segunda-feira, 22 de julho de 2024

Direitos Humanos: A interpretação dos DH para evitar a colisão de direitos

" Interpretar ( vide nota de rodapé ) é descobrir o sentido e o alcance da norma jurídica. Toda lei está sujeita a interpretação, não apenas as obscuras e ambíguas. O brocardo romano in claris cessat interpretativo não ,  hoje, acolhido , pois até para firmar-se que az lei é clara é preciso interpretá-la. Há, na verdade, interpretações mais simples, quando a lei é clara, e complexas, quando o preceito é de difícil entendimento. ( ... ) A hermenêutica é a ciência da interpretação das leis. Como toda ciência, tem os seus métodos " ( *2 vide nota de rodapé ) . Neste viés, também é desenvolvida atividade interpretativa em relação às Normas internacionais de proteção dos Direitos Humanos ( DH ) .

Colisão: Se a norma não é clara, requer interpretação para evitar a colisão de direitos. Foto: Departamento da Polícia Rodoviária Federal ( DPRF ) ( divulgação ).


Os tratados de DH ( *3 vide nota de rodapé ) possuem normas muito amplas, com baixíssima densidade normativa, que geralmente adotam a forma de princípios, razão pela qual sempre que forem aplicadas exigirão uma atividade de interpretação  de seu real sentido. Na verdade, o processo de interpretação das normas de DH se assemelha ao das normas de Direitos Fundamentais ( *4 vide nota de rodapé ). Em outras palavras, no geral, o critério que permitirá a solução de colisões ( *5 vide nota de rodapé ) será o da razoabilidade ( *6 vide nota de rodapé ) - proporcionalidade ( *7 vide nota de rodapé ) .


Contudo podem ser apontadas algumas peculiaridades neste processo de interpretação que merecem estudo apartado.


Normativa cogente ( jus cogens ) e normativa não cogente ( soft law )


A Procuradoria Estadual do Estado do Rio Grande do Sul ( PGE / RS ), no concurso público para provimento do cargo de Assessor Jurídico, em Dois mil e quinze (adaptado ) apresentou questão pedindo que o candidato discorresse sobre os principais instrumentos normativos no Direito Internacional dos DH ( DIDH ), elencando, pelo menos três desses instrumentos ora vigentes. Nesse contexto, pede para explicar a diferença entre o denominado " hard law " e " soft law " .


Tal como acontece no direito interno com os princípios gerais do direito e os costumes ( *8 vide nota de rodapé ) em relação à norma positivada ( *9 vide nota de rodapé ), no âmbito externo é possível dividir em duas categorias o caráter coativo das normas. Neste sentido, determinadas normas de DH possuem força cogente praticamente absoluta ( * 10 vide nota de rodapé ), notadamente quando são objetos de tratados internacionais e não podem ser suspensas em hipótese alguma. Por outro lado, há normas que emanam de posicionamentos de organismos internacionais e acabam por influenciar, mas não coagir, a aplicação dos DH.


Denomina-se jus cogens - direito cogente, lei coercitiva ou lei imperativa - estas normas peremptórias que não podem em hipótese alguma ser derrogadas pelos Estados. Neste sentido, é possível identificar como jus cogens todas as normas que são consideradas inderrogáveis em termos de suspensão dos DH ( *11 vide nota de rodapé ), mas não somente elas, podendo a jurisprudência dos órgãos reconhecer outras como tais.


Algumas normas de direito cogente tanto no âmbito internacional quanto no interamericano são o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica ( *12 vide nota de rodapé ), o direito à vida ( *13 vide nota de rodapé ), o direito à integridade pessoal ( *14 vide nota de rodapé ), a proibição da escravidão e da servidão ( *15 vide nota de rodapé ), o princípio da legalidade ( *16 vide nota de rodapé ) e da retroatividade ( *17 vide nota de rodapé ), a liberdade de consciência ( *18 vide nota de rodapé ) e de religião ( *19 vide nota de rodapé ), o direito à nacionalidade ( *20 vide nota de rodapé ) e os direitos políticos ( *21 vide nota de rodapé ). Outras normas que ser referem à autodeterminação, ao uso da força, ao Direito  Internacional Humanitário ( DIH ) ( *22 vide nota de rodapé ) etc. Quando uma regra é reconhecida no sistema internacional ou nacional como parte do jus cogens, não pode ser ignorada por algum Estado sujeito ao sistema .


A figura do jus cogens tem um papel importante nos dias atuais, quando se mostra essencial reconhecer a existência de uma regra geral que seja parâmetro aos atos de todos os entes estrangeiros. Evita-se que o campo jurídico internacional seja colocado como " terra de ninguém ", onde predominará o mais forte política ou militarmente .


Neste sentido, um Estado não pode se eximir de atender a estas normas, o que limita a sua liberdade de contratar, fazendo reservas aos tratados internacionais. Correto, desta forma, afirmar que o jus cogens é um fator que limita a autonomia contratual dos Estados no campo internacional .


Além disso, quando da interpretação dos tratados internacionais não será possível derrogar norma dos jus congens, conforme prevê o Artigo Cinquenta e três da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados ( CVDT ): " É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional ( DI ) geral ( *23 vide nota de rodapé ). Para os fins da CVDT, uma norma imperativa de DI geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de DI geral da mesma natureza " . Aplica-se, assim, a grave sanção da nulidade aos atos jurídicos que contrariem o jus cogens .


Se, de um lado, existem normas absolutamente cogentes, do outro lado denotam-se normas cujo conteúdo não é juridicamente vinculante. No meio termo estão aquelas que se tornam vinculantes porque um compromisso interacional específico foi firmado em relação a elas. Hierarquicamente, estão acima das normas de soft law ( embora, no geral, sejam com elas compatíveis ), mas abaixo das normas de jus cogens ( podendo ser por elas tidas como nulas ). Neste sentido, são as denominadas normas de hard law.


Em relação aos documentos de soft law, se tratam aqueles constringentes, mas acabam empregados na prática como referências para pautar a vida social, por serem elaborados de maneira mais célere em relação em relação às leis e tratados, com maior atenção aos aspectos técnicos de um tema e por entidade com respaldo para tratar de um certo assunto.


A exemplo, Declarações não são tratados, então não são formalmente vinculantes. Entretanto, seus dispositivos encaixam-se na noção de soft law, visto que acabam por pautar largamente as relações sociais no que se diz respeito à proteção dos DH. Sendo assim, sem sombra de dúvidas, servem de parâmetro interpretativo na aplicação das normas de proteção dos DH. Tratados internacionais, por sua vez, encaixam-se no conceito de hard law .


Vale destacar que dentro de um documento de soft law pode restar conhecida uma norma do jus cogens, caso em que será tida como tal independente da natureza do documento.


Categorias normativas do DI sob o aspecto da coercitividade


Primeiro: jus cogens - normas absolutamente cogentes e inderrogáveis, independente de convenção internacional específica, de modo que qualquer norma que a contrarie é nula.

Segundo: Normas internacionais de DH - são aquelas que se tornam obrigatórias e podem ser juridicamente exigidas em relação aos Estados que se tornaram signatários do tratado que as prevê.

Terceiro: Soft law - são aquelas que se encontram em documentos não convencionais 9 notadamente Declarações de Direitos e normas afins ) e não fazem parte dos jus congens .


Vedação à interpretação deturpada


Artigo Trinta, Declaração Universal de Direitos Humanos ( DUDH ) ( *24 vide nota de rodapé )


Nenhuma disposição da DUDH pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar ato destinado á destruição de qualquer dos direitos e liberdades estabelecidos na DUDH.


Artigo Oitenta da Carta da Organização das Nações Unidas ( ONU ) ( *25 vide nota de rodapé )


Salvo o que for estabelecido em acordos individuais de tutela, feitos em conformidade com os Artigos Setenta e sete, Setenta e nove e Oitenta e um, pelas quais se coloque cada território sob este regime e até que tais acordos tenham sido concluídos, nada neste capítulo será interpretado como alteração de qualquer espécie nos direitos de qualquer Estado ou povo ou nos termos dos atos internacionais vigentes em que os membros da ONU forem partes. ( ... )


Artigo Quinto do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos ( PIDCP ) *26 vide nota de rodapé )


Primeiro. Nenhuma disposição do PIDCP poderá ser interpretada no sentido de reconhecer a um Estado, grupo ou indivíduo qualquer direito de dedicar-se  a quaisquer atividades ou praticar quaisquer  atos que tenham por objetivo destruir os direitos ou liberdades reconhecidos no PIDCP ou impor-lhe limitações mais amplas do que aquelas nele previstas.

Segundo. Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos DH fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado parte do PIDCP em virtude de leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob pretexto de que o PIDCP não os reconheça ou os reconheça em menor grau.


Artigo Quarenta e seis do PIDCP


Nenhuma disposição do PIDCP poderá ser interpretada em detrimento das disposições da Carta da ONU e das constituições das agências especializadas, as quais definem as responsabilidades respectivas dos diversos órgãos da ONU e das agências especializadas  relativamente às questões tratadas no PIDCP.


Artigo Quarenta e sete do PIDCP


Nenhuma disposição do PIDCP poderá ser interpretada em detrimento do direitos inerente a todos os povos de desfrutar e utilizar plena e livremente suas riquezas e seus recursos naturais.


Artigo Quinto do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ( PIDESC ) ( *27 vide nota de rodapé )


Primeiro. nenhuma das disposições do PIDESC poderá ser interpretada no sentido de reconhecer a um Estado, grupo ou indivíduo qualquer direito de dedicar-se a quaisquer atividades  ou de praticar quaisquer atos que tenham por objetivo destruir os direitos ou liberdade reconhecidos no PIDESC ou impor-lhes limitações mais amplas do que aquelas nele prevista.

Segundo. Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos DH fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer País em virtude de leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob pretexto de que o PIDESC não os reconheça ou os reconheça em menor grau.


Artigo Vinte e quatro do PIDESC


nenhuma das disposições do PIDESC poderá ser interpretada em detrimento das disposições da Carta da ONU ou das constituições das agências especializadas, as quais definem as responsabilidades respectivas dos diversos órgãos da ONU e agências especializadas relativamente ás matérias tratadas no PIDESC .


Artigo Vinte e cinco do PIDESC


Nenhuma das disposições do PIDESC poderá ser interpretada em detrimento do direito inerente a todos os povos de desfrutar e utilizar pela e livremente suas riquezas e seus recursos naturais .


Artigo Vinte e nove da Convenção Americana sobre Direitos Humanos ( CADH ) ( *28 vide nota de rodapé ) - Normas de intepretação


Nenhuma disposição da CADH pode ser interpretada no sentido de:

a) permitir qualquer dos Estados partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na CADH ou limitá-las em maior medida do que a nela prevista;

b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados;

c) excluir outros direitos e garantias que são inerentes aos ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo ( *29 vide nota de rodapé ); e

d) excluir ou limitar o efeito que possa produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem ( DADDH ) ( *30 vide nota de rodapé )


Artigo Trinta da CADH - Alcance das restrições


As restrições permitidas, de acordo com a CADH, ao gozo e exercício dos direitos e liberdades nela reconhecidos, não podem ser aplicadas senão de acordo com leis que forem promulgadas por motivo de interesse geral e com o propósito para o qual houverem sido estabelecidas .


Por ser tão amplo, o exercício hermenêutico, tem-se como aspecto positivo a possibilidade de abranger o máximo de situações jurídicas dignas de proteção, mas como aspecto negativo a viabilidade de se deturpar a finalidade da norma para aplicá-la como for mais conveniente ( *31 vide nota de rodapé ) .


Ciente disso, os tratados internacionais de DH expressam preocupação sobre a interpretação de seu conteúdo lembrando que tais interpretações não podem fugir da finalidade da organização e não podem servir ao impedimento no exercício de DH fundamentais ou à violação da lei, Não obstante, não se pode excluir um direito previsto em normativa diversa sob o argumento de que o tratado não o protege, preservando-se a maior proteção cabível .


Nota-se que restringe-se o processo de interpretação dos tratados internacionais de DH com a intenção de vedar a deturpação de seu conteúdo. Seja na aplicação destes tratados no âmbito internacional, seja no âmbito interno, nunca se poderá perder o verdadeiro sentido por trás da norma, que é a proteção plena da dignidade da pessoa humana ( *32 vide nota de rodapé ) e a garantia da paz entre os povos ( *33 vide nota de rodapé ) .


Repercussões interpretativas do monismo e do dualismo do direito internacional ( DI )

               

Na doutrina, foram criadas duas teorias para solucionar os conflitos existentes no processo de incorporação dos tratados no ordenamento jurídico de um Estado que assine um tratado internacional, seja ele de DH, seja ele de matéria diversa, quais sejam, a teoria monista e a teoria dualista.


Pela teoria monista, o direito interno e o DI compõem um mesmo sistema jurídico, não sendo assim autônomos ou independentes. Por outro lado, a teoria dualista, que é adotada pelo Brasil, coloca o direito interno e o DI como duas ordens jurídicas distintas ( *34 vide nota de rodapé ). Adotada a teoria monista, dispensa-se um processo de incorporação normativa, uma vez que se entende impossível a existência de conflito entre as duas ordens jurídicas. Seguindo a teoria dualista, compreende-se que é possível que a norma internacionalmente ratificada pelo Estado entre em controvérsia com a normativa interna, razão pela qual deverá passar por um processo de aprovação perante o Poder Legislativo para valer plenamente enquanto Direito positivo no âmbito nacional .


Adota-se no Brasil, conforme posicionamento amplamente majoritário, a teoria dualista, sendo possíveis controvérsias entre os diplomas internacionais ratificados pelo Brasil e a legislação interna. Neste sentido, para que uma norma internacional passe a vale no ordenamento interno precisa ser incorporada e, caso com ele entre em conflito, será necessário efetuar um exercício hermenêutico para decidir qual será aplicada. Trata-se de exercício que vai além do simples critério da norma mais favorável e observa a efetiva hierarquia pela qual foi incorporada a normativa no âmbito interno, se infraconstitucional, se constitucional ou outra, como a supralegal .


Na prática, parece ser o posicionamento mais coerente. Embora seja papel do legislador antes de aprovar a ratificação verificar a existência de eventuais conflitos entre o compromisso internacional e o ordenamento jurídico pátrio, algumas questões têm passado despercebidas, gerando discussões polêmicas no poder Judiciário, especialmente em matéria de DH.


O critério pro homine ou da primazia da norma mais favorável


Como é aplicado o que abrange o princípio da primazia da norma mais favorável? Aplicado o critério hermenêutico cronológico, lei posterior revoga lei anterior; aplicado o critério hierárquico, lei superior derroga lei inferior. No entanto, estes métodos podem ser desconsiderados nos DH, aplicando a norma mais favorável em caso de conflito entre normas.


Este é o princípio da interpretação pro homine, também conhecido como da norma mais favorável. Se feitas reservas a um tratado internacional, obviamente será deixada uma lacuna de proteção. para preservar este princípio, a lacuna deixada deve ser vista da maneira mais restrita possível, abrangendo uma menos quantidade de casos.


Critério puramente cronológico: norma posterior prevalece sobre norma anterior

Critério puramente hierárquico: norma superior prevalece sobre norma inferior

Critério da primazia da norma mais favorável: em caso de conflito entre normas, aplica-se a norma mais favorável


Observa-se o princípio da primazia dos DH numa faceta material, conforme aduz Portela ( *35 vide nota de rodapé ): " O princípio da primazia dos DH nas relações internacionais ( RI ) implica em que o Brasil deve incorporar os tratados quanto ao tema ao ordenamento interno brasileiro e respeitá-los. Implica, também em que as normas voltadas à proteção da dignidade da pessoa humana em caráter universal devem ser aplicadas no Brasil em caráter prioritário em relação a outras normas " .


O princípio da primazia da norma mais favorável aos individuo é essencial para a solução dos hard cases, nos quais dois direitos de indivíduos distintos entram em conflito aparentemente, em decorrência da relatividade e coexistência dos DH. Com mais razão, o princípio da primazia da norma mais favorável deve ser levado em consideração nestes casos difíceis nos quais se faz presente uma colisão de princípios e que exigem critério hermenêutico contemporâneo para solução. A norma que for mais favorável ao indivíduo deverá ser aplicada.


Em termos procedimentais, o princípio da primazia assume força nos sistemas monistas, que dispensam o processo de incorporação normativa aos tratados de DH. Neste sentido, eventual conflito entre normas de DH, independentemente do grau hierárquico, seria resolvido pelo critério da norma mais favorável, aplicando-se aquela que confere maior proteção à pessoa humana. Por exemplo, se no caso do depositário infiel se entendesse que a prisão civil deste era inconstitucional seria porque uma norma de DH, ainda que hierarquicamente inferior, é meais favorável à pessoa humana e deve ser seguida - qualquer norma mais favorável poderia predominar mesmo sobre a norma constitucional .


O Brasil, embora adote o critério da primazia da norma mais favorável em algumas de suas decisões, o traz  com reservas, respeitando a questão hierárquica da incorporação dos tratados internacionais de proteção aos DH.


Teoria da margem de apreciação


O que é a teoria da margem de apreciação? A teoria da margem de apreciação é baseada na subsidiariedade da jurisdição internacional e ponderada pelo princípio da proporcionalidade. Por tal, determinadas controvérsias correlatas a restrições estatais devem ser debatidas e solucionadas pelas comunidades nacionais, impedindo que o juiz internacional interfira e as aprecie, notadamente porque fatores culturais internos devem receber o merecido destaque.


" Significa dizer que uma margem de apreciação, ou área de julgamento discricionário é permitida aos Estados quando estes julgam existir uma necessidade social e a natureza de uma resposta apropriada. a noção da 'margem de apreciação' baseia-se no fato de que as autoridades nacionais estão numa posição melhor do que um tribunal internacional para julgar o que é necessário de acordo com as condições locais. Em direito internacional ( DI ) público, ele oferece uma maneira de medir a tensão entre a soberania estatal em relação às instituições internacionais e a necessidade de universalização ( *36 vide nota de rodapé ) dos patamares de DH " ( *37 vide nota de rodapé ) .


Na jurisprudência do Sistema Interamericano, a margem de apreciação teve destaque na Opinião Consultiva número Quatro / Mil novecentos e oitenta e quatro sobre mudanças constitucionais no processo de naturalização de estrangeiros ( *38 vide nota de rodapé ) na Costa Rica, sendo ainda aplicada isoladamente ( a frequência é maior na Corte Europeia de DH ) .


Em artigo científico, considerado referencial no tema, Corrêa ( *39 vide nota de rodapé ) aponta: "Tal teoria foi criada pela jurisprudência da Corte Europeia de DH com o objetivo de preservar a discricionariedade dos Estados na implementação de normas internacionais de DH. Na jurisprudência do Sistema Interamericano, a margem de apreciação ganhou espeço na Opinião Consultiva  número Quatro  / Oitenta e quatro, que discutia mudanças constitucionais no processo de naturalização de estrangeiros na Costa Rica. ( ... ) Como primeiro argumento, mencionou da doutrina clássica, que impõe a discricionariedade estatal nos assuntos relacionados à proteção dos DH, o que se obriga à relativização da jurisdição estatal em relação às legislações internacionais. ( ... ) Ainda na fundamentação, a Corte expressa a necessidade de conciliação desses princípios impostos pelo direito internacional ( DI ) aos poderes do Estado com as questões que reconhecidamente recaem sob a esfera doméstica de cada Estado, como é o caso das regras estabelecendo a nacionalidade. ( ... ) Na segunda parte da fundamentação, coube à Corte analisar as questões relativas à discriminação ( *40 vide nota de rodapé ). Primeiramente destacou que a noção de igualdade está ligada à dignidade da pessoa humana . ( ... ) E foi justamente ao considerar a proporcionalidade de possíveis restrições à dignidade  da família  em relação ao bem-estar público que a Corte Interamericana de DH ( Corte IDH ) ( *41 vide nota de rodapé ) seguindo a referência já feita ao Tribunal Europeu de DH, ampliou a teoria da margem de apreciação que é reservada aos Estados para estabelecer os requisitos de aquisição da nacionalidade e determinar se estes foram satisfeitos ( ... ) ' . entre os argumentos favoráveis à aplicação da doutrina da margem de apreciação está o da vantagem institucional, uma vez que a capacidade decisória das autoridades nacionais é superior á dos órgãos internacionais, que via de regra carecem de recursos, informações, análise de dados e acesso á perícia técnica. ( ... ) Além disso, a demonstração de cautela por parte dos órgãos internacionais na atribuição de responsabilidade estatal por violação aos DH, adequada quando se considera as consequências formais e informais advindas dessa divulgação ( como sanções e retaliações no plano internacional, além do abalo à reputação do Estado ), também advoga em favor da margem de apreciação. Finalmente, a adoção da doutrina também é considerada positiva pelo fato de contribuir na cooperação entre as instituições nacionais e internacionais. Essa parceria facilitaria o processo de internalização das normas internacionais pelos atores domésticos. ( ... ) Autores contrários à aplicação da doutrina, contudo, ponderam que a margem de apreciação proporciona o desenvolvimento de um direito paralelo, criado pelos magistrados, e que a discricionariedade conferida aos juízes  na aplicação das normas internacionais dificultaria a efetividade dessas normas. Salientam, ainda, que essa prática comprometeria a imparcialidade do Poder Judiciário em razão da possibilidade de supervalorização dos interesses do Estado em relação às normas internacionais de proteção aos DH. A aplicação da doutrina em relação a normas de jus cogens (  *42 vide nota de rodapé ), que, que não admitiriam derrogação dada á sua natureza fundamental de um valor internacional a ser protegido, também tem sido alvo de muitas críticas. Outra objeção está relacionada aos custos da ambiguidade normativa ( *43 vide nota de rodapé ) gerada pelo uso da margem de apreciação, que tende a deixar os indivíduos mais vulneráveis às ações do Estado, além de afetar indiretamente a outros Estados. ( ... ) Enquanto na Europa percebe-se um aumento do uso da doutrina como justificativa para a não interferência de tribunais internacionais nos assuntos relacionados aos valores morais e á cultura de cada Estado, na América a discricionariedade estatal foi ratificada no contexto da discussão acerca do direito à nacionalidade e à proibição de discriminação porém de uma forma bastante específica " . 


P.S.:


Notas de rodapé:


* A interpretação, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-efetividade-como.html .


*2 Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte  geral. São Paulo: Saraiva, Dois mil e onze, Volume Um .


*3 Os tratados internacionais de Direitos Humanos são melhor detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/02/direitos-humanos-hierarquia-normativa.html .


*4 Os Direitos Fundamentais, no contexto dos Direitos Humanos, são melhor detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/07/direitos-humanos-garantias.html .


*5 As colisões ou conflitos de direitos, no contexto dos Direitos Humanos, são melhor detalhadas em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-delimitacao-dos-dh.html .


*6 O princípio da razoabilidade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-o-principio-da.html .


*7 O princípio da proporcionalidade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-o-principio-da_31.html .


*8 A imprescritibilidade baseada em costumes, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/05/direitos-humanos-imprescritibilidade.html .


*9 O positivismo nacionalista, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-o-positivismo.html .


*10 A relatividade, como característica dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/07/direitos-humanos-relatividade-ampla-e.html .


*11 A possibilidade excepcional de suspensão dos Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/07/direitos-humanos-suspensao-dos-dh-e-os.html .


*12 O direito à personalidade jurídica, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/01/direitos-humanos-responsabilizacao.html .


*13 O direito à vida, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/04/direitos-humanos-doutrinas-e.html .


*14 O direito à integridade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/06/direitos-humanos-o-direito-integridade.html .


*15 A vedação da escravidão, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/05/direitos-humanos-convencao-abole.html .


*16 O princípio da legalidade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/04/direitos-humanos-doutrinas-e_13.html .


*17 O princípio da retroatividade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/06/direitos-humanos-doutrinas-e_8.html .


*18 O direito à liberdade de consciência, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/11/direitos-humanos-o-direito-de-objecao.html .


*19 O direito à liberdade de culto, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/04/direitos-humanos-doutrinas-e_31.html .


*20 O direito à nacionalidade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/05/direitos-humanos-o-direito_17.html .


*21 Os direitos políticos, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/06/direitos-humanos-direitos-politicos.html .


*22 O direito Internacional Humanitário, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/07/direitos-humanos-o-direito.html .


*23 A inserção dos Direitos Humanos no Direito Internacional é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-os-dh-inseridos-no.html .


*24 A Declaração Universal dos Direitos Humanos, também conhecida como Declaração de Paris, é melhor detalhada em: https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-onu-declara-liberdade-e-igualdade-em-dignidade-e-direitos .


*25 A Carta da Organização das Nações Unidas, também conhecida como Carta de São Francisco, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-manutencao-de-paz-e.html .


*26 O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-pacto-obriga-estados.html .


*27 O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-pacto-assegura.html .


*28 A Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-convencao-americana.html .


*29 O direito à democracia, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/05/direitos-humanos-os-direitos-politicos.html .


*30 A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem é melhor contextualizada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/09/direitos-humanos-as-declaracoes.html .


*31 A interpretação dos Direitos Humanos, como forma de evitar pendores pessoais, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-interpretacao-juridica.html .


*32 O princípio da dignidade da pessoa humana, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-dignidade-humana-e.html .


*33 O garantia da paz, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-manutencao-de-paz-e.html .


*34 Mello, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direitos Internacional Público. Décima-quarta edição. São Paulo: Saraiva, ano Dos mil, Páginas Cento e quatorze a Cento e quinze .


*35 Portela, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. Salvador: JusPODIVM, Dois mil e nove, Páginas Noventa e nove a Cento e um .


*36 A universalidade, como característica dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-universalidade-e.html .


*37 Feldman, David. Civil Libertaties and Human Rights in England and Wales. Segunda edição. Oxford: Oxford University Press, Dois mil e dois, página Cinquenta e sete apud Corrêa, Paloma Morais. Corte internacional de direitos humanos: opinião consultiva número Quatro / Mil novecentos e oitenta e quatro - a margem de apreciação chega à América. Revista de Direitos Internacional. Brasília, Volume Dois, Dois mil e treze .


*38 Os direitos do migrante, no contexto dos Direitos Humanos, são melhor detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/06/direitos-humanos-os-direitos-do.html .


*39 Corrêa, Paloma Morais, Corte interamericana de  direitos humanos: opinião consultiva Quatro0 / oitenta e quatro - a margem de apreciação chega à América. Revista de Direito  Internacional. Brasília, Volume Dez, Número Dois, Dois mil e treze .


*40 A vedação à discriminação, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-discriminacao-e.html .


*41 A Corte Interamericana de Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-corte-interamericana.html .


*42 Os crimes de jus cogens, no contexto dos Direitos Humanos, são melhor detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/10/direitos-humanos-imprescritibilidade.html .


*43 A ambiguidade normativa, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor exemplificada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/10/direitos-humanos-das-declaracoes.html .     

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