiz. As interceptações telefônicas e os direitos fundamentais: Constituição, cidadania, violência: a Lei Número Nove mil duzentos e noventa e seis / Mil novecentos e noventa e seis e seus reflexos penais e processuais. Segunda edição. Porto alegre: Livraria do Advogado, Dois mil e um.


*5 Moraes, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. Nona edição. São Paulo: Atlas, Dois mil e onze, Página Cento e sessenta e quatro.


*6 As resoluções do Conselho Nacional de Justiça, no contexto dos Direitos Humanos, são melhora detalhadas em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/06/direitos-humanos-o-principio-da.html .


*7 O direito à privacidade e ao sigilo das comunicações telefônicas são melhora detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/08/direitos-humanos-o-direito-privacidade_10.html .


*8 Ramos, André de Carvalho. Curso de direitos humanos - Oitava edição - São Paulo : Saraiva Educação, Dois mil e vinte e um. Página Oitocentos.   

Nenhum comentário:

Postar um comentário