O juízo de delibação na extradição ( * vide nota de rodapé ) passiva ( requerida por outro Estado ) consiste em avaliação, pelo Supremo Tribunal Federal ( STF ), de cumprimento formal dos requisitos constitucionais, convencionais e legais que autorizam a extradição. Não visa a verificar a culpa do extraditando, pois é um contencioso de legalidade no qual a defesa apontará eventuais ausências de requisitos essenciais no procedimento extradicional. Nesse sentido, a lei número treze mil quatrocentos e quarenta e cinco / Dois mil e dezessete estabelece que a defesa do extraditando deve versar sobre
1) a identidade da pessoa reclamada,
2) defeito de forma de documento apresentado ou
3) ilegalidade ( e também inconvencionalidade, caso prevista em tratado ) da extradição ( Artigo número Noventa e um, parágrafo Primeiro ) ;
4) Também a defesa pode sustentar a eventual violação de direitos do extraditando previstos na Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) ou
5) em tratado de Direitos Humanos ( DH ) celebrados pelo Brasil ( *2 vide nota de rodapé ) .
Pode-se dividir os requisitos essenciais para o deferimento pelo STF de uma extradição passiva ( requerida por outro Estado ) em requisito em requisitos constitucionais e requisitos legais .
Os requisitos constitucionais são:
1) Não ser o extraditando brasileiro nato e, no caso de naturalizado, ter sido o crime cometido antes da naturalização ou, a qualquer momento, no caso de comprovado envolvimento em tráfico de entorpecente ( princípio geral de inextraditabilidade do brasileiro, incluído o naturalizado ) . Como a CF - 88 exige " comprovado envolvimento ", só se admite a extradição passiva executória de brasileiro naturalizado envolvido em tráfico de entorpecentes após a naturalização ( *3 vide nota de rodapé ) . Logo, o Estado Requerente terá de apresentar certidão de trânsito em julgado da condenação criminal para que a extradição seja deferida. No caso da existência de registro civil de nascimento no Brasil contestado por ação anulatória, a presunção de veracidade dos registros públicos impede, em geral, que a extradição seja deferida ( há o risco de se extraditar brasileiro nato, caso a ação anulatória seja, ao final, julgada improcedente ) . Contudo, caso venha a ser definitivamente cancelada o assento de nascimento brasileiro do indivíduo, pode ser realizado novo pedido extradicional ( Extradição número Mil quatrocentos e quarenta e seis, Relator Ministro Dias Toffoli, julgada em Sete de novembro de Dois mil e dezessete ) .
2) Não for o caso de crime político ou de opinião. A CF - 88 não define o que vem a ser crime político, tendo o STF adotado a teoria mista para caracterizá-lo: crime político aquele que é realizado com motivação e os objetivos políticos de um lado ( elemento subjetivo ), e, de outro, com a lesão real ou potencial a valores fundamentais da organização política do Estado ( elemento objetivo ). Como exemplo de reconhecimento de crime político está o caso de extraditando acusado de transmitir ao Iraque segredo do Estado Requerente ( Alemanha ), utilizável em projeto de desenvolvimento de armamento nuclear, tendo o STF indeferido a extradição ( Extradição número Setecentos, Relator Octávio Gallotti, julgada em Quatro de março de Mil novecentos e noventa e oito, Plenário, Diário da Justiça de Cinco de novembro de Mil novecentos e noventa e nove. ) . Por outro lado, o STF não reconhece a excludente de crime político para casos de terrorismo, sejam atos cometidos por particulares, sejam atos perpetrados com o apoio oficial do próprio aparato governamental, no chamado terrorismo de Estado 9 Extradição número Oitocentos e cinquenta e cinco, Relator Ministro Celso de Mello, julgada em Vinte e seis de agosto de Dois mil e quatro. Plenário, Diário da Justiça de Primeiro de julho de Dois mil e cinco ) . A Lei número treze mil quatrocentos e cinquenta e cinco / Dois mil e dezessete determina que o STF poderá deixar de considerar crime político o atentado contra chefe de Estado ou quaisquer autoridades, bem como crime contra a humanidade, crime de guerra, crime de genocídio e terrorismo ( Artigo número Oitenta e dois, Parágrafo Quarto ) .
3) Ser respeitado o devido processo legal ( * 4 vide nota de rodapé ) no Estado Requerente. A observância do devido processo legal pelo Estado Requerente no julgamento do extraditando é requisito constitucional implícito, de acordo com o STF ( Extradição número Seiscentos e trinta e três - Nove, Relator Ministro Celso de Mello, julgada em Vinte e oito de agosto de Mil novecentos e noventa e seis, Diário da Justiça de Seis de abril de Dois mil e um ), podendo ser extraído ainda da proibição legal de julgamento do extraditando por juízo de exceção .
4) Ser comutada a pena de morte ou de caráter perpétuo em pena privativa de liberdade não superior a Trinta anos . A comutação da pena de caráter perpétuo foi considerado pelo STF como requisito implícito da CF - 88 indispensável para que a extradição passiva possa ser deferida ( Extradição número Oitocentos e cinquenta e cinco, Relator Ministro Celso de Mello, julgada em Vinte e seis de agosto de Dois mil e quatro, Plenário, Diário da Justiça de Primeiro de julho de Dois mil e cinco ) . Atendendo essa posição do STF, a Lei número Treze mil quatrocentos e quarenta e cinco / Dois mil e dezessete dispõe que o Estado estrangeiro requerente deve assumir o compromisso de comutar a
a) pena corporal,
b) perpétua ou de
c) morte
em pena privativa de liberdade de, no máximo, cumprimento de pena privativa de liberdade, que agora não pode ser superior a Quarenta anos ( Artigo número Setenta e cinco do Código Penal - CP - antes o limite era Trinta anos ) . houve o rompimento do paralelismo do limite das penas pelo qual a restrição aplicada no Brasil no processo extradicional era fruto da opção interna de limite máximo de cumprimento de pena. Tal opção gerava o dever do Estado estrangeiro requerente de seguir o modelo nacional. agora, o extraditando estará em melhor situação que o preso ( nacional ou estrangeiro ) do sistema de justiça nacional. Não se pode alegar revogação implícita, pois são institutos deferentes manejados em diplomas normativos distintos, não tratando a Lei Anticrime em algum momento de cooperação jurídica na modalidade extradição .
São os seguintes os principais requisitos legais previstos na Lei número Treze mil quatrocentos e quarenta e cinco / Dois mil e dezessete e nos principais tratados de extradição:
1) Obediência e Prevalência dos tratados. A extradição será regida pelo tratado eventualmente firmado pelo Brasil e pelo Estado Requerente, afastado - se a Lei número treze mil quatrocentos e quarenta e cinco, pois o tratado é lex specialis em relação à lei.
2) Reciprocidade na ausência de tratado. A extradição só será autorizada pelo Brasil caso haja tratado ou, na sua ausência, caso haja promessa de reciprocidade pelo Estado Requerente ( Artigo número Oitenta e quatro, Parágrafo Segundo, o qual deve ser utilizado como cláusula genérica de reciprocidade ) assegurando que, na hipótese de o Brasil solicitar extradição em caso similar, o Estado estrangeiro a deferirá ) .
3) Especialidade. O Estado requerente deve se comprometer a só processar ou punir o extraditando pelo crime que estiver no pedido de extradição. Não pode também extraditar para outro Estado ( extradição camuflada para terceiro ) .
4) Identidade ou dupla tipicidade e punibilidade ( também chamado modelo do crime hipotético ou paralelismo ) . Só cabe extradição caso a conduta cometida pelo extraditando for, hipoteticamente, crime no Estado Requerente e também no Brasil, sem qualquer caso de extinção da punibilidade de acordo com os dois ordenamentos jurídicos. Não se exige o mesmo tipo penal ou a mesma denominação: basta que o fato seja crime punível nos dois Estados .
5) Preferência da jurisdição nacional penal. Não será concedida extradição caso o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando .
6) Proibição do ne bis in idem. Não será concedida a extradição, caso o extraditando estiver a responder a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido .
7) Proibição de Juízo de Exceção. Não se concede extradição caso o extraditando houver de responder, no Estado requerente, perante Tribunal ou Juízo de Exceção. Essa proibição legal é compatível com a exigência do " devido processo legal " no Estado requerente, que é requisito constitucional implícito, na visão do STF .
8) Proibição de determinadas penas e de tratamento cruel, desumano e degradante ( *5 vide nota de rodapé ). A Lei número Treze mil quatrocentos e quarenta e cinco / Dezessete absorveu a jurisprudência atual do STF e determinou a necessidade de comutação da pena corporal, perpétua e de morte, que o extraditando poderia extar submetido pela Lei do Estado requerente, bem como estipulou o limite máximo de Trinta anos para o cumprimento da pena privativa de liberdade. Além disso, o Estado requerente não poderá submeter o extraditando a
a) tortura ( *6 vide nota de rodapé ) ou a
b) outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
A fiscalização do cumprimento desses deveres do Estado requerente incumbe ao Estado brasileiro, nas suas relações diplomáticas.
9) Exigência de crime grave. Só será concedida extradição se a lei brasileira impuser, hipoteticamente, ao crime cometido pena de prisão igual ou superior a dois anbos 9 não cabe extradição para ilícito cível ou contravenção penal ) .
Em Dois mil e dezenove, a Extradição número Mil quinhentos e setenta e oito, o STF esclareceu pontos importantes sobre os requisitos da extradição. No caso, tratou-se de pedido extradicional de brasileiro naturalizado ( turco, originalmente ) feito pela Turquia por supostos crimes cometidos antes da naturalização. Apesar de teoricamente possível ( crimes cometidos antes da naturalização ), o STF reconheceu três grandes óbices.
1) Em primeiro lugar, a ausência da dupla identidade, pois o crime de terrorismo teria sido praticado ( Dois mil e treze - Dois mil e quatorze ) antes da vigência da Lei brasileira número treze mil duzentos e sessenta / Dois mil e dezesseis ( disciplina o terrorismo e reformula o conceito de organização terrorista ) .
2) Em segundo lugar, a utilização do Artigo número Dezesseis da Lei de Segurança Nacional ( LSN ) brasileira ( LSN; Lei número Sete mil cento e setenta / Mil novecentos e oitenta e três ) pra caracterizar a " dupla identidade " não seria possível, pois o STF já reconheceu que os crimes tipificados na LSN são " crimes políticos ", uma vez que considerados crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social. Consequentemente, aplica-se a vedação do Artigo Quinto, Inciso Cinquenta e dois, da CF - 88 ( não será concedida a extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião ) .
3) Finalmente, a situação recente na Turquia levou o STF a considerar impossível um julgamento justo e com a garantia do devido processo legal no Estado estrangeiro, fazendo incidir a proibição de extraditar caso o extraditando venha a responder, no Estado requerente, perante tribunal ou juízo de exceção ( Artigo número Oitenta e dois, Inciso Oitavo, da Lei número Treze mil quatrocentos e quarenta e cinco / Dois mil e dezessete ) . Foi mais um caso no qual o STF avaliou a situação de Direitos Humanos ( DH ) no Estado requerente, antes de autorizar a extradição 9 STF, Extradição número Mil quinhentos e setenta e oito, Relator Ministro Edson Fachin, julgado em Seis de agosto de Dois mil e dezenove ) .
P.S.:
Notas de rodapé:
* A vedação da extradição, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/11/direitos-humanos-extradicao-existente.html .
*2 A celebração de tratados de Direitos Humanos pelo Brasil é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/02/direitos-humanos-vontade-do-brasil-de.html .
*3 O ciclo de naturalização de imigrante, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/01/direitos-humanos-os-direitos-do.html .
*4 O direito ao devido processo legal, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/06/direitos-humanos-doutrinas-e_28.html .
*5 A vedação ao tratamento cruel, desumano ou degradante, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/06/direitos-humanos-o-direito-integridade_13.html .
*6 A vedação à tortura, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-convencao-previne-e.html .
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